Acórdão nº 00255/21.7BEMDL-A de Tribunal Central Administrativo Norte, 14 de Janeiro de 2022

Magistrado ResponsávelRog
Data da Resolução14 de Janeiro de 2022
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

EM NOME DO POVO Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: A D., S.A.

veio interpor RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, de 21.12.2021, pela qual foi liminarmente rejeitada a providência cautelar interposta pela ora Recorrente contra o Instituto de Segurança Social, I.P. – Centro Distrital de Vila Real – para: 1 - a suspensão de eficácia de actos administrativos; 2 - a regulação provisória de situação jurídica; e 3 – a intimação para adoção ou abstenção de conduta, consignando, expressamente, constituírem objecto da requerida providência o acto de lançamento da situação de dívida de contribuições para a segurança social e a respectiva certidão de dívida constantes dos documentos n.ºs 1 a 3 juntos aos autos principais com a petição inicial.

Invocou para tanto, em síntese, que se verifica na decisão recorrida: 1) violação do princípio in dubio pro actione ínsito no artigo 7.º do CPTA e dos princípios de acesso ao direito e da tutela jurisdicional efetiva ínsitos nos artigos 20.º e 268.º da Constituição da República Portuguesa (CRP); e 2) erro de julgamento sobre a matéria de facto e de direito quanto à qualificação da questão como sendo “relativa ao exercício da função tributária da Administração”.

Não foram apresentadas contra-alegações.

O Ministério Público neste Tribunal não emitiu parecer.

*Cumpre decidir já que nada a tal obsta.

* I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional: 1.ª A decisão recorrida rejeitou liminarmente o requerimento da presente providência cautelar apresentado pela ora Recorrente nos termos dos artigos 113.º, n.º 2 e 114.º, n.º 1 alínea c), do CPTA, na pendência de acção administrativa de impugnação de acto administrativo e condenação à prática de ato devido, com vista à (1) suspensão de eficácia de actos administrativos, (2) à regulação provisória de situação jurídica, e, para (3) intimação para adopção ou abstenção de conduta; 2.ª Como fundamento da rejeição liminar identifica-se o entendimento perfilhado pelo Tribunal de que a competência para a respectiva apreciação não caberia aos tribunais administrativos, mas antes aos tribunais tributários.

  1. Não pode, todavia, proceder o entendimento da decisão recorrida.

  2. Deverá ter-se em consideração o princípio geral de acesso ao direito e o princípio da tutela efectiva consagrados nos artigos 20.º e 268.º da CRP, bem como o princípio in dubio pro actione previsto no artigo 7.º do CPTA, que privilegia a justiça material à forma e à formalidade dos processos.

  3. A doutrina tem entendido que à luz destes princípios “(…) em caso de dúvida, os tribunais têm o dever de interpretar as normas processuais num sentido que favoreça a emissão de uma pronúncia sobre o mérito das pretensões formuladas” (cf. MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 2017, p. 77).

  4. Nos presentes autos o Tribunal a quo rejeitou liminarmente a providência cautelar por entender que a questão em apreço é relativa ao exercício da função tributária, sem prejuízo de reconhecer que está vedado ao Tribunal “(…) declarar, em sede cautelar, a sua incompetência (…)” (cf. p. 8 da decisão recorrida). Ora, se está vedado ao Tribunal em sede cautelar declarar a sua incompetência é manifesto que não lhe cabia nessa sede aferir da competência em razão da matéria.

  5. A excepção de incompetência material do Tribunal só poderia ter sido cabalmente apreciada e determinada no âmbito do processo principal, pois é somente naquele que se irá conhecer do mérito da pretensão da Recorrente e apreciar cabalmente o pedido e a causa de pedir formulados, determinantes para aferir as regras de competência material; 8.ª O objetivo do processo cautelar não é – de todo – o da apreciação de formalidades nem dos pressupostos da ação principal.

  6. - O pretendido é assegurar a utilidade da sentença a proferir no processo principal, sem que se produzam ou consolidem danos gravosos dificilmente reparáveis para a parte que requereu a providência cautelar.

  7. De acordo com FERNANDA MAÇÃS, na aplicação da alínea f) do n.º 1 do artigo 116.º do CPTA impõe-se “(…) ao tribunal alguma contenção no indeferimento liminar com base na apreciação deste tipo de requisitos, porque não serão frequentes as hipóteses em que, nesta fase tão inicial do processo, o juiz disponha de elementos que lhe permitam, com segurança, formar convicção no sentido do imediato indeferimento da providência cautelar requerida” (cf. FERNANDA MAÇÃS, “O contencioso cautelar”, em “Comentários à Revisão do CPTA e do ETAF”, AAFDL Editora, 2016, p. 733), pelo que não poderia o Tribunal a quo ter determinado a rejeição liminar do presente requerimento uma vez que não é manifesta a incompetência material do tribunal administrativo; 11.ª A então Requerente, ora Recorrente, configurou os actos impugnados como actos administrativos, sendo certo que somente no âmbito da ação principal é que se poderia descortinar em maior detalhe a sua natureza, remetendo-se para essa sede as conclusões acerca da competência material do tribunal para o conhecimento da acção.

