Acórdão nº 1984/20.8T8FAR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 27 de Janeiro de 2022

Magistrado ResponsávelJOS
Data da Resolução27 de Janeiro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Proc. n.º 1984/20.8T8FAR.E1 Tribunal Judicial da Comarca de Faro Juízo Central Cível de Faro – J3 Apelante: Estado Português Apelados: (…) e outros *** Sumário do Acórdão (Da exclusiva responsabilidade do relator – artigo 663.º, n.º 7, do CPC) (…) *** Acordam os Juízes na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora no seguinte: I – RELATÓRIO (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…), (…) e (…) intentaram ação declarativa, sob a forma comum, contra o Estado Português, representado pelo Ministério Público, todos com os demais sinais identificadores constantes dos autos, pedindo que: - se declare que o prédio identificado no artigo 1º da petição denominado (…), é propriedade privada dos autores, pelo menos, desde o ano de 1782; - se condene o Estado Português a reconhecer tal propriedade como privada dos autores e a respeitá-la como tal.

Para tanto alegaram, em síntese, serem proprietários de prédio misto que se situa em área do domínio público hídrico marítimo pertencente ao Estado e é objeto de propriedade privada, documentalmente comprovado, desde data anterior a 31 de dezembro de 1864.

O Réu contestou invocando não se encontrar documentalmente comprovada a propriedade privada sobre a área reivindicada pelos Autores desde data anterior a 31 de dezembro de 1864.

Realizou-se audiência prévia, no âmbito da qual foi proferido despacho saneador, fixado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova.

Agendou-se e realizou-se a audiência final, após o que se seguiu a prolação de sentença, da qual consta o seguinte dispositivo: “V- Decisão Pelo exposto, ao abrigo das citadas disposições legais, decido julgar a presente acção procedente, por provada, e, em consequência, reconheço os autores como titulares do direito de propriedade privada sobre o prédio misto, denominado (…), situado na (…), composto por edifícios térreos, em ruína e logradouro com a área de 685m2 e marinha de sal com 324 talhos e viveiros, com a área de 97.077m2, a confrontar do norte com Rua (…), norte/nascente com talude de acesso à salina de (…) de (…), sul com (…) e salina de … (…) e poente com antigo Convento de (…) e outros, descrito na Conservatória do Registo Predial de Tavira, sob o n.º (…) da freguesia de Tavira (Santiago) e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo n.º (…) e na matriz predial rústica sob o artigo (…), da União de freguesias de Tavira (Santa Maria e Santiago).

* Sem custas, atenta a isenção legal do réu (artigo 527.º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil e artigo 4.º, n.º 1, alínea a), do Regulamento das Custas Processuais).

* Registe e notifique.” * Inconformado com a sentença veio o Réu, Estado Português, apresentar requerimento de recurso para este Tribunal da Relação de Évora, alinhando as seguintes conclusões: “III- CONCLUSÕES: 1ª – Na ação de processo comum, vem o Réu Estado, representado pelo Ministério Público, impugnar a sentença proferida nos autos que julgou a presente ação procedente, por provada, e, em consequência, reconheceu os autores como titulares do direito de propriedade privada sobre o prédio misto, denominado “(…)”, situado na (…), composto por edifícios térreos, em ruína e logradouro com a área de 685 m2 e marinha de sal com 324 talhos e viveiros, com a área de 97.077 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial de Tavira, sob o n.º (…) da freguesia de Tavira (Santiago) e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo n.º (…) e na matriz predial rústica sob o artigo (…), da União de Freguesias de Tavira (Santa Maria e Santiago).

Em súmula conclui pelo seguinte: 2ª – Os Autores instauraram a presente ação declarativa sob a forma comum, pedindo que o prédio misto acima mencionado fosse declarado como sua propriedade desde pelo menos o ano de 1782 e, em consequência, que o Réu Estado Português fosse condenado a reconhecer tal propriedade – ficando assim o mesmo prédio subtraído ao domínio público marítimo – tudo de harmonia com o disposto no artigo 15.º, n.º 1 e 2, da Lei n.º 54/2005, de 15.11.

  1. – Realizou-se a audiência final no pretérito dia 9 de setembro de 2021, com total observância do legal formalismo e, em 18/09/2021, a Mma. Juiz a quo proferiu sentença, na qual considerou a presente ação procedente por provada e reconheceu os autores como titulares do direito de propriedade privada sobre o prédio misto em causa.

  2. – O Réu, representado pelo Ministério Público, discorda de tal decisão em virtude de entender que a factualidade dada como assente – a qual de resto não contesta nem impugna – não permite considerar que o prédio misto em questão era, por título legítimo, objeto de propriedade particular antes de 31 de dezembro de 1864, afastando-se assim a presunção de que o mesmo pertence ao domínio público marítimo.

  3. – Com efeito, decorre dos pontos 1 a 6 da matéria de facto dada como provada que o prédio misto em causa nos presentes autos, denominado “(…)”, é composto por uma parte urbana com a área de 685 m2 e uma parte rústica com a área aproximada de 97 077 m2, sendo que o mesmo constitui uma parcela do leito e das margens das águas interiores sujeitas à influência das marés – pelo que o mesmo prédio se encontra inequivocamente compreendido no domínio público marítimo, de harmonia com o disposto no artigo 3.º da Lei n.º 54/2005, de 15 de novembro.

