Acórdão nº 0810/18.2BESNT de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 02 de Fevereiro de 2022

Magistrado ResponsávelJOAQUIM CONDESSO
Data da Resolução02 de Fevereiro de 2022
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACÓRDÃO X RELATÓRIO X"A………….. PORTUGAL, S.A.", com os demais sinais dos autos, deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mº. Juiz do T.A.F. de Sintra, constante a fls.219 a 255 do processo físico, a qual julgou improcedente a presente impugnação pelo recorrente intentada e visando, mediatamente, acto de autoliquidação de Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético (CESE), relativo ao ano de 2017 e no montante de € 184.781,58.

XO recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.266 a 304 do processo físico) formulando as seguintes Conclusões, após notificação para síntese das mesmas (cfr.fls.352 a 357): 1-O contexto em que o legislador português aprovou (cf. artigo 228.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro – “Lei do Orçamento do Estado para o ano de 2014”) o regime da CESE, a vigorar a partir de 1 de Janeiro de 2014, teve em vista, principalmente, financiar os custos decorrentes das opções políticas adoptadas no sector de produção de energia eléctrica, designadamente a redução da dívida tarifária associada à assunção dos CIEG. A vigência desta contribuição foi sendo sucessivamente prorrogada, mantendo-se ainda em vigor.

2-O objetivo principal assumido no relatório do Orçamento do Estado e no preâmbulo do Decreto-Lei n.° 55/2014, é o de que a CESE constitua contributo do sector para o esforço de consolidação orçamental. A vigência desta contribuição foi sendo sucessivamente prorrogada, mantendo-se ainda em vigor.

3-De acordo com o artigo 1.° do Regime Jurídico da CESE, o tributo teria um objetivo dúplice, sob a égide da finalidade geral de promoção da sustentabilidade sistémica do sector: 1) redução do défice tarifário do sector elétrico e 2) financiamento de políticas sociais e ambientais do sector energético. Sendo que, a afetação a essas duas subfinalidades seria de um terço da receita para a primeira e de dois terços para a segunda, afetação que resulta igualmente do disposto no artigo 4.° do Decreto-Lei n.° 55/2014, de 9 de abril, diploma que cria o FSSSE.

4-A afetação preponderante ao financiamento de políticas sociais e ambientais do sector energético é de tal modo vaga e indeterminada, face à ausência de concretização de qual a atividade do Fundo nesse âmbito, que não se divisa uma prestação pública concreta.

5-As incumbências do FSSSE, enquanto património autónomo sem personalidade jurídica, criado no âmbito do Ministério do Ambiente, Ordenamento o do Território e Energia, ao reconduzirem-se genericamente à promoção de políticas do sector energético de cariz social e ambiental, relacionadas com medidas de eficiência energética, não se distinguem, com especificidade, das incumbências estaduais gerais a prosseguir pela administração central.

6-A ser considerada uma contribuição financeira, a CESE pressuporia, desde logo a homogeneidade dos sujeitos passivos a que se dirige, para além da existência de um nexo causal entre a obrigação tributária e a finalidade do tributo e da correspondência entre o encargo suportado e o benefício (prejuízo) obtido (causado). O grupo de sujeitos passivos a que a contribuição aqui em causa se dirige carece de homogeneidade. E esta questão não pode ser apreciada sem referência à própria finalidade do tributo.

7-O sector energético é composto por vários subsectores que, tendo em comum o simples facto de operarem no ramo da energia, são muito distintos, designadamente da perspectiva do ónus que impõem à actividade pública do Estado (correspondem 3 grandes sistemas nacionais: o da electricidade, o do gás natural e o petrolífero).

8-Dentro da lógica que justifica a imposição de uma contribuição, a considerar-se que o bem público que a contribuição visa acautelar é a sustentabilidade do sector eléctrico nacional por referência à sustentabilidade (financeira) do próprio SEN, ameaçada pelo défice tarifário, deveriam ser os agentes que nele participam, e que constituem um grupo de “utilizadores” identificável, a financiar tal propósito.

9-Note-se também, que, ainda que se admitisse que o défice tarifário do SEN deveria imputar-se solidariamente a todas as empresas que integram o sector energético ainda assim não se compreende como se excluem do âmbito subjectivo do tributo as empresas produtoras de energias renováveis, as quais, diga-se, são directamente responsáveis pela realidade que a contribuição visa compensar/financiar (o défice tarifário do SEN).

10-Tal conclusão só vem confirmar, desde logo, que não existe homogeneidade de sujeitos passivos da CESE nem efectiva bilateralidade entre as prestações da administração pública e as (presumidas) utilidades aproveitadas pelas empresas do sector energético, já que há sujeitos isentos (e.g. os produtores de energias renováveis) e excluídos do âmbito de incidência subjectiva (os não domiciliados em Portugal) que também contribuíram para o crescimento do défice tarifário no sector energético, mas não estão sujeitos ao pagamento da (pretensa) contraprestação pelo custo que provocaram, ou benefício, que daí obtiveram.

11-No que concerne à finalidade da CESE consubstanciada no financiamento de políticas do sector energético de cariz social e ambiental relacionadas com medidas de eficiência energética, não se compreende, desde logo, de que forma é que o respectivo custo deve ser imputado a um grupo delimitado de sujeitos passivos já que, na realidade tal finalidade consubstancia um custo de interesse público geral. Das finalidades da CESE esta é a única que presumivelmente é aproveitável pelos operadores nas mesmas condições da Recorrente, sendo certo que em intensidade francamente menor do que aqueles operadores que actuam em mercado regulamentado e/ou utilizando infra-estruturas públicas.

12-A aplicação do imposto a agentes económicos excluídos do sector de produção energética eléctrica (como a ora Recorrente) faz com que não se possa identificar, também na base de incidência objectiva, qualquer relação entre a actividade desenvolvida e o tributo, já que não é possível, por referência ao facto gerador (activos líquidos inscritos na contabilidade), identificar qualquer nexo de bilateralidade, ainda que genérico, que suscite uma adicional actividade/custos públicas (na vertente de regulação de mercado ou de disponibilização de infra-estruturas) ou que demonstre uma capacidade contributiva adicional que fundamente uma tributação que acresça à tributação em sede de IRC.

13-A Recorrente entende, pois, não existir dúvidas que, por referência à delimitação da incidência subjectiva do tributo, não existe qualquer homogeneidade entre os sujeitos passivos da CESE, não existindo homogeneidade entre a actividade desenvolvida pelos operadores do sector eléctrico ou do gás natural e a actividade desenvolvida pela Recorrente enquanto operadora do SPN.

14-Com a alteração do Decreto-Lei n.º 55/2014, de 9 de Abril pelo Decreto-Lei n.º 109-A/2018, de 7 de Dezembro de 2018, o legislador assumiu duas importantes realidades que (i) a imposição da CESE tem como prioridade a cobertura da dívida tarifária e que (ii) o caracter temporário (extraordinário) da CESE, fica dependente da evolução dessa dívida.

15-Actualmente, o nexo causal que permitia justificar a imposição do tributo a operadores excluídos do SEN (nexo esse considerado interrompido ou mesmo excluído pela jurisprudência constitucional na componente destinada à redução da dívida tarifária) não só se reduziu substancialmente (passando a ser não só potencial como absolutamente residual) como ainda, o carácter (alegadamente) temporário do imposto (que justifica a sua natureza “extraordinária”) passa a ser estritamente definido por referência a essa finalidade.

16-Não abstraindo do facto de tal alteração legislativa ter efeitos apenas para o futuro, a Recorrente entende que a mesma constitui um elemento interpretativo relevante na definição da identidade deste tributo.

17-Acresce que (i) a total ausência de evidência da adoção de políticas sociais e ambientais do sector energético financiadas pela contribuição até presente data e (ii) a concreta definição da natureza extraordinária da CESE por referência ao propósito de redução do défice tarifário do sector elétrico, vêm finalmente deixar claro aquele que sempre foi o verdadeiro propósito do tributo – a redução do défice tarifário – demonstrando que o nexo causal entre o tributo pago pela Recorrente (e outros operadores do sector energético não eléctrico) e a utilidade predominante que o mesmo visa acautelar em relação a estes operadores revela-se inexistente ou residual.

18-O FSSSE, enquanto património autónomo, é apenas um veículo de financiamento (beneficiário de receitas consignadas) para a realização de políticas do Estado, seja a de redução do défice sejam as alegadas políticas sociais e ambientais de eficiência energética.

19-Verifica-se que parte da receita do FSSSE (a definir por despacho dos membros responsáveis pelas áreas das finanças e economia) constitui receita anual do Fundo de Inovação, Tecnologia e Economia Circular (FITEC).

20-O FITEC tem como finalidade “apoiar políticas de valorização do conhecimento científico e tecnológico e sua transformação em inovação, de estímulo à cooperação entre Instituições de Ensino Superior, centros de interface tecnológico (CIT) e o tecido empresarial e de capacitação para um uso mais eficiente dos recursos, preservando a sua utilidade e valor ao longo de toda a cadeia de produção e utilização, nomeadamente através da eficiência material e energética” (cfr. artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 86-C/2016).

21-O FITEC foi essencialmente criado para assegurar o financiamento plurianual dos CIT no âmbito do Programa Capacitar a Indústria Portuguesa, no qual a “eficiência energética” constitui um objectivo resudual, e o qual tem um núcleo último de beneficiários – o tecido empresarial português, em especial as PME.

22-Do que fica exposto resulta que inexiste (i) qualquer nexo causal entre a obrigação tributária e a finalidade efectiva do tributo...

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