Acórdão nº 981/17.5T9STR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 25 de Janeiro de 2022

Magistrado ResponsávelEDGAR VALENTE
Data da Resolução25 de Janeiro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I - Relatório

No processo comum colectivo n.º 981/17.5T9STR do Juízo Central Criminal (J2) do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, foi o arguido JL, filho de JL e MP, natural de …, …, nascido em …, casado, reformado, residente na Rua …, …, …, condenado nos seguintes termos (transcrição): “Tudo ponderado, decide o Tribunal: a) Condenar JL pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime coacção sexual, na forma agravada, previsto e punido pelos artigos 163.º, n.º 1, e 177.º, n.º 7, do Código Penal, na pena de 5 (cinco) anos de prisão; b) Declarar suspensa a execução da pena de prisão pelo período de 5 (cinco) anos, subordinada ao dever de JL se abster de contactar, por qualquer modo, MB durante o período da suspensão, contado do trânsito em julgado da presente decisão; c) Sujeitar a suspensão da execução da pena de prisão aplicada a JL a regime de prova, assente em plano social de recuperação a elaborar pelo Instituto de Reinserção Social, que preveja necessariamente um acompanhamento técnico e psicoterapêutico especializado do arguido, com especial incidência na aquisição de adequadas competências no âmbito do desenvolvimento da sua maturidade sexual; (…)” * Inconformado, o arguido interpôs recurso de tal decisão, extraindo da motivação as seguintes conclusões (transcrição): “A) O arguido discorda, de facto e de Direito, da justiça e legalidade do decidido pelo Tribunal a quo, pois é seu entendimento que do conjunto da prova produzida, interpretada à luz das regras da experiência comum, não resulta nem poderia resultar provado que, nas circunstâncias descritas na acusação (modo e lugar) tivesse cometido o crime pelo qual foi acusado e condenado

  1. As declarações para memória futura prestadas pela menor, apresentam lacunas, deficiências e contradições insanáveis

  2. Os factos imputados ao arguido e descritos nos artigos 3.º a 19.º da acusação, não foram provados

  3. Na motivação da decisão verifica-se que o tribunal formou (erradamente) a sua convicção na prova documental, nas declarações do arguido, nas declarações para memoria futura prestadas pela menor e ainda na prova testemunhal. Deste modo, o Tribunal a quo errou notoriamente na apreciação da prova

  4. Do registo fotográfico, datado de 26.07.2017, elaborado pela Polícia Judiciaria junto a fls. 70 a 75, estão identificados os locais em causa no facto 3. Se estufa e poço são realidades distantes não é possível que a menor se encontre em dois espaços ao mesmo tempo. Existe assim uma errada apreciação da prova que se impõe ser corrigida em sede de recurso. Deste modo, deveria tal facto ser subtraídos dos factos provados por de nenhuma parte resultar onde se encontrava a menor a brincar

  5. O arguido negou sempre a prática dos factos, negando, por conseguinte, que tenha praticado os actos criminosos pelos quais foi acusado, tendo prestado declarações por diversas vezes no decorrer dos presentes autos, nomeadamente na Policia Judiciária a fls 61 e ss, em sede de interrogatório, na instrução e em sede de julgamento

  6. A versão do arguido é que não praticou os factos, conforme resulta de fls 63.. Versão apresentada em juízo como fica evidenciado na página 14, paragrafo 5º do acórdão ora impugnado

  7. Esta é a versão do arguido e que este relata em todas as fases processuais, à técnica da Segurança Social para efeitos de relatório social, datado de 13.04.2021 (refª. Citius 7615283) e ainda ao Psicólogo do IML para efeitos de elaboração de perícia médico legal, datada de 25.03.2021 (refª. Citius 7594130)

  8. Versão que tem de ser vista à luz da restante prova, mormente a documental: -Comunicação de crimes públicos datada de 08.06.2017 junta a fls.2 – a comunicação é feita pelo Hospital em 08.06.2017 na sequência de uma consulta de mera rotina. O factos reportam-se a 03.06.2017. Desconhecendo em absoluto o Tribunal o que aconteceu durante esses 5 dias

    -Comunicação de Noticia de Crime da PJ datada de 08.06.2017 e junta a fls 8 –Esta comunicação é feita pela Assistente Social do Serviço de Pediatria do Hospital de …, Dra. A, e pode ler-se ‘’ …a menor foi sujeita a exames médicos não tendo sido detetado qualquer sinal ou lesão que confirme os eventuais abusos denunciados. De igual forma, indicou que M, não confirma ter sido abusada sexualmente.’’ -Relatório Pericial datado de 09.06.2017 a fls 55 e ss – Não conta espontaneamente a historia que a mãe relata nem qualquer preocupação.;Quando se pergunta se alguém fez mal, refere que não. Se alguém fez cócegas no pipi – refere que não.’’ Deste relatório resulta que o eritema apresentado pela menor na região vulvar ‘’não configuram sinais patognomónicos de abuso sexual.’’ Tanto assim é que do relatório de perícia sexual consta que inexistem leões ou sequelas que configurem abuso sexual. Da rubrica ‘’Antecedentes’’ a fls58, resulta ainda que a menor já era acompanhada em consultas de desenvolvimento infantil e psicologia, em decorrência do internamento e reabilitação da progenitora por doença do foro psiquiátrico (depressão cronica)

    Facto que implica a exclusão do facto 13 dos factos provados

    - Diário Clinico datado de 08.06.2017 elaborado pela Dra. P a fls 175 e 176 - Não conta espontaneamente a historia que a mãe relata nem qualquer preocupação. Quando se pergunta se alguém fez mal, refere que não. Se alguém fez cócegas no pipi – refere que não.’’ -Atestado médico datado de 16.11.2018 junto com a Instrução- O arguido encontrava-se a recuperar de uma infecção respiratória, tendo sido observado no serviço de urgência no dia 29.05.2017. Essa doença veio a sofrer um agravamento que levou o arguido novamente, em 07.06.2017, ao serviço de urgência para exames de controlo

    - Relatório Social do arguido datado de 13.04.2021 (refª. Citius 7615283) - com base neste relatório o Tribunal a quo deu como provados os factos 21 a 39. Nas palavras do Tribunal a quo, tal relatório é ‘’manifestamente idóneo’’(vide página 16, 4º parágrafo do acórdão). Tal relatório reproduz mais uma vez a versão do arguido dos factos de forma plenamente coincidente com a versão que sempre apresentou. Acresce, o facto provado nº 38 está em contradição com o referido na página 25 do acórdão, no ponto de determinação da medida da pena. Pois, não se coibiu o Tribunal de referir que o ‘’Arguido não manifestou qualquer sentimento’’ o que clamorosamente o Tribunal entendeu justificar a sua intenção libidinosa

    Existe assim uma contradição entre a prova indubitavelmente valorada, o facto 38 dos factos provados e tais afirmações que não têm suporte ou cabimento, mas que justificam a aplicabilidade da pena e a escolha da sua medida

    -Relatório da perícia Médico-Legal - Psicologia datada de 25.03.2021 (refª. Citius 7594130)-Com base neste relatório, igualmente considerado meio idóneo, o Tribunal deu como provado o facto 40 reproduzindo o ultimo paragrafo das conclusões elaboradas pela Sra. Dra. Psicologa – Perita. Faz prova do caracter e índole do arguido contraria ao crime pelo qual vem acusado

    -Declarações para memória futura prestadas pela menor e transcritas a fs 207 e ss- Desde já se requer que sejam apreciadas na sua totalidade por se verificar de forma cabal que a menor não relata qualquer crime. Quando é perguntado à menor se o arguido lhe tocou no órgão genital, esta diz que não. Mais esclarecendo que isso foi o que a mãe lhe disse. (fls 215 declarações para memória futura). O que só por si invalida, por não ser verdade, nem existir qualquer indicio, o paragrafo 9 da acusação. Durante toda a diligência de declarações para memória futura a menor respondeu diversas vezes’’hum…’’ou ‘’Ah!’’. Expressões que nunca podem reconduzir-se à afirmação da prática do crime. Facto denotado pelo próprio Tribunal em sede de acórdão (página 8). Acresce que o Tribunal, mesmo assim valora tais declarações dizendo que a menor apresentava marcas quando foi sujeita a exame pericial médico-legal, concretamente ‘’eritema marcado na região vulvar, o qual não sendo patognomónico de abuso sexual, não se pode excluir.’’(relatório pericial a fls 89 e página 9 do Acordão) Acresce que em sede de declarações para memória futura a menor refere que o arguido não mostrou a pilinha, nunca viu e que não lhe tocou com a pilinha

    Posto isto, as declarações para memória futura nada trazem aos autos que configure prova do crime pelo qual o arguido veio acusado e condenado. Posto isto é inadmissível que se possam dar como provados os factos de 4) a 9) com base nas declarações para memória futura. Sendo certo que das mesmas não resultam os factos descritos na acusação. Na verdade, tais factos acham suporte no depoimento da mãe da menor que foi descredibilizado em Tribunal como apreciaremos infra, em sede própria. Em suma, deveriam tais factos ser dados como não provados

    -Exame psicológico à menor a fls 237 e seguintes – resulta de tal exame que a menor é imatura e fazia confusão, que descreve com pouco pormenor o passado, com exceção do caso dos autos. Mais relata nessa ocasião a Sra. Perita que a menor deixa ‘’impressão’’ da genuidade dos seus relatos. Na página 12 do acórdão, a este propósito, refere o Tribunal que tem ‘’impressão de autenticidade deixada pelo seu relato’’

    -Relatório de acompanhamento psicológico remetido ao tribunal em 17.10.2019 a fls 512-Desde logo é cabalmente explicitado neste relatório que já em Fevereiro de 2017, e por isso em data anterior à da pratica dos factos, a menor manifestava dificuldades a nível escolar, decorrentes da dinâmica familiar. Deste modo, este relatório põe claramente em crise os factos 13 a 19 dos factos provados, mormente o facto 15, pois o comportamento desajustado da menor e as dificuldades escolares são pré-existentes. (vide página 10 do acórdão, na sua ultima linha)

    - Relatório da CPCJ de 15.10.2015 - resulta que a família da menor vive num contexto de violência doméstica, que em 04.12.2018 foi a família novamente sinalizada, que faltou a consultas e não cumpriu...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT