Acórdão nº 1560/13.1TBVRL-M.G1.S2 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 18 de Janeiro de 2022

Magistrado ResponsávelMARIA JOÃO VAZ TOMÉ
Data da Resolução18 de Janeiro de 2022
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, I – Relatório 1.

A Exequente/Requerente Manuel Joaquim Caldeira, Lda.

, intentou contra a Requerida Sociedade Agrícola e Imobiliária da Quinta de São Paio, Lda., procedimento cautelar de arresto, alegando, em síntese, que são os Executados AA e seu filho, BB, que detêm e controlam todas as sociedades nos autos envolvidas, designadamente, a Requerida; que o crédito exequendo se encontra há muito vencido e é líquido; que os Executados se furtam ao pagamento à Exequente dos valores que há muito lhe são devidos. Invoca também que nada receberá dos Executados no caso de não ser apreendido, à ordem destes autos, o direito da Requerida ao pagamento da renda pela Pingo Doce - Distribuição Alimentar, S.A., decorrente do contrato de arrendamento do imóvel onde se encontra instalado o estabelecimento comercial Pingo Doce em ....

  1. A Requerente Manuel Joaquim Caldeira, Lda.

    , pretende que sejam arrestados os seguintes bens: 1) o direito da Requerida Sociedade Agrícola e Imobiliária da Quinta de São Paio, Lda., ao pagamento da renda pela Pingo Doce - Distribuição Alimentar, S.A., decorrente do arrendamento do imóvel onde se encontra instalado o estabelecimento comercial Pingo Doce, sito no Gaveto das Ruas ... e ..., em ...; 2) os imóveis pertencentes à Requerida Sociedade Agrícola e Imobiliária da Quinta de São Paio, Lda. (entre os quais se encontra aquele referido no ponto anterior, i.e.

    , o imóvel inscrito na matriz predial urbana da freguesia ... do concelho ..., sob o artigo ...12 e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...23 da dita freguesia); 3) o saldo das contas de depósito bancário de que a Requerida Sociedade Agrícola e Imobiliária da Quinta de São Paio, Lda., é titular em todas as instituições bancárias que exercem a sua atividade em Portugal.

  2. Produzida a prova, foi proferida a decisão de fls. 516 vº e seguintes onde se decidiu julgar a presente providência cautelar procedente e, consequentemente, decretar o arresto: 1) do direito da Requerida Sociedade Agrícola e Imobiliária da Quinta de São Paio, Lda., ao pagamento da renda pela Pingo Doce - Distribuição Alimentar, S.A., decorrente do arrendamento do imóvel onde se encontra instalado o estabelecimento comercial Pingo Doce sito no Gaveto das Ruas ... e ..., em ...; 2) de todos os bens imóveis propriedade da Requerida Sociedade Agrícola e Imobiliária da Quinta de São Paio, Lda. (entre os quais está o imóvel inscrito na matriz predial urbana da freguesia ... do concelho ..., sob o artigo ...12 e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...23 da dita freguesia, assim como os identificados na Alínea HH) dos Factos Provados que se encontrem inscritos na respetiva Conservatória do Registo Predial conforme certidões juntas na ref.ª ...).

  3. Inconformada com esta decisão, a Requerida Sociedade Agrícola e Imobiliária da Quinta de São Paio, Lda., interpôs recurso de apelação.

  4. A Requerente/Recorrida Manuel Joaquim Caldeira, Lda.

    , respondeu, pugnando pela improcedência do recurso.

  5. Por acórdão de 9 de junho de 2020, o Tribunal da Relação ... decidiu o seguinte: “Em conformidade com o exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmar a douta decisão recorrida.

    Custas pela apelante.

    Notifique”.

  6. Não conformada, a Requerida Sociedade Agrícola e Imobiliária da Quinta de São Paio, Lda., interpôs recurso de revista com as seguintes Conclusões: “PRIMEIRA CONCLUSÃO A recorrente baseou o recurso de apelação dela em três fundamentos distintos, a saber - A incompetência absoluta, em razão da matéria, do Juízo de Execução ..., do Tribunal Judicial da Comarca ..., para tramitar o procedimento cautelar de arresto que tramitou, e, consequentemente, nele prolatar qualquer decisão, nomeadamente aquela que no mesmo prolatou; - Erro na decisão de 1ª instância, relativamente ao julgamento da matéria de facto, - Erro na decisão de 1ª instância, relativamente ao julgamento da matéria de direito; três fundamentos esses dos quais nenhum mereceu acolhimento favorável do Tribunal da Relação ...

    SEGUNDA CONCLUSÃO Sendo, relativamente a todos esses três fundamentos, possível, de tal acórdão do Tribunal da Relação ..., de 09 de junho de 2020, recorrer de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, pois que: - quanto à incompetência absoluta, em razão da matéria, do Juízo de Execução ..., do Tribunal Judicial da Comarca ..., por força dos artigos 629.º-2-a) e 671.º-1 e 3 (1ª parte), ambos do CPC.

    - no que diz respeito ao erro de julgamento, relativo à matéria de facto, por tal erro ter consistido na rejeição do recurso da matéria de facto, ao abrigo do artigo 640.º-1-b), do CPC, naquilo que constituiu uma decisão primária daquele tribunal de 2ª instância, e , portanto, sempre passível de recurso.

    - com referência ao erro do julgamento quanto à matéria de direito, a recorribilidade do acórdão em causa, e apesar de estarmos em presença de uma dupla conforme da conjugação dos artigos 671.º-3 (última parte) e 672.º-1-c), ambos do CPC.

    TERCEIRA CONCLUSÃO E isto, porque tal acórdão está em contradição, nomeadamente com o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 06 de setembro de 2018, que aqui se indica como sendo o acórdão fundamento.

    QUARTA CONCLUSÃO Realmente, enquanto que no acórdão sob recurso foi entendido não ser indispensável, para a desconsideração da personalidade jurídica de uma sociedade comercial, a alegação e a prova de quais foram os atos concretos, praticados por tal sociedade, dos quais possa decorrer ter havido qualquer abuso do direito ou violação do princípio da boa-fé, visando enganar os credores, o acórdão fundamento pronunciou-se no sentido contrário, ou seja, no sentido dessa indispensabilidade.

    QUINTA CONCLUSÃO Resultando desses dois acórdãos que eles foram ambos, isto é, o acórdão fundamento e o acórdão sob recurso, proferidos, e apesar da figura da desconsideração da personalidade jurídica ser de construção doutrinária e pretoriana, no domínio da mesma legislação, que, de certa maneira rege tal figura (artigo 334.º, do Código Civil – CC e Código das Sociedades Comerciais), e sobre a mesma já atrás referida questão fundamental de direito (indispensabilidade, ou não, de, para poder ter lugar a desconsideração da personalidade jurídica de uma sociedade comercial, ser necessário alegar e provar a prática de atos concretos, dos quais possa decorrer ter havido abuso do direito e/ou violação do princípio da boa-fé), não tendo sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência, conforme com o acórdão recorrido.

    SEXTA CONCLUSÃO O primeiro fundamento do recurso de apelação, OPRTUNAMENTE INTERPOSTO PELA SOCIEDADE AGRÍCOLA E IMOBILIÁRIA DA QUINTA DE S. PAIO LDA, consistia em, o Juízo de Execução ..., do Tribunal Judicial da Comarca ..., ser materialmente incompetente para tramitar o procedimento cautelar em questão, e nele decidir a providência cautelar de arresto que nele decidiu.

    SÉTIMA CONCLUSÃO Constituindo tais motivos, essencial e resumidamente, em, a no procedimento cautelar requerida/arrestada, que era a aqui recorrente SOCIEDADE AGRÍCOLA E IMOBILIÁRIA DA QUINTA DE S. PAIO LDA, não ser executada na execução, da qual o procedimento cautelar em questão era dependência, não podendo pois tal execução corresponder ao processo principal desse procedimento cautelar.

    OITAVA CONCLUSÃO Tendo, no caso em análise, tal processo principal necessariamente que ser uma ação declarativa, com processo comum, a propor pela exequente/arrestante, ou seja, a MANUEL JOAQUIM CALDEIRA LDA, contra a arrestada SOCIEDADE AGRÍCOLA E IMOBILIÁRIA DA QUINTA DE S. PAIO LDA.

    NONA CONCLUSÃO Questão da competência material do Juízo de Execução ... essa, que o Tribunal da Relação ... resolveu, dizendo, como disse, que a afirmação da recorrente, segundo a qual a ação executiva n.º 1560/13.... não podia ser a ação principal do procedimento cautelar em causa, não tinha qualquer fundamento, dado que o artigo 364.º-1, do CPC, estabelece que o procedimento cautelar pode ser dependência de uma ação declarativa ou executiva, tratando-se de uma questão que não oferece qualquer discussão.

    DÉCIMA CONCLUSÃO Não sendo isso, ou seja, poder, ou não, um procedimento cautelar, depender de uma ação executiva, que estava em causa no recurso de apelação em questão, pois que a lei, no caso o artigo 364.º-1, do CPC, consagra efetivamente expressamente a possibilidade de um procedimento cautelar ser dependência de qualquer ação, seja ela declarativa ou executiva.

    DÉCIMA PRIMEIRA CONCLUSÃO Na verdade, o que estava, e continua a estar, em causa, é saber se uma ação executiva, que tem como exequente A (no caso MANUEL JOAQUIM CALDEIRA LDA), e na qual são executados somente B (AA) e C (BB), pode ser a ação principal de um procedimento cautelar de arresto, que tem como requerente/arrestante também A (MANUEL JOAQUIM CALDEIRA LDA), e como requerida/arrestada apenas D (SOCIEDADE AGRÍCOLA E IMOBILIÁRIA DA QUINTA DE S. PAIO LDA), que não é executada na ação executiva em causa, e da qual A (MANUEL JOAQUIM CALDEIRA LDA) não é credor, nem dispondo contra ela de qualquer título executivo.

    DÉCIMA SEGUNDA CONCLUSÃO Entendendo-se que isso não é possível, pois que, se assim pudesse ser, D (SOCIEDADE AGRÍCOLA E IMOBILIÁRIA DA QUINTA DE S. PAIO LDA) não teria qualquer ação principal para contrariar os fundamentos que estiveram na base do arresto em causa, nomeada e principalmente, o fundamento nuclear dessa decisão, ou seja, a desconsideração da personalidade jurídica de tal sociedade DÉCIMA TERCEIRA CONCLUSÃO Nomeadamente os factos em que tal decisão assentou, factos esses que são aqueles que, no procedimento cautelar em questão, foram considerados como provados, muito embora, e como da própria decisão de 1ª instância consta, e é próprio dos procedimentos cautelares, apenas indiciariamente.

    DÉCIMA QUARTA CONCLUSÃO Não podendo sequer a SOCIEDADE AGRÍCOLA E IMOBILIÁRIA DA QUINTA DE S. PAIO LDA arrolar testemunhas e...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT