Acórdão nº 02328/15.6BEPRT de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 26 de Janeiro de 2022

Magistrado ResponsávelFRANCISCO ROTHES
Data da Resolução26 de Janeiro de 2022
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Recurso jurisdicional de sentença proferida no processo de impugnação judicial 2328/15.6BEPRT 1. RELATÓRIO 1.1 A sociedade acima identificada recorre para este Supremo Tribunal Administrativo da sentença por que o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto julgou improcedente a impugnação judicial por ela deduzida, após indeferimento da prévia reclamação graciosa, contra a autoliquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) relativa ao ano de 2013, na parte respeitante às tributações autónomas e ao agravamento da respectiva taxa em dez pontos percentuais.

1.2 A Recorrente apresentou a motivação do recurso, que resumiu em conclusões do seguinte teor: «i. A questão central do diferendo entre a Recorrente e a Recorrida, quanto ao exercício de 2013, resume-se a saber se, relativamente a empresas que se encontrem inseridas num grupo fiscal enquadrado no RETGS, o agravamento das taxas de tributação autónoma tem por referência o resultado agregado do Grupo ou o resultado individual das empresas que o compõem (a quem respeita a tributação autónoma).

ii.

Entende o Tribunal a quo, invocando a decisão arbitral dada no processo n.º 685/2015-T, que a expressão “sujeito passivo”, ínsita no aludido preceito, pode, pelo seu teor literal, ser interpretada como reportando-se à sociedade dominante do grupo.

iii.

Salvo o devido respeito, a ponderação peca pela simplicidade da abordagem ao tema, porquanto a adequação de aplicabilidade da norma foi apenas sindicada com exclusivo apego à qualificação formal da incidência subjectiva, descurando em absoluto a determinante incidência objectiva material da norma e o seu confessado propósito – o qual aponta decisivamente no sentido de que a lei pretendeu ter por referência, ab initio, os prejuízos fiscais de cada empresa que suporta encargos sujeitos a tributação autónoma.

iv.

Desde logo, cumpre notar que a lei não estabelece, quanto ao RETGS, um regime especial de “determinação do IRC” ou da “tributação das empresas”, mas apenas de “determinação da matéria colectável” – o que, desde logo, afasta literalmente a tributação autónoma, dado que a tributação autónoma de determinadas e concretas despesas nada tem que ver com a operação de lançamento em que se concretiza, na técnica tributária, a determinação da matéria colectável do grupo – inerente ao RETGS.

v.

Em lugares paralelos da lei, mormente no que tange a formas de tributação autónomas do IRC, o legislador não deixou de estabelecer, expressamente, regras específicas aplicáveis às empresas enquadradas no RETGS – como a Derrama ou os Pagamentos Adicionais por Conta – considerando a esfera individual das empresas que integram o grupo.

vi.

Face à necessária unidade e coerência do sistema fiscal, não se descortina qualquer fundamento material susceptível de justificar, em sentido oposto, que o agravamento das taxas de tributação autónoma seja efectuado por outro referencial senão, como naquelas realidades, a esfera jurídica tributária de cada uma das empresas que efectuam as despesas sujeitas a tributação autónoma.

vii.

Mais do que isso, a correcta e rigorosa sindicância sobre o sentido e extensão da norma de incidência que agrava a tributação autónoma não pode (não deve) ser feita através da mera invocação, simplista, de que a sociedade dominante é um “sujeito passivo” de IRC, porquanto tal qualificação, embora incontroversa, é absolutamente estranha à questão jurídica central.

viii.

Está em causa, outrossim, determinar o sujeito passivo da tributação autónoma que a lei veio a agravar – dado que tal qualificação não pode apartar-se ou contrariar o objecto, natureza e mecânica inerente a tal tributação da despesa.

ix.

Estando em causa um critério de agravamento da taxa de tributação autónoma, os pressupostos de tal agravamento ter-se-ão por verificados, como se afigura evidente, na esfera jurídica tributária do efectivo sujeito passivo – sobre o qual é efectuado o concreto lançamento e liquidação (autónoma).

x.

O legislador criou as taxas de tributação autónoma com o intuito de dissuadir as sociedades a apresentar determinado tipo de despesas com regularidade e de elevado montante, de forma a evitar, igualmente, que os sujeitos passivos de IRC utilizassem determinadas despesas para proceder à distribuição camuflada de lucros, bem como para evitar a fraude e a evasão fiscal.

xi.

No caso concreto, consta do Relatório da LOE2011, que introduziu o referido n.º 14 no artigo 88.º do CIRC, o seguinte: «determina-se, com carácter de generalidade, que as taxas de tributação autónoma sofram uma elevação de 10 pontos percentuais sempre que os sujeitos passivos apresentem prejuízos fiscais, com o que se pretende dar um sinal claro de moralização na gestão das empresas no tocante a gastos como ajudas de custo ou despesas de representação».

xii.

Ou seja, o legislador pretendeu fazer uso de uma forma de tributação que assume uma clara autonomia face ao IRC, com vista a controlar, penalizar e dissuadir determinados gastos propícios a gerar a distribuição oculta de lucros na esfera das entidades que incorrem, em concreto, naqueles gastos.

xiii.

Também este Supremo Tribunal Administrativo se pronunciou a respeito da natureza da Tributação Autónoma29 [29 Ac. 21.03.2012, dado no proc. 0830/11], no sentido de que “nada tem que ver com a tributação do rendimento, mas sim com a tributação de certas despesas, que o legislador entendeu, pelas razões atrás apontadas fazê-lo de forma autónoma”, acrescentando que “cada despesa é havida como constituindo facto tributário autónomo sujeito a taxas diferentes das de IRC”, e que “a matéria colectável sujeita à incidência das taxas de tributação autónoma é o mero somatório das diversas parcelas de despesa”.

xiv.

A nossa doutrina 30 [30 Cfr. Clotilde Celorico Palma, «As Tributações Autónomas vistas pelo Tribunal Constitucional - Comentário ao Acórdão do Tribunal Constitucional nº 310/2012, de 20 de Junho de 2012», Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal (n.º 2 do Ano V - Dezembro 2012)], remetendo para a sindicância constitucional31 [31 Cfr. Acórdão n.º 310/2012, de 20 de Junho e, no mesmo sentido, Acórdãos n.º 382/2012, de 12 de Julho, n.º 617/2012, de 19 de Dezembro, e n.º 85/2013, de 5 de Fevereiro] sobre a retroactividade do agravamento das taxas de tributação autónoma, refere que a natureza da tributação autónoma é uma questão prévia determinante para arribar a uma correcta solução – atenta a sua qualificação como mecanismo de tributação independente e efectivamente autónoma em face do IRC.

xv.

Da Jurisprudência deste Venerando Tribunal, dada no Acórdão de 06.07.2011, processo n.º 0281/2011, resulta também que as tributações autónomas incidem sobre despesa e não sobre rendimento; são impostos que penalizam determinados encargos incorridos pelas empresas; apuram-se de forma totalmente independente do IRC; são sujeitos a taxas diferentes do IRC e, por conseguinte, não se relacionam sequer com a obtenção de um resultado positivo ou negativo 32 [32 Cf. Acórdão do STA de 21.03.2012; Sérgio Vasques “Manual de Direito Fiscal”, Almedina, Coimbra, 2011, pág. 293, nosso realce e sublinhado].

xvi.

Se a tributação autónoma não está relacionada com a obtenção de resultado positivo por parte da empresa que incorre na despesa – apenas visa o facto tributário em que se esgota a realização dessa despesa – cumpre questionar qual o sentido de se interpretar um agravamento da taxa de tributação que não tem por mínima referência a esfera da empresa que incorreu naquela despesa autonomamente tributada? xvii.

É que, no que respeita à tributação autónoma, o facto gerador do imposto é a própria realização da despesa por uma determinada entidade – é esse o facto tributário instantâneo sujeito a tributação, e, necessariamente, na esfera da entidade que incorreu na despesa.

xviii.

Logo, o referencial do agravamento da taxa da tributação autónoma, considerando a sua natureza dissuasora, disciplinadora ou “moralizadora”, não pode deixar de ser o apuramento de prejuízo fiscal na esfera da empresa que incorreu na despesa que o legislador, em concreto, pretendeu onerar ab initio.

xix.

Como resulta da Jurisprudência Constitucional 33 [33 Acórdão TC n.º 617/2012], no que tange à tributação autónoma, “(…) a existência do imposto aqui em análise em nada...

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