  4. – No ponto 7 dá-se como assente – com base no teor do único documento apresentado pelos Autores com data de emissão anterior a 31/12/1864 – que no inventário orfanológico instaurado no ano de 1782 e aberto por óbito de (…) foi relacionado o prédio composto por um moinho de água salgada, por detrás do convento das freiras de (…), chamado das (…), que consta de quatro aferidos com seus precisos, foreiro em quarenta réis a Alcaidaria mor em remível que foi avaliada a sua posse em oito centos mil réis (800 000)”.

  5. – Sendo certo que tal moinho de água salgada faz parte integrante do prédio misto descrito nos pontos 1 a 6 – encontrando-se hoje em ruínas. 8ª – Ora, o que é relacionado no documento em causa é apenas e tão somente um moinho de água salgada, isto é, um moinho de moer trigo pela água salgada (também conhecido como moinho de maré) e não quaisquer terrenos anexos, envolventes ou associados ao aludido moinho e que também fossem objeto de transmissão hereditária por morte de (…).

  6. – Tal estrutura industrial é objeto de sucessivas transmissões (por compra e venda e por morte) entre privados, tal como o demonstra o teor de vários dos documentos apresentados pelos Autores e datados de 1813, 1844 e 1862 – sendo que em todos estes documentos o que é mencionado que é transmitido é apenas o (…).

  7. – Apenas em 1867 é produzido um documento – um testamento cerrado, elaborado em 08/06/1867 e aprovado por “Tabelião” em 07/08/1867 (junto a fls. 171/191) – onde pela primeira vez se menciona que o dito moinho de água, agora denominado “(…)”, é transmitido com o “terreno correspondente” – ignorando-se, todavia, qual a descrição, confrontações ou a área do mesmo prédio rústico.

  8. – E, apenas em documento datado de 04/05/1888 é que tal terreno “correspondente” ao “(…)” é de facto descrito: “um moinho de d’água, denominado das corcovas, situado na (…), freguesia de São Tiago, desta cidade; consta de quatro aferidos, casa para moenda, dita para moleiro, cavalariça, caldeira, açude, exteiros e sapal próprio, a confrontar do nascente com o moinho de (…), poente com o Convento e horta das freiras da (…), norte com o caminho do moinho de (…), e sul com o moinho dos herdeiros do Dr. (…), alodial”.

  9. – É este prédio, descrito pela primeira vez no mesmo documento de 1888, que vem posteriormente a ser objeto de sucessivos registos e inscrições matriciais e que depois veio a dar origem (com alterações de numeração e acrescentos em área) ao prédio misto descrito nos pontos 1 a 6, o qual é objeto de sucessiva transmissão hereditária até chegar à posse dos Autores.

  10. – Pelo que não foi dado como provado que o prédio misto descrito nos pontos 1 a 6 da matéria de facto dada como provada era, por título legítimo, objeto de propriedade particular antes de 31 de dezembro de 1864.

  11. – Com efeito, as únicas conclusões seguras que se poderão retirar da matéria de facto dada como provada são as seguintes: - que uma parte de tal prédio misto era, por título legítimo, objeto de propriedade particular na data de 08/06/1867. - que o aludido moinho de maré (sem os terrenos anexos) era propriedade privada em 1782.

  12. – Por outro lado, mesmo a fazer fé que o moinho de água transmitido em 1782 era ainda composto por uma porção de terreno anexo – no qual se instalava a casa para moenda, cavalariça, caldeira, açude, esteiros e sapal próprios – sempre se dirá que não existe qualquer elemento de prova que demonstre que tal terreno anexo era, à data, objeto de propriedade particular ou comum.

  13. – Nada também existe que demonstre que o mesmo terreno anexo ao moinho de maré corresponda à totalidade do terreno integrante do prédio objeto dos presentes autos, designadamente dele fazendo parte também o terreno onde se mostram instaladas marinhas de sal para extração de sal, ocupando uma área aproximada de 97.077 m2.

  14. – Não se mostrando assim preenchidos os requisitos previstos no citado artigo 15.º, n.º 2, da Lei n.º 54/2005, de 15 de novembro, para considerar que a totalidade do prédio misto, denominado “(…)” – situado na (…), composto por edifícios térreos, em ruína e logradouro com a área de 685 m2 e marinha de sal com 324 talhos e viveiros, com a área de 97.077 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial de Tavira, sob o n.º (…) da freguesia de Tavira (Santiago) e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo n.º (…) e na matriz predial rústica sob o artigo (…), da União de Freguesias de Tavira (Santa Maria e Santiago) – era objeto de propriedade particular ou comum antes de 31 de dezembro de 1864.

  15. – E, não se mostrando preenchidos tais requisitos, não deveriam os Autores ter sido reconhecidos como titulares do direito de propriedade privada sobre o...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT