Acórdão nº 82/20.9T8FAR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 27 de Janeiro de 2022

Magistrado ResponsávelJOS
Data da Resolução27 de Janeiro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Apelação n.º 82/20.9T8FAR.E1 Tribunal Judicial da Comarca de Faro Juízo Central Cível de Faro - Juiz 1 Apelante: (…) Apelados: (…) e (…) *** Sumário do Acórdão (da exclusiva responsabilidade do relator – artigo 663.º, n.º 7, do CPC) (…) *** Acordam os Juízes da 1 ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora no seguinte: I – RELATÓRIO (…) intentou a presente ação sob a forma de processo comum contra (…) e (…), todos melhor identificados nos autos peticionando que sejam declarados nulos, por simulação, os negócios jurídicos celebrados sobre os prédios relacionados sob os nºs 9, 10, 11 e 12 da relação de bens apresentada no âmbito do processo de inventário que corre os seus termos sob o n.º 1924/13.0TBFAR - J2, da instância local de Faro e que seja ordenado o cancelamento dos atos de registo predial e de inscrição matricial que incidem sobre os mesmos.

Citados os Réus os mesmos apresentaram contestação onde se defenderam por impugnação e por excepção, invocando nesta sede a prescrição aquisitiva (usucapião) e extintiva, bem como sustentaram abuso de direito por parte do Autor na modalidade de “venire contra factum próprio”, mais requerendo, ainda, a condenação do Autor como litigante de má-fé, deduzindo, outrossim, contra o mesmo, pedido reconvencional.

O Autor respondeu ao pedido reconvencional defendendo-se por impugnação, tendo, ainda, na dita réplica pugnado pela improcedência das excepções peremptórias deduzidas pelos Réus, mais sustentando não ter agido em abuso de direito.

Seguiu-se a prolação no Tribunal a quo de despacho pré-saneador consubstanciado em convite ao aperfeiçoamento da petição inicial dirigido ao Autor, tendo em consequência este último apresentado articulado com essa finalidade e extensa documentação entendida por pertinente.

Não foi exercido o contraditório por parte dos Réus, no prazo de que dispunham.

Foi posteriormente proferido despacho que considerou dispensada a realização da audiência prévia, bem como despacho saneador no âmbito do qual foi decidido não admitir o pedido reconvencional deduzido pelos Réus, identificou-se o objecto do litigio, enunciaram-se os temas de prova e admitiram-se os meios de prova apresentados, designando-se, por fim, data para realização da audiência final.

Finda a dita audiência foi proferida sentença da qual consta o seguinte dispositivo: “VI – DECISÃO Face ao exposto, decido julgar a ação totalmente improcedente, por não provada e, por conseguinte, absolver os réus dos pedidos que contra eles foram dirigidos através da presente ação. Custas (da ação) a cargo do autor, por ter dado causa à ação e nela ter ficado vencido (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).

Registe e notifique.

* Para efeitos de eventual instauração de procedimento criminal contra a testemunha (…) e por se mostrar indiciado que a mesmo prestou falsas declarações perante o tribunal, remeta cópia da gravação das declarações por ela prestadas, acompanhadas de certidão da presente sentença aos serviços do Ministério Público junto desta comarca.

D.N.” * Inconformado com a sentença o Autor apresentou requerimento de recurso dirigido a este Tribunal da Relação alinhando as seguintes conclusões: “IV – CONCLUSÕES (…) * Os Apelados não responderam ao recurso.

* O recurso foi recebido na 1ª Instância como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

* Nesta instância foi proferido despacho pelo relator convidando o Apelante ao aperfeiçoamento das suas conclusões recursivas, tendo aquele apresentado novas conclusões, que não foram objecto de resposta, com o seguinte teor: IV – CONCLUSÕES 1. Ora, o recorrente não se pode conformar com uma sentença que, sem mais, o afasta de beneficiar, como filho e herdeiro legitimário, do património imobiliário deixado pelo seu pai (património esse que se encontra em partilha nos autos do processo de inventário n.º 1924/13.0TBFAR, a correr termos no 2.º Juízo Cível da Comarca de Faro) retirado, por negócios simulados, do alcance dos credores em finais da década de oitenta (quando era o recorrente ainda uma criança menor de idade) tendo, há data, e sem alternativa, o seu pai passado todo o património imobiliário para a titularidade da sua irmã.

  1. Pese embora as décadas decorridas sobre os negócios simulados, verdade é que ainda se encontra viva a mulher do falecido, mãe do recorrente e da recorrida, que depôs de forma livre e espontânea esclarecendo ao Tribunal a quo a forma como o seu marido simulou as doações e levou a cabo a passagem dos bens para a sua filha mais velha, maior de idade, pois que não o poderia fazer para o seu filho menor.

  2. A mulher do inventariado e a abundante prova documental (as largas dezenas de documentos encontrados ao momento dos negócios simulados) e testemunhal (recorde-se os depoimentos dos familiares próximos a quem o inventariado pedia dinheiro) forma mais que suficientes para provar a existência dos negócios simulados.

