Acórdão nº 19473/17.6T8LSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 18 de Janeiro de 2022

Magistrado ResponsávelPEDRO DE LIMA GONÇALVES
Data da Resolução18 de Janeiro de 2022
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório 1.

AA instaurou a presente ação declarativa de condenação, com processo comum, contra BB, Clínica Biscaia Fraga – Cirurgia Plástica e Estética, Lda.

e Seguradoras Unidas, S.A., anteriormente designada A.M.A. Seguros, peticionando a condenação no pagamento de €12 844,58, a título de indemnização por danos patrimoniais e de €50 000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais, quantias essas acrescidas de juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação e até integral pagamento.

  1. Citados, os Réus apresentaram contestação.

    Concluíram, pedindo a improcedência da ação e a sua absolvição do pedido e a condenação do Autor como litigante de má fé.

  2. Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença, que decidiu: “Pelo exposto, julgo a acção parcialmente procedente e, em consequência: I) condeno o R.

    BB e a R.

    Seguradoras Unidas, Lda, a pagar ao A.: a) a quantia de € 10.426,65, acrescida de juros de mora a contar da citação, à taxa legal de 4% ao ano e até integral pagamento; b) a quantia de € 20.000,00, acrescida de juros de mora vincendos desde a data presente sentença, à mesma taxa, até integral pagamento; II) absolvo os RR.

    supra referidos do mais que contra si era peticionado e absolvo a R.

    Clínica Biscaia Fraga – Cirurgia Plástica e Estética, Lda, da totalidade do pedido.

    Não se condena o A.

    como litigante de má fé”.

  3. Não se conformando com esta decisão, os Réus interpuseram recurso de apelação para o Tribunal da Relação ....

  4. O Tribunal da Relação ... veio a julgar o recurso de apelação improcedente, e confirmou a decisão proferida pelo Tribunal de 1.ª instância, sem voto de vencido, e com a mesma fundamentação, tendo mantido, os factos dados como provados e não provados pelo Tribunal de 1ª instância.

  5. Inconformados com tal decisão, os Réus BB e Seguradoras Unidas, S.A. vieram interpor o presente recurso de revista, formulando as seguintes (transcritas) conclusões: I. Com o presente recurso visa-se por em crise a decisão de direito proferida pelo Tribunal da Relação ... que confirmou a sentença de 1ª Instância que julgou a acção por parcialmente por provada e condenou os ora Recorrentes no pedido.

    1. A revista deve ser admitida porquanto no caso em apreço se verificam as três situações a que alude o nº 1 do art.º. 672º do C. P. Civil.

    2. (1) Está em causa uma questão cuja apreciação pela sua relevância jurídica é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito. Debate-se nos autos o resultado de uma cirurgia de aumento peniano com uma finalidade estética. O acórdão recorrido defende que se trata de uma obrigação de resultado e não de uma obrigação de meios como a propósito dos mesmos factos foi defendido pelo T. R. … e pelo …ª Juízo Cível dos Juízos Cíveis … nos processos identificados na motivação.

      Acresce a esta controvérsia judicial a circunstância de estar assente nos autos que o paciente rompeu o protocolo médico, não tendo comparecido às revisões no pós-operatório. Constituindo a lipoplastia um enxerto de gordura, que inclusivamente pode ser rejeitado pelo organismo do paciente, e não se tendo dado como provados factos que revelem ter o médico violado a “legis artis” é da maior relevância jurídica determinar se ainda assim a obrigação é de resultado como defende o acórdão recorrido, ou é de meios, como defendem as outras duas decisões sobre os mesmos factos.

    3. (2) Está em causa interesse de particular relevância social. O caso em análise suscitou intenso debate televisivo, designadamente na ..., porquanto, como o próprio acórdão assume, ao considerar a obrigação de resultado na cirurgia estética, ao invés de uma obrigação de meios, veio defender algo em sentido contrário ao que até aqui tinha sido decidido pela maioria da jurisprudência.

    4. A decisão recorrida veio ainda introduzir a questão da irrelevância do acompanhamento pós-operatório no resultado cirúrgico obtido, e a condenação do médico, independentemente de se ter provado a violação da “legis artis”, apenas com base no resultado obtido. O que em nosso entender pode levantar duas questões de alarme social; a primeira é a desconsideração da importância dos cuidados pós operatórios comummente assentes até agora como absolutamente essenciais no êxito cirúrgico, o que até pode conduzir a uma actividade médica defensiva, por receio de responsabilização do médico que apesar de ter cumprido todas as regras a que estava vinculado, não conseguiu obter o resultado pretendido pelo paciente, seja por riscos inerentes ao próprio acto, seja porque o paciente não cumpriu o protocolo pós-operatório. A segunda a um alarme das seguradoras, que a partir daqui terão de repensar toda a sua actividade seguradora de actos médicos, porquanto a responsabilidade do médico sobressai inesperadamente agravada.

      Donde, também por esta razão a revista deve ser admitida.

    5. (3) Finalmente, o acórdão ora posto em crise está em total oposição com o acórdão transitado em julgado proferido pelo T. R. Porto, em 07.06.2006 de que se junta cópia. Donde, também por esta razão a revista deve ser admitida.

