Acórdão nº 01105/13.3BELRS de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 02 de Fevereiro de 2022

Magistrado ResponsávelJOSÉ GOMES CORREIA
Data da Resolução02 de Fevereiro de 2022
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo 1. – Relatório Vem interposto recurso jurisdicional pela Representante da Fazenda Pública, visando a revogação da sentença de 05-05-2020, do Tribunal Tributário de Lisboa, na parte em que julgou a impugnação procedente e condenou a Fazenda Pública ao pagamento de juros indemnizatórios, no âmbito do indeferimento da reclamação graciosa e do recurso hierárquico da nota de liquidação do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, referente ao ano de 2009 e da liquidação de juros compensatórios, no valor total de €4.130,24.

Inconformada, nas suas alegações, formulou a recorrente Representante da Fazenda Pública, as seguintes conclusões: A) Vem o presente recurso dirigido contra a douta sentença proferida pelo Tribunal a quo, na parte em que julgou procedente a impugnação judicial à margem identificada e, em consequência determinou a anulação, da liquidação de IRS e respetivos juros compensatórios, referente ao ano de 2009, que vinha impugnada, com a seguinte fundamentação: “(…) resulta do probatório que os valores aqui em causa se reconduzem à criação e divulgação de obras de Teatro, e que foram levadas à cena no Teatro ….. e no ……, em Julho e Setembro de 2009.

Assim, e tendo em conta o expendido no aresto supracitado, os rendimentos ora em apreço mostram-se decorrentes de “propriedade literária, artística e científica”, pelo que lhes deveria ter sido aplicado o disposto no sobredito artigo 58.º. Mostra-se, portanto, ilegal a liquidação que assim não fez, pelo que a mesma cabe de ser anulada, o que se determina.” B) A sentença recorrida, neste segmento decisório, enferma de erro de julgamento, por errónea interpretação e violação dos comandos normativos ínsitos na alínea c), do nº 1, do art.º 3º do CIRS e no art.º 58º do EBF.

  1. Nos termos do disposto na alínea c), do nº 1, do art.º 3º do CIRS, “Consideram-se rendimentos empresariais e profissionais: c) os provenientes de propriedade intelectual ou industrial ou da prestação de informações respeitantes a uma experiência adquirida no setor industrial, comercial ou científico, quando auferidos pelo seu titular originário”. Sendo que, de acordo com o nº 5 do mesmo art.º 3º do CIRS “Consideram-se como provenientes da propriedade intelectual os direitos de autor e direitos conexos.” D) Os rendimentos provenientes da propriedade intelectual previstos na citada alínea c), do n.º 1, do art.º 3º do CIRS, são rendimentos que decorrem da autoria/criações de obras do domínio literário, artístico ou científico, no exercício de uma atividade autoral independente, que têm como fonte a exploração económica dos direitos de autor, na sua vertente patrimonial, a favor de terceiros por parte do autor/criador intelectual, titular originário dos direitos de autor.

  2. Estatui, por sua vez, o art.º 58º do EBF, no seu nº 1, que: “1 - Os rendimentos provenientes da propriedade literária, artística e científica, considerando-se também como tal os rendimentos provenientes da alienação de obras de arte de exemplar único e os rendimentos provenientes das obras de divulgação pedagógica e científica, quando auferidos por autores residentes em território português, desde que sejam os titulares originários, são considerados no englobamento, para efeitos de IRS, apenas por 50 % do seu valor, líquido de outros benefícios.

  3. De acordo com o art.º 42º da Constituição da República Portuguesa, (CRP), é livre a criação intelectual sendo que essa liberdade compreende o direito à produção da obra literária, incluindo a proteção legal dos direitos de autor.