  3. E repare-se que se a ação proceder como naturalmente se espera, por corresponder à mais óbvia e objetiva justiça, fará com que o património do inventariado seja dividido por igual entre recorrente e recorrida nos autos do processo de inventário pendentes, ou seja, nada de mais justo e equitativo face ao património imobiliário do pai pertença da família e objeto de partilha no seio da família segundo as regras sucessórios face à qualidade do recorrente e recorrida de herdeiros legitimários do falecido pai.

  4. É por demais óbvio que as doações apenas serviram para pôr a salvo o património da família e nada mais. Nunca houve qualquer intenção de beneficiar a recorrida e de prejudicar o recorrente. O recorrente apenas sairá prejudicado se a ação improceder.

    Nada mais.

  5. É este cuidado, o cuidado da sentença em prosseguir a justiça material no caso concreto que está em jogo. Não pode o recorrente permitir que uma sentença “legitime” negócios simulados. Não pode o recorrente permitir que o Tribunal a quo se sobreponha à matéria de facto e à verdade para ilegitimamente “legitimar” o que não pode ser legitimado: a existência dos negócios simulados.

  6. Pelo que, consideramos que a douta sentença padece de nulidade, quer por falta de fundamentação quer por contradição notória entre os factos dados por provados e o dispositivo da sentença. As doações em causa são nulas; foram simuladas com o fito de enganar terceiros e acarretam grave prejuízo para o recorrente com ofensa da sua legítima.

  7. A sentença em crise, não observa o dever de fundamentação, sendo que nos temas da prova decididos em sede de despacho saneador, foi determinado: - Apurar qual a intervenção da mulher do inventariado (prova direta nos negócios em causa); - Apurar se as doações apenas serviram para retirar os bens da esfera jurídica do inventariado e mulher fora do alcance dos credores; - Apurar qual o momento em que o recorrente tomou conhecimento das doações; - Apurar se o recorrente se sentiu prejudicado.

  8. A forma infundada como o Tribunal a quo afasta a intervenção nas doações, por prova direta, da mulher do inventariado – apelidando o seu depoimento de comprometido pelo facto de a mulher do inventariado, em 2012, ter doado bens próprios pertencentes da sua mãe ao seu filho, (…); situação estranha que em nada se relaciona com o objeto do litígio e apenas trazida aos autos pela Contestação indireta dos recorridos ao objeto do litigio – é ilustrativa da enviesada perceção do Tribunal a quo face ao recorrente.

  9. Essa errada e enviesada perceção, é trazida pelos elementos da Contestação dos recorridos e sem que, devida e objetivamente, fosse fundamentado pela Meritíssima Juíza, é causa de nulidade da sentença nos termos e para os efeitos do disposto nas alíneas b) e d) do artigo 615.º e do n.º 4 do artigo 607.º do Código de Processo Civil.

  10. Entende o recorrente que na Motivação não deu a Meritíssima Juiz a quo cumprimento ao preceituado nos números 3 e 4 do artigo 607.º do C.P.C., porquanto, não indicou análise critica probatória suficiente para a desvalorização dos depoimentos do recorrente, da mulher do inventariado e da testemunha (…), o que, nos termos do artigo 615.º do n.º 1, alínea c), do C.P.C, determina a nulidade da sentença.

  11. E assim com a omissão das formalidades previstas no artigo 607.º, n.º 4, do Código de Processo Civil, cometeu a Meritíssima Juiz a quo uma nulidade processual prevista no artigo 195.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, e, em consequência, justifica-se plenamente a anulação da sentença ora em crise, nos termos do artigo 195.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.

  12. No despacho saneador ficou assente como um dos thema probandum – “Se, por conluio entre os réus, o inventariado e sua então mulher, os negócios em causa apenas serviram para retirar os bens da esfera jurídica daqueles fora do alcance dos credores e prejudicar o autor” – sendo que, quanto a tal a Meritíssima Juiz a quo, não fundamenta de forma adequada o motivo pelo qual descarta de imediato a invalidade dos negócios jurídicos em causa com a desvalorização (e descredibilização) do depoimento da mulher do inventariado (pessoa viva e prova direta dos factos) e do recorrente, mas que por outro lado, dá por provado, por confissão, a data a partir da qual o recorrente teve conhecimento das doações em causa e não refere, em momento algum, qual foi o motivo pelo qual prevaleceram na livre apreciação do tribunal, certos e determinados meios de prova em detrimento de outros. O recorrente desconhece, e tal não é admissível.

  13. Pois que naturalmente, não esperaria o Tribunal a quo que, dada a oposição de posições entre recorrente e recorridos, estes colaborassem e viessem aos autos admitir a simulação das “doações” a seu favor e as devolvessem à herança para a partilha igualitária dos bens imóveis por óbito do inventariado.

  14. Pois que sabia o Tribunal a quo que provar o ‘conluio entre os réus’, o inventariado e sua então mulher” era matéria de facto a que o Tribunal a quo teria de usar da sua mais...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT