Acórdão nº 82/20.9GEACB-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 02 de Fevereiro de 2022

Magistrado ResponsávelJO
Data da Resolução02 de Fevereiro de 2022
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acórdão da 5ª Secção criminal do Tribunal da Relação de Coimbra I - Relatório 1.1 CJ e A., Lda., vieram interpor recurso da sentença proferida pelo Juízo de Competência Genérica de Cinfães do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu que os condenou pela prática, em autoria material, de um crime de violação de regras de segurança agravado pelo resultado morte, previsto e punido pelo artigo 152.º-B, n.º 1 e 4, alínea a) do Código Penal, quanto ao primeiro, na pena de 4 (quatro) anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, e, quanto à segunda, na pena de 480 (quatrocentos e oitenta) dias de multa, à taxa diária de 450,00€ (quatrocentos e cinquenta euros), que perfaz um total de 216.000,00€ (duzentos e dezasseis mil euros).

1.2.

Os recorrentes apresentaram as seguintes conclusões: 1. O presente recurso interposto do douto acórdão proferido no âmbito do processo à margem referenciado em 16 de novembro de 2020 que condenou os arguidos ora recorrentes, sindica quer matéria de direito, quer matéria de facto incluindo apreciação / reapreciação de prova gravada.

2. O douto Acórdão recorrido infringe manifestamente os Princípios da Livre Apreciação da Prova comtemplado no artigo 127º do C.P.P. mas igualmente o Princípio do "in dúbio pro reo” previsto nos artigos 277º e 285° do C.P.P. e artº 32, nº 2 da C.R.P. e o princípio da culpa previsto no n.º 2 do artigo 40º do C.P.

  1. Foi o arguido CJ, pela prática, em autoria material, de um crime de violação de regras de segurança agravado pelo resultado morte, p. e p. pelo art. 152.º-B, n.º 1 e 4, al. a) do Código Penal na pena de 4 (quatro) anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período. A sociedade arguida A. Lda., pela prática, em autoria material, de um crime de violação de regras de segurança agravado pelo resultado morte, p. e p. pelo art. 152.º-B, n.º 1 e 4, al. a) do Código Penal, na pena de 480 (quatrocentos e oitenta) dias de multa, à taxa diária de 450,00€ (quatrocentos e cinquenta euros), que perfaz um total de 216.000,00€ (duzentos e dezasseis mil euros).

  2. Entendem os Recorrentes que a prova produzida e apreciada pelo Tribunal a quo não foi corretamente valorada considerando factos como provados somente através das regras da experiência não valorando, no nosso entendimento, a prova produzida, nomeadamente, o depoimento das testemunhas.

  3. Em concreto, entendeu o tribunal a quo que ficou demonstrado que o corpo de JA teria sido encontrado fora do habitáculo, alguns metros mais a cima do local onde o camião se imobilizou, estando este com a porta aberta, não se tendo conseguido verificar se a vítima saiu por sua vontade ou se foi projetado para fora da viatura, bem como não se comprovou se o arguido sofreu o traumatismo crânio-encefálico no interior da cabine ou no seu exterior, ignorando por completo os factos trazidos pelas testemunhas que em tudo mostram ser relevantes para afastar tal entendimento.

  4. Quanto ao facto de a vítima ter saído por sua vontade, o Tribunal a quo não considerou os depoimentos prestados pelas testemunhas MP, HP e AD.

  5. O tribunal a quo não valorou os depoimentos das testemunhas que reconheceram o facto de a cabine do Dumper não ter sofrido danos e que o trabalhador JA, com a aflição do momento, abandonou a cabine. Neste sentido, face ao estado da cabine, com a utilização do cinto de segurança a que estava obrigado, sempre se dirá que a lesão que conduziu à sua morte apenas ocorreu por força da sua atuação e não pelo acidente propriamente dito.

  6. Quanto à prevenção do risco inerente aos trabalhos efetuados pelo Dumper, nomeadamente o depósito de inertes na escombreira, ficou demonstrado em audiência de discussão e julgamento que a sua deposição seria feita em duas fases, isto é, o Dumper, com a báscula, depositava os inertes, a cerca de 3 metros do limiar da ravina, vindo posteriormente a pá carregadora, já de frente, empurrar os detritos pela borda da escombreira. Ou seja, era dada a indicação do primeiro depósito, formando um talude, sendo os posteriores depósitos efetuados na sua lateral até preencher o linear da escombreira, sendo nessa altura, com o auxílio da pá carregadora, de frente, empurravam os detritos pela borda da escombreira.

  7. Posto isto, apesar de reconhecer experiência do falecido JA na execução dos trabalhos propostos e da sua formação, ordenou que nos primeiros dois dias de trabalho fosse acompanhado pelos trabalhadores MP e AB, para que estes explicassem todo o processo de depósito dos inertes na escombreira.

  8. Posto isto, dúvidas não podem existir que o falecido JA bem sabia das funções a exercer na pedreira e o método de depósito dos inertes na escombreira, contrariamente ao decidido pelo tribunal a quo.

  9. O tribunal a quo, na sua motivação referente aos trabalhos supra expostos, refere o seguinte: “Ora, do que os autos permitem alcançar, ainda que se admita que pudesse, por vezes, acontecer a deposição bifásica, certo é que não existe prova bastante de que constituía uma regra a descrita prática (ou sequer para suscitar uma dúvida no julgador), o que aliás decorre da sua omissão no plano de segurança e saúde no trabalho, não tendo sequer sido a actividade de deposição de inertes na escombreira comunicada à testemunha TF.” 12. Uma vez mais, o tribunal a quo fez tábua rasa dos depoimentos prestados pelas testemunhas.

  10. Todas as testemunhas que trabalham para a arguida A. Lda., referiram nos seus depoimentos que o depósito dos inertes é efetuado em duas fases, inicialmente o Dumper, com a báscula, depositava os inertes, a cerca de 3 metros do limiar da ravina, vindo posteriormente a pá carregadora, já de frente, empurrar os detritos pela borda da escombreira.

  11. Como se não bastasse, a testemunha OP, como supra transcrito, confrontado com as fotos por ele tiradas no local do acidente a folhas 68 dos autos, reconheceu a existência de marcas de dois rodados diferentes.

  12. Rodados estes que foram identificados pelos trabalhadores, sem margem de dúvida, pertencerem ao Dumper e à pá carregadora.

  13. Nesta esteira, dúvidas não podem existir que para a realização do depósito dos inertes na escombreira, nos termos supra referenciados, são utilizados o dumper e a pá carregadora, inclusive no dia do acidente.

    17. O que não se compreende, uma vez mais, quais os fundamentos do tribunal a quo para chegar às seguintes conclusões: “Ademais, é para o Tribunal difícil de compreender por que motivo, a fls 9. e 68, são mais visíveis, os rodados da pá carregadora no local onde, mais recentemente e com maior frequência, operara o dumper, que se mostra mais pesado, em virtude de transportar carga em pedra, tendo havido no dia do acidente, um dia de chuva (conforme consta do auto de notícia), apto a diminuir as marcas da pá carregadora, que não havia operado naquele local, pelo menos, nesse dia (como referiu a testemunha AB). (…) – não sendo de afastar a possibilidade de ter sido levada, em momento posterior ao acidente, a pá carregadora a tal local, com vista a simular a sua actuação como regra de segurança da empresa.” (sublinhado nosso).

  14. Perante tais motivações, não se compreendo o fundamento do tribunal a quo para afastar o facto das marcas dos rodados da pá carregadora presentes no terreno resultarem do trabalho efetuado, mas sim “a possibilidade de ter sido levada, em momento posterior ao acidente, a pá carregadora a tal local, com vista a simular a sua actuação como regra de segurança da empresa.” quando a foto a folhas 9 do processo, faz parte integrante do auto elaborado – no dia do acidente – pela GNR. O que, no entender da defesa, afasta a possibilidade invocada.

  15. Posto isto, dúvidas não podem existir que a pá carregadora efetuou o trabalho de arrastar as pilhas dos inertes pela escombreira a baixo.

  16. No que concerne ao incumprimento da norma estipulada para a descarga dos inertes da escombreira pelo trabalhador JA, o tribunal a quo entendeu “(…) que se realmente existisse uma obrigação de dividir em duas fases a tarefa de deposição de inertes, esta testemunha não atribuiria o acidente a um descuido da vítima, mas sim a um desrespeito das indicações da entidade empregadora.” 21. Nesta esteira, o tribunal a quo entendeu que o facto de as testemunhas não encontrarem explicação para o acidente, significa que não existia uma obrigação de dividir em duas fases, caso contrário diriam que não tinha respeitado as indicações da entidade empregadora.

  17. O que, com o devido respeito, não se concorda.

  18. As testemunhas MP, HP e AD, nos seus depoimentos referem que não encontram explicação para o acidente e que apenas pode ter sido um descuido do JA. E bem se compreende, se todos têm conhecimento que para efetuar a manobra são necessárias duas fases e em função das mesmas a probabilidade de acontecer um acidente é praticamente inexistente, se o acidente existiu é porque teve de ocorrer um descuido do JA. O facto de ser em duas fases não impede que o acidente possa acontecer, baste que o trabalhador não cumpra das indicações dadas pela entidade empregadora. Nesse sentido a testemunha MP ter referido que ao ver o pó na ribanceira, o JA tenha ido com o Dumper pela ribanceira a baixo, visto que não é suposto ver pó na ribanceira, uma vez que a descarga é feita na praça da escombreira e só quando esta estivesse cheia, arrastavam com a pá carregadora. Se o JA estava com o Dumper na escombreira e viu o pó na ribanceira – que não poderia ser da descarga uma vez que tem conhecimento que esta não é feita diretamente – deduziu que só poderia ter acontecido alguma coisa de errado com o Dumper.

  19. Uma vez mais, contrariamente à motivação do tribunal a quo, as testemunhas referiram nos seus depoimentos que não encontram explicação para o acidente, uma vez que com o método que utilizam para a descarga dos inertes é impossível que o acidente tivesse acontecido. 25. Quanto à utilização da pá carregadora, como referido pelas testemunhas, presta auxílio a vários trabalhos na pedreira. Assim que seja necessária a sua...

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