    6. O ora Recorrido contratou os serviços do Recorrente para entre outros serviços lhe prestar um serviço cirúrgico de aumento peniano por razões estéticas (conforme artigo 9º dos factos provados).

    7. O serviço contratado consistia em retirar tecido adiposo – vulgo gordura – de uma parte do corpo do Recorrido e aplicá-la ao longo do corpo do pénis, uniformemente para que este aumentasse (cfr. artigo 11º dos factos provados).

    8. A terapêutica proposta e aceite pelo ora Recorrido implicava o tratamento em diversos tempos cirúrgicos, e ainda, o uso de extensor com vista ao aumento do comprimento do pénis e a manter o tecido adiposo distribuído de forma uniforme (cfr. artigo 11º, alínea d) dos factos provados).

    9. Resulta dos factos provados – artigo 63 – que após a última cirurgia a que foi submetido, o A. ora Recorrido não compareceu às consultas de revisão prescritas pelo ora Recorrente.

    10. E em virtude disso, a partir dessa data, o A. ora Recorrido não efectuou o controlo clínico do tratamento respeitante ao uso do extensor.

    11. Resulta dos factos provados que o ora Recorrido apenas foi visto por médico urologista em 22.09.2012, ou seja, quase um ano e meio depois do último acto cirúrgico a que foi sujeito.

    12. Não resulta dos factos provados que o R. ora Recorrente tenha violado a “legis artis”.

    13. O Tribunal recorrido entende que a obrigação do médico no caso em análise se trata de uma obrigação de resultado, e uma vez que o paciente apresenta lesões se verifica a ilicitude do acto, e se presume a culpa, e que o facto de o paciente não ter comparecido no pós-operatório é irrelevante para a lide, assim como é irrelevante não ter permitido o acompanhamento do uso do extensor, uma vez que não provou que tratamentos lhe teria efectuado o médico nessas consultas para evitar o dano.

    14. Quanto ao facto da obrigação ser de resultado, e não de meios, como foi defendido a propósito do caso aqui em apreço, nas duas decisões judiciais supra citadas, temos que exigir ao médico a obtenção de um resultado num acto médico-cirúrgico que corresponde a um enxerto de tecido adiposo, é exigir-lhe um resultado impossível - bastava o enxerto não pegar.

    15. Por conseguinte, a obrigação aqui em causa, contrariamente ao decidido, só podia ser de meios.

    16. Contrariamente ao decidido para a verificação do pressuposto da ilicitude, não bastaria ao ora Recorrido demonstrar a não verificação ou a desconformidade do resultado obtido; seria necessário demonstrar que o médico incumpriu as “legis artis” concretamente aplicadas no caso em apreço, o que não sucedeu. Não há um único facto dado como assente donde resulta que o Recorrente não aplicou as melhores práticas médicas.

    17. Tendo em conta a conduta do paciente aqui Recorrido que incumpriu o protocolo pós-operatório a que se obrigou, condenar o médico pelo resultado obtido, tal como se fez, é confundir perigosamente o que seja causa adequada com causa sine qua non.

    18. Verificada a ilicitude, por força do preceituado no art. 799.º, n.º 1 do Código Civil, incumbe ao médico afastar a presunção de culpa.

    19. No caso em apreço não se verificou a ilicitude, mas ainda assim o médico provou que o paciente não cumpriu a parte que lhe competia para o êxito do resultado médico obtido, e não se diga que a prova feita é irrelevante, quando resulta cristalino que o paciente quebrou o protocolo acordado.

    20. Ora, não se pode impor ao médico a responsabilidade por um resultado em que não foram observados todos os pressupostos por si impostos à partida para a obtenção do mesmo.

    21. Apesar de todo o supra exposto, apenas por mera necessidade de raciocínio, admitindo haver qualquer acto ilícito por banda do ora Recorrente, diz-nos o artigo 340º, nº 1, do Código Civil, “O acto lesivo dos direitos de outrem é lícito, desde que este tenha consentido na lesão”.

    22. O ora Recorrido deu o seu consentimento ao acto, e conformou-se com os resultados.

      XXIV.

      Não fez qualquer reparo ao processo de obtenção desse consentimento na lide, pelo que o tema não foi objecto de contraditório.

    23. Uma vez mais de forma insólita, vem o tribunal de recurso, argumentar que se trata de uma questão de direito, apurar se esse consentimento é válido, trazendo para a lide factos que as partes não trouxeram, o que também lhe estava vedado.

    24. Dissertar sobre o que foi ou não foi explicado ao paciente pelo médico sobre os riscos cirúrgicos, como faz o acórdão recorrido, não é uma questão de direito, é uma avaliação negativa do acto médico em causa, como sobressai de todo o acórdão.

    25. Diz o acórdão recorrido que não está provado que o risco da gordura poder espalhar-se de modo não uniforme, e nesses locais de acumulação não queridos, acabar a granular, tenha sido explicado ao A..

    26. Seguramente não foi, porque esta afirmação encerra em si mesma uma avaliação do acto médico executado, absolutamente errada.

    27. Afigura-se-nos até que o tribunal...

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