Acórdão nº 197/20.3JAPTM-A.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 25 de Janeiro de 2022

Magistrado ResponsávelMARIA MARGARIDA BACELAR
Data da Resolução25 de Janeiro de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

11 Acordam, em conferência, os juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: Nos autos de processo comum, em fase de inquérito, sob o nº197/20.3JAPTM, que corre termos no Tribunal de Instrução Criminal de …, o Ministério Público inconformado com o despacho de 8 de Novembro de 2021, interpôs do mesmo o presente recurso, rematando as pertinentes motivações com as seguintes conclusões: “1ª Vem o presente recurso do douto despacho datado de 8 de Novembro de 2021 através do qual o Mmo. Juiz de Instrução ordenou a destruição dos suporte técnicos obtidos na sequência de intercepções telefónicas judicialmente autorizadas porquanto, em seu entender, nas conversações obtidas não intervém nenhuma das pessoas referidas no n.º 4 do artigo 187.º do Código de Processo Penal, no âmbito do presente Inquérito que tem por objecto a investigação de factos que são susceptíveis de integrar, em abstracto, a prática de um crime de Tráfico, p. e p. pelo artigo 21.º do DL n.º 15/93, de 22 de Janeiro e, eventualmente, de Associação Criminosa, p. e p. pelo artigo 299º do Código Penal e em que são visados AA e BB cidadãos de nacionalidade aaa e bbb.

  1. Foi requerido pelo Ministério Público a realização de intercepção e gravação das conversações mantidas entre e pelos suspeitos, designadamente, a realização de intercepção e gravação das conversações telefónicas mantidas através do nº de telemóvel … (utilizado por AA) e do último IMEI onde os n.º se encontrem a operar e sobre tal requerimento do Ministério Público incidiu o despacho do Mmo. Juiz a quo, datado de 11 de Outubro de 2021, no qual se autorizou "até ao dia 10 de Dezembro de 2021, a intercepção e a gravação das conversações telefónicas mantidas através do nº de telemóvel … (utilizado por AA) e do último IMEI onde os n.º se encontrem a operar".

  2. Iniciadas que foram as intercepções telefónicas constatou-se no decurso da investigação e do controlo efectuado àquelas que o alvo … (n.º de telemóvel ….) associado ao suspeito AA se manteve desde 16 de Outubro de 2021 na posse do suspeito BB, por força da deslocação do primeiro a JJJ enquanto o segundo se manteve em território nacional a guardar a embarcação LLL.

  3. Das conversações efectuadas pelo suspeito BB revelou-se com especial interesse para os autos a conversação de 3 de Novembro de 2021, pelas 17h15, em que aquele contactou o suspeito AA para o n.º de telemóvel … (também alvo de intercepções – Alvo ….) – Sessão n.º 1220.

  4. Essa conversação reveste não só interesse para a prova como é indispensável para fundamentar a aplicação de medidas de coacção ou de garantia patrimonial pelo que requereu o Ministério Público, fundando-se no artigo 187.º, n.º 7 do Código de Processo Penal (mas chamando à colação igualmente o artigo 188.º, n.º 9, alínea a)), a transcrição da mencionada sessão, a qual foi indeferida e ordenada a destruição dos suportes técnicos e relatórios.

  5. A decisão do Mmo. Juiz a quo teve na sua base o entendimento de que estávamos face a conversações e comunicações manifestamente estranhas ao processo e, principalmente, que na conversação não interveio nenhuma das pessoas referidas no n.º 4 do artigo 187.º do Código de Processo Penal, razão pela qual determinou a sua destruição ao abrigo do disposto no artigo 188.º, n.º 6, alínea a) do Código de Processo Penal.

  6. Nos termos do artigo 187.º, n.º 4 do Código de Processo Penal, para o qual remete o artigo 188.º, n.º 6, alínea a) do Código de Processo Penal, exige-se que as pessoas que podem ser objecto de intercepção e gravação estejam identificadas no processo como suspeitas, arguidos, transmissores ou receptores de notícias pertinentes, ou vítimas, e isto independentemente da titularidade dos meios usados, pois o que se escuta são as conversações entre determinadas pessoas, indicadas na lei, independentemente do meio utilizado ser do próprio, público ou de terceiro, bastando assim que na conversação intervenha alguma das pessoas que consta do elenco legal.

  7. A ratio da norma do artigo 188.º, n.º 6, alínea a) é a protecção do direito ao sigilo das telecomunicações, previsto no artigo 34.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa e a protecção da reserva da intimidade da vida privada de terceiros em relação aos quais o Código de Processo Penal não autoriza a intercepção e a gravação de conversações, nos termos do artigo 26.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.

  8. O âmbito de protecção da norma do artigo 188.º, n.º 6, alínea a) está dependente da verificação de um outro requisito cumulativo: a de que estejam em causa suportes técnicos e relatórios (leia-se conversações) manifestamente estranhos ao processo, o que leva à conclusão de que se estiver em causa uma comunicação que esteja relacionada directamente com os factos e sujeitos em investigação, independentemente de quem sejam os intervenientes, nunca os suportes técnicos e relatórios poderão ser destruídos por não ser aquela manifestamente estranha ao processo.

  9. O artigo 188.º, n.º 6, alínea a) do Código de Processo Penal estabelece assim dois requisitos cumulativos para a obrigatoriedade de destruição dos suportes técnicos e relatórios, designadamente: que se esteja face a uma conversação entre pessoas que não poderiam ter sido alvo de intercepções por não integrarem o catálogo subjectivo do artigo 187.º, n.º 4 e que aqueles, ou seja as conversações e comunicações, sejam manifestamente estranhas ao processo.

  10. Pelo contrário, quando estejam em causa conversações e comunicações entre pessoas que integram o catálogo subjectivo do artigo 187.º, n.º 4 do Código de Processo Penal e em relação às quais (ou pelo menos em relação a uma delas) foi ordenada a realização de intercepções ou em que o conteúdo da conversação ou comunicação esteja intimamente ligado aos factos em investigação, seja por ser já objecto da investigação seja por via dos conhecimentos da investigação, ou que possa configurar uma situação de conhecimentos fortuitos não pode ser ordenada a destruição dos suportes técnicos e relatórios ao abrigo da alínea a) do n.º 6 do artigo 188.º por não se verificarem os seus pressupostos.

  11. Em síntese: a destruição das escutas é a excepção. A sua manutenção é a regra.

  12. A decisão de destruição das escutas deve munir-se de especiais cautelas, aferindo de forma exigente se o teor das escutas é, de facto, manifestamente estranho ao processo e se se verifica qualquer das hipóteses a que alude as alíneas do n.º 6 do artigo 188.º e na dúvida a decisão deve ser a de não destruição das escutas, pois só assim se garante que os sujeitos processuais (Ministério Público, arguido e assistente) possam exercer o poder/dever estabelecido no n.º 9 do artigo 188.º, em obediência ao princípio do contraditório.

  13. A norma do artigo 188.º, n.º 9 do Código de Processo Penal assenta no respeito do princípio do contraditório relativamente à selecção da prova, segundo o qual se permite ao Ministério Público uma intervenção na selecção dos factos e se atribui aos restantes sujeitos processuais (arguido e assistente) a mesma faculdade.

  14. A intervenção do juiz de instrução no que respeita à transcrição de escutas está limitada à situação do n.º 7 do artigo 188.º, ou seja, quando estejam em causa "conversações e comunicações indispensáveis para fundamentar a aplicação de medidas de coacção ou de garantia patrimonial, à excepção do termo de identidade e residência".

  15. Na hipótese de ser colocada em crise este sistema de repartição de...

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