Acórdão nº 151/14.4TASSB-A.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 25 de Janeiro de 2022

Magistrado ResponsávelMARIA CLARA FIGUEIREDO
Data da Resolução25 de Janeiro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I - Relatório.

Nos autos de processo comum com intervenção do Tribunal Singular que correm termos no Juízo de Competência Genérica de …-J2, do Tribunal Judicial da Comarca de …, com o n.º 151/14.4TASSB-A, foi proferido despacho indeferindo o requerimento de prorrogação do prazo para contestar apresentado pelo arguido.

Inconformado com tal decisão, veio o arguido interpor recurso da mesma, tendo apresentado, após a motivação, as conclusões que passamos a transcrever: “I - O processo formal contém um sem número de informações das mais variadas proveniências.

II - De toda a documentação carreada constam relatórios, (Documentação Técnica), contas bancárias, estratos, protocolos, dados contabilísticos, juros com os mais diversos cálculos que necessitam de ser aferidos sobre valores pecuniários não diminutos das mais variadas proveniências e que constam. dos autos, entre um sem número de outros documentos superiores a milhar de páginas.

III - Conclui a própria AT conforme fls., dos autos de 01/04/2015 cit. U ( .. ) ... complexidade e abrangência dos factos a verificar. existindo grande probabilidade de correções e JU sede de diversos impOfi;(Os. ( ... ) ".

IV - Em sede de investigação, a consideração da necessidade de prazo e prorrogação do mesmo, aceite, não mereceu qualquer contestação do Ministério Público e bem.

V - Salvo melhor entendimento, a oposição do Ministério Público à não prorrogação do prazo requerido pelo Arguido, para poder ainda que de forma débil poder fazer a sua defesa atento ao volume de documentação e que carece de técnicos especializados não é no mínimo coerente.

VI - Assim, é notória a diminuição da possibilidade do arguido se poder defender de forma plena logo em clara violação do Princípio do Contraditório.

V11 - O requerido pelo arguido em termos de prazo peticionado/prorrogação, em nada viola a lei, que confere um limite de 30 dias para proceder à sua ampla defesa/contestação.

VIII - Mas mais, encontra-se estabilizada toda a prova carreada para os autos, fundamento da acusação, livre de qualquer contaminação ou perturbação.

IX - A audiência está marcada para 26/10/2021, logo o prazo requerido pelo arguido para poder condignamente sustentar a sua defesa, não colide com qualquer prazo no processo.

X - Salvo melhor entendimento, considera o arguido estar a ser preterido o seu direito fundamental plasmando na Constituição da República Portuguesa, artigo 20° n,º 4 e 32°n.o 5 in fine e 11.° 7 da CRP, na dimensão do direito a um processo equitativo e de cariz contraditório.” Termina pedindo a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que conceda ao arguido a peticionada prorrogação do prazo para apresentação da contestação.

* O recurso foi admitido.

Na 1.ª instância, o Ministério Público respondeu ao recurso, tendo pugnado pela sua improcedência e pela consequente manutenção da decisão recorrida e tendo apresentado as seguintes conclusões: “1.ª- O despacho judicial recorrido não merece qualquer censura.

  1. - O douto despacho requerido teve por fundamento um requerimento do arguido com vista à prorrogação do prazo para apresentar contestação em que o arguido alegava que o processo em causa era de especial complexidade.

  2. - O processo em causa não havia sido classificado como sendo um processo de especial complexidade, nem na fase de inquérito, nem na fase em que nos encontramos (a de julgamento), sendo que tal apenas poderia ser declarado quando estivesse em causa a aplicação da medida de coação de prisão preventiva – artigo 215.º, n.º 4, do Código de Processo Penal.

  3. - Ainda que assim não se entenda, verifica-se que os presentes autos não assumem a natureza de processo de especial complexidade, tratando-se de um processo em que tem apenas dois arguidos constituídos e, a cada um deles, apenas estão imputados três crimes em co-autoria (abuso de confiança fiscal, fraude fiscal e fraude fiscal qualificada) sendo que a matéria fáctica que lhes é imputada não se mostra complexa e está sustentada em documentação vertida em quatro volumes, consistindo a mesma, sobretudo, em documentação bancária recolhida pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

  4. - O douto despacho recorrido considerou, e bem, que os presentes autos não têm a natureza de “processo de especial complexidade”, sendo que o único fundamento legal que poderia permitir ao arguido obter a prorrogação do prazo para contestar fundamentava-se na atribuição da natureza de processo de especial complexidade aos presentes autos.

  5. - A circunstância de a investigação ter demorado vários anos para recolher prova e ter-se deparado com dificuldades de recolha de prova e com alguma complexidade técnica, nada tem que ver com a complexidade do processo, mas antes com dificuldades relativamente à execução da investigação com os meios que o órgão de polícia criminal dispunha.

  6. - O arguido/recorrente foi notificado da acusação e dispôs de prazo para reagir à acusação, designadamente, através de requerimento de abertura de instrução, todavia, optou por não o fazer e, durante todo o tempo que mediou entre a notificação da acusação ao arguido e a notificação para contestar, o arguido dispôs de vários meses para, querendo consultar o processo e preparar a sua defesa.

  7. - Não existem motivos para se atribuir a natureza de processo de especial complexidade e não foi postergado qualquer direito de defesa ao arguido, não tendo havido qualquer violação do princípio do contraditório e não se verificando, em concreto, qualquer violação de lei por parte do despacho recorrido.

  8. - Por todo o exposto, deve ser negado provimento ao recurso interposto pelo arguido, Fazendo-se assim a costumada Justiça.” * O Exmº. Procurador Geral Adjunto neste Tribunal da Relação emitiu parecer, tendo-se pronunciado pela rejeição do recurso por insuficiência de motivação e, subsidiariamente, no sentido da improcedência do recurso, nos seguintes termos “(…) 5. Parecer.

5.1. Resulta do artigo 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal que o recurso, sob o ponto de vista estrutural, contém «duas partes: - o corpo da motivação ou motivação propriamente dita – seja, o desenvolvimento dos fundamentos da impugnação ou, se se quiser, das razões pelas quais se discorda da decisão posta em crise; - as conclusões – isto é, o resumo das razões do pedido, não devendo ir além de uma síntese do respetivo corpo, e em que, se concretiza o onde e o porquê se decidiu mal e o como se deve decidir» A «motivação é o verdadeiro cerne, o motor do recurso, no sentido em que é ali que o recorrente invoca as razões da sua discordância e, afinal, expõe a sua pretensão» (2). É na motivação que «o recorrente expõe, explica e desenvolve os seus argumentos contra a decisão ou parte dela (…), isto é, exibe os fundamentos da impugnação pelos quais discorda da decisão que coloca em crise» (3).

As conclusões são as «proposições sintéticas, de facto e de direito, que emanam naturalmente do que se expôs e considerou ao longo da alegação/motivação» (4).

Pois bem, as motivações do recurso em análise compõem-se de seis parágrafos.

No primeiro, o recorrente identifica o despacho recorrido. No segundo, reproduz parte da fundamentação do mesmo despacho. No terceiro, menciona que a investigação da Autoridade Tributária demorou mais de três anos e foi prorrogada várias vezes. No quarto, assinala que a prorrogação da investigação teve a ver com o facto de a Autoridade Tributária invocar estar perante «uma situação tributária de especial complexidade». No quinto, manifesta a sua concordância com o entendimento subjacente à prorrogação da investigação. No sexto, anota que o Ministério Público opôs-se ao pedido de prorrogação do prazo de contestação sob a alegação de que os autos não têm especial complexidade.

E é tudo.

Ora, este conjunto desadornado de frases está muito aquém do que se exige numa motivação.

Ao fim e ao cabo, o recorrente atém-se a duas afirmações – que a Autoridade Tributária, na fase de inquérito, invocou estar perante «uma situação tributária de especial complexidade» e que a investigação demorou mais de três anos – como se isso bastasse para demonstrar que o tribunal errou ao indeferir a prorrogação...

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