Acórdão nº 011/21.2BALSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 26 de Janeiro de 2022

Magistrado ResponsávelANABELA RUSSO
Data da Resolução26 de Janeiro de 2022
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA PLENO DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO ***** 1. RELATÓRIO 1.1.

A Autoridade Tributária e Aduaneira vem, nos termos dos artigos 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) e 25.º n.º 2 e n.º 4 do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), interpor recurso para este Supremo Tribunal da decisão arbitral de 27 de Novembro de 2020, proferida no processo n.º 729/2019-T, por alegada contradição com o decidido na decisão arbitral de 17 de Setembro de 2018, no processo n.º 610/2017-T (ambas as decisões arbitrais correram termos no Centro de Arbitragem Administrativa e encontram-se publicadas em https://caad.org.pt/tributario/decisoes/).

1.2. A Recorrente termina a sua alegação de recurso formulando as seguintes conclusões: «

  1. O acórdão recorrido encontra-se em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com o acórdão proferido no processo que correu termos no CAAD com o nº 610/2017-T.

  2. Em causa nos dois acórdãos está o tratamento jurídico, em sede de IRC de 2014, dos encargos financeiros suportados por uma SGPS com participações sociais que não foram deduzidos durante a vigência do regime especial do art. 32º do EBF relativamente a participações que não foram alienadas antes de 01/01/2014, existindo identidade de situações que convocam a aplicação do mesmo enquadramento jurídico: a. Em causa está o mesmo exercício fiscal de 2014; b. Os encargos financeiros controvertidos foram suportados com a aquisição de participações sociais durante o período em que os sujeitos passivos estiveram abrangidos pelo regime previsto no art. 32º do EBF, c. Período durante o qual procederam ao acréscimo daqueles encargos com vista a poder beneficiar da isenção da mais-valia com a alienação das participações em causa; d. As participações sociais não foram transmitidas em momento anterior à revogação do regime especial contido no art. 32º do EBF.

  3. Em causa está a questão de direito atinente à legitimidade das SGPS deduzirem ao IRC de 2014 os encargos financeiros que foram por estas acrescidos em exercícios anteriores, em face da revogação do art. 32º do EBF pela da lei 83-C/2013 (OE 2014) e da introdução do regime de participation exemption através do aditamento do art. 51º C ao CIRC pela lei nº 2/2014.

  4. O acórdão arbitral sob recurso entendeu o seguinte que se sintetiza: a. Com a cessação do regime do art. 32/2 do EBF que determinava a indedutibilidade ex ante dos gastos financeiros suportados por SGPS, até essa data, com participações sociais susceptíveis de beneficiar daquele regime, b. E em face do novo regime, em vigor a partir de 01/01/2014, c. Aqueles gastos não se tornaram definitivamente indedutíveis nem viram mantida a sua indedutibilidade ex ante, d. Donde se conclui que os mesmos, preenchidos os critérios gerais, serão dedutíveis em sede de IRC no exercício de 2014.

  5. A suportar esta conclusão está o entendimento de que o novo regime da participation exemption não sucede ao regime revogado, tendo um alcance e teleologia distintas.

  6. Por sua vez o acórdão fundamento perfilhou entendimento diferente, que a seguir se transcreve: Ou seja: as SGPS tiveram, entre a entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2003 e a entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2014, um regime fiscal especial em sede de tributação de mais-valias decorrentes de alienação de participações sociais. Esse regime tinha uma vantagem (isenção de mais-valias) e uma desvantagem (indedutibilidade de custos de financiamento para a aquisição dessas participações sociais) em relação ao que era aplicado às demais sociedades. A partir de 2014, esse regime passou a ser a regra (com pequenos ajustes), razão pela qual não foram as SGPS que passaram para o regime das restantes sociedades (o que, reconheça-se, implicaria um cuidado acrescido na transição de regimes), foram as demais sociedades que passaram para o regime das SGPS.

    As SGPS ficaram, portanto, onde sempre tinham estado, não se afigurando que, devam agora ser aceites fiscalmente os encargos financeiros desconsiderados ao longo da vigência do regime e que se encontram “imputados” ao valor de aquisição das participações financeiras em carteira, sem existir base legal nesse sentido (...) Conforme referido acima, não tendo o legislador previsto uma norma transitória que salvaguardasse os efeitos da revogação do artigo 32.° do EBF, no que concerne à dedução dos encargos financeiros anteriormente incorridos, não pode o mesmo pretender deduzir os referidos encargos financeiros na totalidade em 2014.

  7. Prosseguindo com o entendimento vertido no acórdão fundamento, o mesmo considerou o seguinte: «Como resulta do Relatório da Comissão de Reforma do IRC, a eliminação do regime das SGPS’s esteve sempre relacionado com a entrada em vigor do regime de participation exemption, motivo pelo qual o intérprete não pode desligar os dois acontecimentos legislativos, a revogação do regime de tributação das SGPS’s e a introdução do regime de participation exemption previsto no novo artigo 51.°-C do Código do IRC. É assim sobretudo no que respeita ao ponto de vista da continuidade dos regimes de exclusão de tributação de mais e menos-valias de participações sociais. No que concerne aos encargos financeiros, a revogação do artigo 32. ° do EBF implica a aplicação às SGPS do regime de dedução de encargos financeiros previsto nos artigos 23.° e 67.° do Código do IRC.» h) O que se verificou foi, portanto, uma sucessão de regimes, no âmbito da qual o denominado regime de participation exemption sucedeu, porque o substituiu, ao regime especial das SGPS, consagrado no art.° 32.° do EBF.

  8. E isto representou a transição para um regime mais favorável do que o regime plasmado no art.º 32.° do EBF, desde logo, porque, entre outras soluções, o legislador “quanto aos encargos financeiros, numa lógica de simplicidade, optou por não criar regras especiais limitativas da respectiva dedutibilidade ou recaptura, reforçando o disposto no artigo 67.° do Código do IRC (...)” (cfr.

    , Relatório do Anteprojecto da Reforma, pág. 127).

  9. O que, aliás, a Comissão de Reforma do IRC assume no Relatório já citado, na parte referente à Despesa fiscal decorrente da exclusão de tributação aplicável às mais-valias e menos-valias obtidas por Sociedades Gestoras de Participações Sociais (SGPS): “A criação de um regime de participation exemption, justificada neste relatório ... traduzir-se-á na transposição para o Código do IRC de um modelo de tributação dos rendimentos de partes de capital que mantém, no essencial, as vantagens que o Estatuto dos Benefícios Fiscais concedia a este tipo de entidades. ” k) Ora, a solução que o acórdão fundamento preconiza defende a dedução, de uma só vez, da totalidade dos encargos financeiros suportados em exercícios passados acrescidos ao lucro tributável em períodos de tributação anteriores, desligados da incorporação de quaisquer rendimentos ou ganhos associados, isto é, sem a alienação das correspondentes participações sociais, l) O que constitui uma afronta às regras de periodização dos gastos e perdas imputáveis ao lucro tributável, enunciadas no artigo 18.° do Código do IRC, e, também por isso, ao não ter sido salvaguardada em norma transitória, enferma de vício de ilegalidade, violando igualmente o princípio constitucional da capacidade contributiva e tributação do lucro real (artigo 104.°, n° 2 da CRP).

  10. A ausência de uma norma transitória, quer na lei que revogou o art.° 32.° do EBF quer na Lei n.° 2/2014, não se deve a esquecimento ou a um lapso, tanto mais que o art° 12 desta última Lei contém diversas regras transitórias sobre o tratamento de mais-valias e menos-valias de partes sociais, mas, antes a uma opção de não salvaguardar quaisquer efeitos.

  11. Tal, como referido no acórdão fundamento: «Com efeito, o legislador previu normas transitórias para as situações acima descritas de entrada em vigor da lei nova, pelo que, se tivesse querido salvaguardar a dedução da totalidade dos encargos financeiros no ano de 2014, tê-lo-ia previsto na Lei que revogou o artigo 32.° do EBF ou, no limite, na Lei da Reforma do IRC.

    Logo, não tendo estabelecido uma norma transitória sobre os encargos financeiros não deduzidos ao abrigo da lei antiga, não pode o intérprete criar essa norma transitória, admitindo a dedução dos referidos encargos financeiros, na totalidade, no exercício de 2014.

    Até porque a Requerente se limita a alegar que os requisitos de isenção de mais-valias são diversos no artigo 32.° do EBF e no artigo 51.°-C do Código do IRC. A Requerente não alega nem prova em que participações sociais não beneficiou/beneficiará do regime de isenção de mais-valias previsto no artigo 51.°-C do Código do IRC, por não se verificarem os requisitos do regime que não eram exigidos pelo artigo 32.° do EBF.

    A Requerente repete-se pretende que o Tribunal Arbitral reconheça a possibilidade de dedução em 2014 da totalidade dos encargos financeiros incorridos com participações sociais e não deduzidos nos exercícios de 2008 a 2013, inclusive, sem a verificação da condição legalmente imposta (alienação das participações sociais) e independentemente do regime fiscal dessa alienação.

    Nestas circunstâncias, conceder provimento ao pedido da Requerente seria admitir a dissociação, para o passado, entre os encargos financeiros não deduzidos e as mais-valias isentas, solução essa que não encontra apoio no regime anterior nem foi salvaguardada pelo atual.» o) Donde se conclui que a interpretação, rectius, integração da lei fiscal, nos termos consignados no acórdão sob recurso atenta contra os princípios da certeza e segurança jurídica e da igualdade entre todos os cidadãos, bem como contra o princípio da legalidade.

  12. Concluindo, entende-se que estão preenchidos os requisitos da admissibilidade do recurso por oposição de acórdãos, existindo a semelhança entre as situações de facto em causa...

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