  8. De acordo com o artigo 7.º do CPTA o Tribunal a quo deveria ter-se abstido de promover a rejeição liminar, apreciando o requerimento e desse modo garantindo os princípios de acesso à justiça e à tutela jurisdicional efetiva. Não o tendo feito, verifica-se que a decisão recorrida incorre em violação do princípio in dubio pro actione, impondo-se a sua revogação com as demais consequências legais.

  9. Neste mesmo sentido e com pertinência para os presentes autos deverá atentar-se no Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte em 15.12.2017, no âmbito do processo n.º 00325/17.6BEMDL que decidiu que “Na dúvida pertinente sobre a natureza da acção a intentar, sempre deveriam as Requerentes ser com ela confrontadas, com a possibilidade de esclarecimento ou definição da questão”.

  10. Cumpre ainda ter presente o despacho proferido no âmbito do processo cautelar n.º 254/21.9BEMDL-A, nos termos do qual o requerimento cautelar apresentado por uma das empresas do grupo ao qual a Recorrente pertence (a D., S.A.) foi aceite, considerando-se que “(…) é necessário admitir, numa apreciação perfunctória, no caso concreto, a tese do Requerente, de que estaremos diante de actos administrativos, como também é necessário admitir-se que estejamos diante de outro tipo de actos jurídicos ou de operações materiais” (cf. despacho de 15.09.2021 proferido no processo n.º 254/21.9BEMDL-A).

  11. Em face de todo o exposto, é manifesto que a decisão recorrida incorreu em violação dos princípios do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva e in dubio pro actione, devendo ser revogada com as demais consequências legais; 16.ª Invoca-se desde já para os devidos efeitos legais, que a interpretação da alínea f) do n.º 1 do artigo 116.º da CRP no sentido de que em face da perceção de que poderá existir uma situação de incompetência material do tribunal para apreciação da ação principal ser liminarmente rejeitado o requerimento de providência cautelar incorre em violação do direito de acesso ao direito e do princípio da tutela jurisdicional efetiva, consagrados nos artigos 20.º e 268.º da CRP.

  12. Deverá considerar-se também o disposto no n.º 3 do artigo 278.º do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA, pois o Tribunal a quo identificou uma eventual exceção – a incompetência em função da matéria –, todavia, não deveria ter decidido pela rejeição liminar da providência cautelar (visto que a absolvição da instância só poderia ser determinada no âmbito da acção principal e somente na eventualidade de se confirmar a incompetência material do tribunal) na medida em que a providência cautela requerida se destinava a tutelar o interesse do Recorrente.

  13. Assim, impõe-se a revogação da decisão recorrida com as demais consequências, nomeadamente a baixa dos autos para apreciação do requerimento de providência cautelar.

  14. Sem conceder, note-se que conforme decorre da p.i. de acção administrativa em relação à qual o presente processo corre como apenso, o seu objecto é o acto administrativo de lançamento da situação de dívida de contribuições para a segurança social, no valor de € 85.516,25 (referentes ao período de Julho, Agosto, Setembro, Outubro, Novembro e Dezembro de 2020, e respectivos juros de mora), bem como a certidão de dívida emitida em 05.08.2021 que evidencia a existência de dívidas à segurança social.

  15. A repartição de competências entre os tribunais administrativos e os tribunais tributários é aferida em função do pedido e da causa de pedir, tal como configurados na petição inicial.

  16. Na petição inicial da acção principal a Autora, ora Recorrente, configurou a relação jurídica em apreço como uma relação administrativa (e não tributária).

  17. Salvo melhor opinião, não está em causa a sindicância de um acto de liquidação de natureza tributária.

  18. Ao invés, o que está em causa é um complexo de atos administrativos interligados entre si, que se afiguram lesivos para a Recorrente, os quais não têm natureza tributária pois não têm subjacente qualquer relação jurídica tributária, nem foram praticados no âmbito da função administrativa tributária.

  19. Os actos em apreço são atos administrativos praticados no âmbito de funções e de um procedimento administrativo.

  20. Estando afastada a competência tributária e a existência de um acto tributário, e tendo em consideração que os tribunais administrativos detém competência residual para as matérias administrativas que não seja da competência dos tribunais tributários, então impõe-se a conclusão de que é o Tribunal Administrativo o Tribunal competente para apreciar a presente acção, tal como indicado pelo Recorrente.

  21. Assim, a sentença recorrida padece de erro sobre os pressupostos de facto e de direito e deverá ser revogada...

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