Acórdão nº 1046/20.8Y2STR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 27 de Janeiro de 2022

Magistrado ResponsávelEM
Data da Resolução27 de Janeiro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora: [1] I – Relatório A recorrente “J. Francisco Transportes, Lda.” (arguida) veio impugnar judicialmente a decisão da Autoridade para as Condições de Trabalho (doravante designada ACT) que lhe aplicou uma coima no valor de €3.500,00, pela prática de uma contraordenação, p. e p. pelos arts. 4.º, nºs. 1 e 2, 10.º, n.º 2 e 14.º, n.º 3, al d), todos do DL n.º 237/2007, de 19-06, e art. 1.º da Portaria n.º 983/2007, de 27-08.

…O Tribunal de 1.ª instância, realizada a audiência de julgamento, por sentença proferida em 17-06-2021, julgou nos seguintes termos: Pelo exposto, julga-se improcedente a impugnação apresentada pela J. FRANCISCO TRANSPORTES, LDA. e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida.

Custas a cargo da recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UC.

Notifique e comunique à autoridade administrativa.

…Inconformada, veio a arguida “J. Francisco Transportes, Lda.” interpor recurso da sentença, apresentando as seguintes conclusões: 1.º Como se sabe, o Art. 19.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, sempre na sua redação em vigor aquando do início destes autos prescreve que “1 - Quem tiver praticado várias contraordenações é punido com uma coima cujo limite máximo resulta da soma das coimas concretamente aplicadas às infrações em concurso. 2 - A coima aplicável não pode exceder o dobro do limite máximo mais elevado das contraordenações em concurso. 3 - A coima a aplicar não pode ser inferior à mais elevada das coimas concretamente aplicadas às várias contraordenações”; 2.º No caso concreto, a Arguida foi condenada pela Autoridade para as Condições do Trabalho em diversas coimas relativas a contraordenações em situação de concurso, mas entende a MM Juiz a quo, ao que se alcança da sustentação da douta decisão recorrida, que não deve efetuar o respetivo cúmulo jurídico; 3.º O Art. 78º, n.º 1 do Código Penal, sempre na sua redação atual, aplica-se às situações em que a “prática dos crimes concorrentes tenha tido lugar antes do trânsito em julgado da condenação por qualquer deles” (FIGUEIREDO DIAS, ob cit., p. 278).

  1. Por sua vez, e mesmo que a pena anterior se mostre extinta, deve efectuar-se o cúmulo das penas, como defende brilhantemente PAULO DÁ MESQUITA, O Concurso de Penas, Coimbra, 1997, p. 73-85, sob pena de se ofender o princípio da igualdade (uma vez que a punição dos arguidos fica dependente da maior ou menor celeridade processual e do facto de os arguidos terem cumprido as condenações anteriores), com dignidade constitucional.

  2. No mesmo sentido, de resto, concluiu RODRIGUES MAXIMIANO, «Cúmulo jurídico com penas cumpridas» in Revista do Ministério Público n.º 44 (1990), p. 131 e ss. (referindo-se à versão original do Código Penal de 1982), considerando que “I - O artigo 79º do Código Penal só impede a efetivação do cúmulo jurídico de penas quando todas as penas se encontrem extintas ou cumpridas. II - Assim, há lugar ao cúmulo, mesmo com penas cumpridas, quando haja lugar a julgamento e a condenação por crime integrado nesse concurso e quando a pena agora aplicada não esteja extinta ou cumprida” (v., também, na jurisprudência e por todos, embora no âmbito do direito penal tout court, o Acórdão da Relação de Lisboa de 12 de dezembro de 1995 e o Acórdão da Relação do Porto de 10 de maio de 1995, ambos retirados de www.dgsi.pt).

  3. Este normativo impõe, pois, ao contrário do que sucedeu nestes autos, que, quando existam coimas aplicadas por contraordenações em situação de concurso, se deva proceder, mesmo que esse concurso seja apenas de conhecimento posterior, ao respetivo cúmulo jurídico, dado que, como se concluiu no Acórdão da Relação de Guimarães de 21 de janeiro de 2016, consultado em www.dgsi.pt, “Impõe-se pois a aplicação de uma coima única nas situações de concurso, independentemente da área geográfica da entidade com competência para o procedimento. Tem razão o decisor em primeira instância quando refere que “não se compreende que por motivos de ordem prática e/ou dificuldades materiais e ou informáticas de qualquer ordem, não emergindo da lei contraordenacional a impossibilidade de realizar/obter o cúmulo jurídico, se desvirtue um regime legal que se afigura imperativo”.

  4. Assim, considerando que a Autoridade Administrativa Recorrida cometeu uma nulidade processual, ao não ter diligenciado pela realização do cúmulo jurídico das diversas coimas aplicadas à Arguida relativas a ilícitos de mera ordenação social que estejam numa situação de concurso, nada mais resta do que julgar verificada essa nulidade, importando que essa nulidade seja suprida pela Autoridade Administrativa, ordenando-se o arquivamento dos presentes autos.

  5. Não foi feito o cúmulo jurídico DEVIDO anterior ou posterior aos trânsitos em julgados dos processos referidos no registo nacional de infractores, nem relativamente aos processos pendentes ainda em tramitação nas ACT, nomeadamente na Unidade Local da Covilhã e no Centro Local do Mondego (processo n.º 091801545), informação esta omitida pela ACT.

  6. O regime legal do cúmulo jurídico é uma pedra basilar do nosso direito sancionatório que não se coaduna com dificuldades e incómodos técnicos nem com incongruências; 10.º A não realização do cúmulo jurídico determina a nulidade da decisão e o arquivamento dos autos, o que se requer; 11.º O douto Tribunal a quo considerou os seguintes factos como provados: “14. A arguida incumbiu o trabalhador (...) de autenticar o seu próprio livrete individual de controlo junto da ACT, em meados de novembro de 2017.

    1. A arguida estava convencida que o trabalhador era portador daquele documento.” 12.º E das declarações do legal representante da ora Recorrente, tal como da testemunha arrolada, resulta que era, e é, ministrada formação aos condutores e, bem assim, que o Trabalhador (...) foi incumbido de autenticar o seu próprio livrete individual de controlo junto da ACT, sendo que o mesmo lhe alegou que o tinha feito.

  7. Declarou o legal representante da Recorrente, tendo a testemunha (…) confirmado tais declarações, que apenas se apercebeu da falsidade das declarações do Trabalhador (...) com o auto de notícia correspondente aos presentes autos.

  8. Por fim, declarou que, no seguimento de múltiplas infracções por parte do condutor ora em causa, o seu vínculo laboral com a Recorrente terminou, o que demonstra que a mesma diligencia pelo cumprimento das obrigações correspondentes a tempos de trabalho e repouso.

  9. Não refere a douta sentença a quo qualquer razão pela qual não se deva crer na genuidade das declarações prestadas pelo legal representante da Recorrente ou da testemunha (…).

  10. Cumprirá referir que o Trabalhador não exibiu, no ato de fiscalização, o Livrete Individual de Controlo por facto e causa que unicamente lhe são imputáveis.

  11. A entidade empregadora, conforme a douta sentença a quo dá como provado, encontrava-se absolutamente convicta de que o Trabalhador (...) era portador do Livrete Indívidual de Controlo, devidamente autenticado junto da ACT, porquanto o incumbiu de proceder a essa autenticação, fornecendo-lhe todas as informações e documentos necessários para que as entidades de fiscalização pudessem aferir da observância ou não das normas dos regulamentos.

  12. Não se compreende, contudo, a referência feita na douta sentença a quo ao facto de ser “(…) forçoso concluir que a arguida não fiscalizava o cumprimento, pelo trabalhador, desse dever (…)”.

  13. Pelo que resultará claramente que, ao abrigo do princípio do in dúbio pro reo, nos termos do artigo 32º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, tendo em conta a factualidade dada como provada, deveria ter sido dado como provado pelo Tribunal a quo que, efectivamente, “a arguida, enquanto entidade empregadora, diligenciou no sentido de organizar o serviço do seu motorista, de...

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