Acórdão nº 0346/13.8BESNT de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 26 de Janeiro de 2022

Magistrado ResponsávelISABEL MARQUES DA SILVA
Data da Resolução26 de Janeiro de 2022
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: - Relatório - 1 – A............ e B…………, ambos com os sinais dos autos, vêm, ao abrigo do disposto no artigo 285.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), interpor para este Supremo Tribunal recurso de revista excepcional do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 13 de maio de 2021, que concedeu provimento ao recurso da AT da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgara procedente a impugnação judicial por eles deduzida contra liquidações de IRS e juros compensatórios, revogando a sentença recorrida e julgando improcedente a impugnação.

Os recorrentes terminam as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões: A - Aqueles que têm como função (e querem) buscar e administrar a justiça nos casos concretos, devem/têm de ter sempre em conta a natureza das coisas, porquanto "a realidade das coisas" (ou seja, a realidade material da vida quotidiana tal como ela verdadeiramente é), não pode ser ignorada ou desprezada, já que essa materialidade objetiva acaba sempre por se impor a todos, mesmo aqueles que fingem que ela não existe, sendo que, quando uma tal descuidada e desadequada visão/representação dos factos prevalece ou se torna preponderante é a tutela da certeza e da segurança jurídicas que é posta em perigo e, no final, é a proteção dos direitos de todos aqueles que interagem no comércio jurídico que está a ser desconsiderada. Ou seja, exige-se ao concreto julgador que escalpelize muito cuidadosamente as várias condutas em causa nos autos através dos diversos contratos e que o faça (para usar um conceito originário da cultura jurídica francesa) sem paixão, ódio ou rancor e também (para usar novamente uma expressão muito querida da cultura jurídica anglo saxónica) sem preconceitos ou ideias pré-concebidas.

B - Estando provado, para além de qualquer dúvida razoável, que o Impugnante não recebeu o rendimento em causa nos autos, nem o poderia ter recebido, face à matéria de facto provada, não é lícito ao julgador ignorar, completamente, os efeitos jurídicos que decorrem dos contratos dados como provados para ficcionar uma realidade diferente da que verdadeiramente é.

C - O objeto do presente recurso é o excerto decisório do Acórdão recorrido, nomeadamente, a sua apreciação de direito que ora se transcreve abaixo: "Em face da matéria de facto relevante, suscita-se a questão de saber se os rendimentos pagos ao impugnante, como contrapartida pela prestação de serviços com vista à instalação dos parques eólicos em presença integraram ou não a sua esfera jurídica, no exercício de 2008, na parte que lhe é imputável, devendo ser tributados como rendimentos da categoria B.

Nos termos do artigo 3.º/1, do CIRS, «Consideram-se rendimentos empresariais e profissionais: b) Os auferidos no exercício, por conta própria, de qualquer atividade de prestação de serviços, incluindo as de carácter científico, artístico ou técnico, qualquer que seja a sua natureza, ainda que conexa com atividades mencionadas na alínea anterior». N.º 6 - «Os rendimentos referidos neste artigo ficam sujeitos a tributação desde o momento em que para efeitos de IVA seja obrigatória a emissão de fatura ou documento equivalente ou, não sendo obrigatória a sua emissão, desde o momento do pagamento ou colocação à disposição dos respetivos titulares».

Os rendimentos que pertençam em comum a várias pessoas são imputados a estas na proporção das respetivas quotas, que se presumem iguais quando indeterminadas

[Artigo 19.º do CIRS].

Na tese do impugnante, a cessão da posição contratual por si detida, no âmbito do contrato referido em A), outorgado com a sociedade C………… (Portugal) à sociedade D…………, SA, mediante a contrapartida de um direito de aquisição de acções na sociedade E………… SA, teria o efeito de precludir o ingresso do rendimento obtido no âmbito daquele contrato na esfera jurídica do impugnante. Estavam em causa os honorários pagos ao impugnante pela prestação de serviços com vista à instalação dos parques eólicos do …………. e de …………. Uma vez realizada a prestação de serviços em apreço, com o licenciamento dos parques eólicos em causa (alíneas /) e M), foram pagas as remunerações devidas, desta feita ao cessionário do crédito (alíneas J) e K).

No caso em exame, a cessão do crédito emergente do contrato de prestação de serviços recenseado nos autos, cujo pagamento ocorreu no exercício de 2008, pese embora ter sido recebido por terceiro, corresponde a rendimento auferido pelos sujeitos prestadores dos serviços, ou seja, o impugnante e co-prestador.

O facto gerador do imposto corresponde à data dos pagamentos dos rendimentos em apreço, os quais, pese embora terem sido pagos à sociedade cessionária, não deixam de ser a contrapartida devida aos cedentes pela prestação de serviços relacionada com a instalação dos parques eólicos mencionados.

A cessão do crédito não obliterou a natureza da percepção de rendimento, como contrapartida da prestação de serviços, associada, de resto à obtenção dos resultados da mesma (o licenciamento dos parques eólicos). A cessão do crédito só operou e apenas se consumou, com a investidura do recorrido na titularidade das acções, após a realização da prestação e da contraprestação, no âmbito do contrato de prestação de serviços.

A referência à tributação das acções que, entretanto, ingressaram na esfera jurídica do recorrido nada tem que ver com a percepção do rendimento, associada à prestação de serviços, a qual é tributada em sede de categoria B do IRS.

Sendo esta a fundamentação do acto tributário, não se vê como acompanhar a tese dos alegados erros ou vícios em que mesmo teria incorrido. O rendimento é pago ao cessionário, mas é imputado ao cedente, ingressando na sua esfera jurídica, no momento em que é disponibilizado, sendo, depois, convertido na contrapartida da cessão de créditos. Pelo que é na esfera do segundo que deve ser tributado, como foi, no caso." D - Constitui ainda objeto do presente recurso de revista o excerto do Acórdão que se debruça sobre a matéria de facto que considerou relevante para a subsequente apreciação de direito, que se transcreve: "c) Em 30.11.2007, o impugnante e F............ indicaram a sociedade D…………, SA como beneficiária dos direitos emergentes do contrato referido em a)" E - As instâncias adotaram posições absolutamente contrárias com base nos mesmos factos e abriram questões de direito de importância fulcral sobre as quais o Supremo Tribunal Administrativo (STA) tem, necessariamente, que tomar posição.

F - A primeira questão que se submete a revista é a seguinte: As normas do artigo 38º da Lei Geral Tributaria (LGT) permitem à Autoridade Tributária (AT) desconsiderar negócios jurídicos ou considerá-los ineficazes para efeitos tributários, exigindo-se à AT o ónus da fundamentação legal, para que possa proceder à liquidação de impostos, com base numa relação jurídica tributária que assim difere da relação jurídica resultante dos negócios jurídicos desconsiderados ou tornados fiscalmente ineficazes.

No caso da AT não fundamentar a liquidação, nos termos daquela norma do artigo 38º da LGT, e aceitar os negócios jurídicos, não tendo sequer impugnado os atos e contratos que titularam os negócios jurídicos, que passaram a constituir factos provados e assentes, poderá tributar em IRS um sujeito passivo por rendimentos comprovadamente faturados por outra entidade e pagos a esta outra entidade, nos termos contratualizados? Ou seja, Cabe ou não à AT o ónus de demonstrar os pressupostos do direito de tributar (Cfr. artigos 1.2 n.2 3 e 74.º n.º 1 da LGT} de forma que, nessa demonstração, se integre a fundamentação do ato de liquidação com anterioridade ou contemporaneidade ao ato de liquidação? Estão, ou não, a AT e o próprio tribunal vinculados a reconhecerem os efeitos jurídicos dos negócios jurídicos dados como provados caso a AT não se socorra, para a fundamentação da liquidação, da norma do artigo 38.º da LGT? G - A Segunda questão que se submete a revista é a seguinte: Um Contrato de Share Option Agreement (com o conteúdo como o que se mostra provado nos autos) é um contrato de Permuta de direitos, através do qual uma das partes transmite, definitivamente, um direito de natureza aleatória e incerta, dependente da verificação de uma condição externa aos contraentes, em troca do direito de opção pela aquisição de uma participação social numa sociedade, sendo que, o direito de opção, poderá, ou não, ser exercido, porque de uma mera Assim, a permuta de um direito a um success fee, por um direito de opção a adquirir uma participação social, torna-se ou não definitiva quanto aos seus efeitos no momento da sua celebração? H - A Terceira questão que se submete a revista é a seguinte: Se a permuta de direitos, a que se refere a questão anterior, fosse qualificada como uma cessão de créditos, não se tornaria também definitiva no momento da sua celebração? 1 - A Quarta questão que se submete a revista é a seguinte: Face a um contrato que constitui matéria assente, e que obriga uma entidade a faturar a outra, é admissível que, com fundamento nos termos do n.º 6 do artigo 3.º do Código de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS), se exija, como faz a AT in casu, também a obrigação de emitir fatura, por outro sujeito passivo, relativamente ao mesmo rendimento, já faturado e pago a outra entidade, sem antes desconsiderar, nos termos do artigo 38.2 da LGT, o contrato de onde emerge tal obrigação? J - A Quinta questão que se submete a revista é a seguinte: Pode imputar-se, a uma pessoa singular, com fundamento no artigo 3.º, n.º 1 b) e n. 26 do CIRS, um rendimento que não recebeu, nem foi colocado à sua disposição, mas antes foi pago e considerado rendimento de pessoa jurídica, a quem prévia e contratualmente alienou o direito ao potencial, incerto e futuro crédito donde proveio o rendimento? K - A Sexta questão que se submete a revista...

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