  4. Conforme Acórdão n.º 1057/96, proferido pelo Tribunal Constitucional, acerca desta mesma matéria, o benefício fiscal ora em análise foi criado com a finalidade de “incentivar a criação artística ou literária, por forma a melhorar o nível de desenvolvimento cultural do país, finalidade esta de relevo e de interesse reconhecidamente público. Este objetivo, apenas as obras reconhecidas como integrando a qualificação de obras literárias, o podem realizar, pelo que só os rendimentos resultantes destas obras possam beneficiar da redução de 50% para efeitos de englobamento e incidência de IRS.” H) Prossegue o aludido aresto: “Assim, a fronteira que deve separar a obra literária da obra não literária não pode deixar de ser encontrada pelo funcionamento de critérios que permitam enquadrar a obra literária no âmbito da actividade criativa e a não literária dentro da actividade não criativa, sendo no entanto relevante para este efeito apenas o valor facial da obra. De acordo com o preceituado no n.º 1 do artigo 2.º do Código do Direito de Autor, as criações intelectuais derivadas de qualquer dos domínios referidos são protegidas «(…) quaisquer que sejam o género, a forma de expressão, o mérito, o modo de comunicação e o objectivo (…)». A nossa lei não exige, pois, que estes elementos — designadamente, o mérito e o objectivo — se verifiquem em qualquer obra para estar protegida pelo direito de autor. Porém, como judiciosamente faz ressaltar Oliveira Ascensão (ibidem, p. 91), «é impossível um juízo de mérito que represente uma apreciação estética ou literária da obra. (…) Mas por outro lado, a obra é essencialmente uma criação. E só há criação quando se sai do que está ao alcance de toda a gente para chegar a algo de novo, a obra há-de ter sempre aquele mérito que é inerente à criação, embora não tenha mais nenhum: o mérito de trazer algo que não é meramente banal»(…)” I) O Código dos Direitos de Autor e dos Direitos Conexos (CDADC), diz-nos no nº 1, do seu art.º 1º, que “Consideram-se obras as criações intelectuais do domínio literário, científico e artístico, por qualquer modo exteriorizadas, que, como tais, são protegidas nos termos deste Código, incluindo-se nessa proteção, os direitos dos respetivos autores.” J) Os direitos conexos são aqueles que protegem as prestações dos artistas intérpretes ou executantes, dos produtores de fonogramas e de videogramas e dos organismos de radiodifusão, sendo que, artistas intérpretes ou executantes são os autores, cantores, músicos bailarinos e outros que representem, cantem, recitem, declamem, interpretem ou executem de qualquer maneira obras literárias ou artísticas.

  5. O CDADC elenca no seu art.º 2º, a título exemplificativo, alguns tipos de obras tais como livros, folhetos, revistas, jornais e outros escritos; conferências, lições, alocuções e sermões; obras dramático-musicais e a sua encenação; obras coreográficas e pantomimas, cuja expressão se fixa por escrito ou por qualquer outra forma, entre outros.

  6. A norma do art.º 58º do EBF é mais restritiva, uma vez que nem todas as obras protegidas pelo CDADC logram beneficiar da proteção fiscal, o que está em consonância com o conceito de benefício fiscal definido como “medida de caráter excecional instituída para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem” (cfr. artigo 2.º do EBF).

  7. No caso em apreço, somos a concluir pela não verificação dos pressupostos de que depende a aplicação do art.º 58º do EBF, relativamente aos rendimentos auferidos pela Impugnante, ora Recorrida, nos valores de € 6.000,00 e € 120,00, respetivamente, pela criação do projeto do Serviço Educativo do Teatro …. – Clubes e oficinas de teatro, e pelas comunicações realizadas no âmbito da Mostra Internacional de Teatro para a Infância e Juventude ….. – ………..”, no …., por tais atividades não se subsumirem, a nosso ver, no conceito de “obra”/criação intelectual no domínio artístico.

  8. De facto, tendo presente a finalidade do benefício fiscal ínsito no art.º 58º do EBF, (incentivar a criação artística ou literária, por forma a melhorar o nível de desenvolvimento cultural do país, finalidade esta de relevo e de interesse público e que apenas pode ser realizado pelas obras reconhecidas como integrando qualificação de obras literárias), somos a concluir, que as realidades aqui em apreço, levadas a cabo pela Impugnante, ora Recorrida – a criação do projeto do Serviço Educativo do Teatro …….. – Clubes e oficinas de teatro e as comunicações realizadas no âmbito da Mostra Internacional de Teatro para a Infância e Juventude “…. – …….”, no …… – não revestem a característica de obra literária ou criação artística, e, assim sendo, os rendimentos auferidos pela realização dessas mesmas atividades, não se mostram enquadráveis na alínea c) do nº 1, do art.º 3º do CIRS e como tal, não são suscetíveis de beneficiar da isenção parcial de tributação consagrada no nº 1, do art.º 58º do EBF.

  9. Nesta conformidade, a sentença recorrida ao determinar a anulação, da liquidação de IRS que vinha sindicada, por considerar que “… os rendimentos ora em apreço mostram-se decorrentes de “propriedade literária, artística e científica”, incorreu em erro de julgamento por violação do disposto nos comandos legais ínsitos na alínea c), do nº 1, do art.º 3º do CIRS e no nº 1, do art.º 58º do EBF, razão pela qual deve ser revogada e substituída por outra que, nesta parte, julgue improcedente a impugnação judicial.

  10. E não merecendo, (nesta parte), provimento a impugnação judicial deduzida pela Impugnante, ora Recorrida, impor-se-á, também, a reforma da sentença recorrida quanto à condenação da AT, no pagamento dos juros indemnizatórios (que deverá ser limitado, à parte da liquidação de IRS que foi objeto de revogação/anulação pela própria AT) e no pagamento das custas processuais, que deverá ter em conta o decaimento de cada uma das partes processuais.

Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Exas., deve ser admitido e julgado procedente o presente recurso e revogada a douta sentença recorrida, nos termos e com os fundamentos supra descritos, substituindo-a por outra que julgue, na parte que constitui objeto do presente recurso, improcedente a impugnação judicial, com as legais consequências.

Todavia, Decidindo, Vossas Excelências farão, como sempre...

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