Acórdão nº 79/19.1T8ORQ.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 27 de Janeiro de 2022

Magistrado ResponsávelCRISTINA D
Data da Resolução27 de Janeiro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Apelação n.º 79/19.1T8ORQ.E1 (1.ª Secção) Relator: Cristina Dá Mesquita Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Évora: I. RELATÓRIO I.1. (…) e (…), réus na ação declarativa comum de despejo que lhes foi movida por (…), interpuseram recurso da sentença proferida pelo Juízo de Competência Genérica de Ourique, do Tribunal Judicial da Comarca de Beja, o qual julgou a ação parcialmente procedente e, em consequência, condenou ambos os réus a restituir à autora o imóvel arrendado no mesmo estado em que o receberam e absolveu-os do pedido de condenação no pagamento à autora do valor dos honorários da mandatária da segunda, do valor da taxa de justiça paga (€ 612,00) e de quantia não inferior a € 2.000,00 a título de danos não patrimoniais. Na ação, a autora havia pedido que o tribunal: (i) ordenasse o despejo e a restituição do imóvel à autora no mesmo estado em que os réus o receberam; (ii) subsidiariamente, a restituição da posse do imóvel à autora; (iii) a condenação dos réus a indemnizaram a autora a título de danos não patrimoniais tendo por base o valor dos honorários da mandatária da autora e o valor da taxa de justiça de € 612,00, em valor não inferior a € 2.000,00. Para sustentar os seus pedidos, a autora alegou, em síntese, que por contrato de arrendamento para habitação de duração determinada e celebrado em 16-04-2010 deu de arrendamento aos réus o imóvel melhor descrito nos autos e que o contrato tinha a duração de 1 ano, sendo renovável por períodos iguais, sem prejuízo de oposição à renovação; no dia 24 de maio de 2017, por carta registada e com aviso de receção, a autora notificou os réus da intenção de não renovação do contrato, com efeitos a partir de 31 de agosto de 2017, cumprindo os 3 meses de antecedência convencionados contratualmente; não obstante, e passados quase 1 ano e 8 meses, os réus continuam a ocupar o imóvel, causando com a sua conduta transtornos vários à autora. Na sua contestação os réus invocaram a ineptidão da petição inicial, a invalidade do contrato, abuso de direito e a inadmissibilidade do despejo pelo facto de serem septuagenários. Em sede de audiência prévia, o tribunal a quo proferiu despacho saneador, julgou improcedente a exceção de ineptidão da petição inicial e conheceu do mérito da causa. I.2. Os apelantes formulam alegações que culminam com as seguintes conclusões: «1. Pretende-se o efeito suspensivo da presente apelação sobre a sentença em crise, de acordo com a previsto na alínea a) do n.º 3 do artigo 629.º e na alínea b) do n.º 3 do artigo 647.º, ambas do Código de Processo Civil. 2. O Tribunal a quo incorreu em erro, o qual acabou por desaguar numa violação do Direito. 3. A autora intentou a presente ação pedindo: fosse ordenado o despejo dos réus; subsidiariamente: fosse restituída a posse do imóvel; cumulativamente: fossem os réus condenados a indemnizar a autora. 4. Contudo, durante o decorrer da instância, vieram a vigorar e a suceder-se diplomas, aplicáveis ao objeto dos presentes autos, por força do seu âmbito. 5. Aos 17 de julho de 2018 entrou emvigor a Lei n.º 30/2018, trazendo ao ordenamento jurídico um Regime extraordinário e transitório para proteção de pessoas idosas ou com deficiência que sejam arrendatárias e residam no mesmo locado há mais de 15 anos. 6. Assim, veio a concretizar-se uma almejada proteção aos arrendatários com idade avançada ou com deficiência. 7. Este diploma introduzido pela mão da Assembleia da República, veio ao encontro, julga-se do âmbito dos artigos 71.º e 72.º da Constituição da República Portuguesa. 8. Tais disposições, embora não estejam incluídas no Título II da Constituição da República Portuguesa, constituem eminentemente direitos fundamentais de natureza análoga aos que lá tomam lugar 9. É o que sugere a redação do artigo 17.º da Constituição da República Portuguesa. 10. Ora, depois de se contemplar as especiais vulnerabilidades e fragilidades dos arrendatários daterceira idade ou portadores de deficiência, emergiu no ordenamento a Lei n.º 13/2019, de 12 de fevereiro, compêndio este que, para todos os efeitos, veio a suceder à já referida Lei n.º 30/2018. 11. Contudo, a alteração ao NRAU que o artigo 4.º da Lei n.º 13/2019 impôs, alterando o artigo 36.º daquele diploma, importou um relevante retrocesso social, com o qual os réus não se podem conformar, dadas as suas debilidades sociais. 12. Assim, para além de considerarem o conteúdo atual do NRAU materialmente inconstitucional, os aqui réus pretendem invocar a aplicação direta do regime material de garantia ínsito no artigo 18.º da Constituição da República Portuguesa, visto serem detentores duma situação fática contemplada num direito incluído na Parte I da referida Constituição, que é análogo aos previstos no Título II. 13. Acresce que, sempre cumpre salientar que os direitos fundamentais consagrados na constituição não excluem quaisquer outros constantes das leis e das regras aplicáveis de direito internacional e devem ser interpretados e integrados de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem – artigo 16.º da Constituição da República Portuguesa. 14. A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente. 15. Não se afigura aos recorrentes que os interesses perseguidos pela Lei n.º 13/2019 sejam de maior monta que os direitos contemplados nos artigos 71.º e 72.º da Constituição daRepública Portuguesa. Nemtampouco que estessejam suscetíveis de ser limitados, por interesses de caráter meramente económico. 16. Destarte, sucedendo a umesforço coletivo detodaa comunidade, presididos por uma Constituição e estado democrático social, estar-se-ia a pôr em riste os seus basilares princípios, em claro retrocesso, ao invés de enobrecermos o princípio da proteção da confiança, plasmado no artigo 2.º da Constituição. 17. O caso em apreço nos presentes autos, considerando a posição tomada pelo Meritíssimo Tribunal a quo, pode originar violação da cláusula (aberta) da não tipicidade dos direitos fundamentais, mormente nos atinentes à dignidade das condições de vida dos idosos e portadores de deficiência. 18. Por construção doutrinária e jurisprudencial, o princípio da dignidade da pessoa humana tem assumido uma relevância crescente. Nas normas que deferem direitos sociais constitucionais a vinculação estadual assume um caráter objetivo. 19. Contudo...

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