Acórdão nº 09/21.0BALSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 26 de Janeiro de 2022

Magistrado ResponsávelNUNO BASTOS
Data da Resolução26 de Janeiro de 2022
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: 1. Relatório A……………., UNIPESSOAL, LIMITADA, titular do número de identificação fiscal…………, com sede na Rua………, n.º….., 4475-…… Maia, veio ao abrigo do disposto no artigo 25.º, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com as alterações efetuadas pela Lei n.º 119/2019, de 18 de Setembro [doravante identificado pela sigla “RJAT”], interpor recurso para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo da decisão arbitral proferida no Centro de Arbitragem Administrativa no âmbito do processo n.º 143/2020-T CAAD, que julgou improcedente o pedido de pronúncia arbitral ali apresentado em 4 de março de 2020, tendo em vista a declaração de ilegalidade e anulação do ato de liquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) n.º 2019 029413423, de 12 de novembro de 2019, na parte em que espelha as correções operadas pela Administração Tributária ao valor do IVA deduzido relativo à aquisição de combustível em 2016, 2017, 2018 e primeiro trimestre de 2019, no montante global de € 37.945,81.

Invocou oposição entre essa decisão e a decisão arbitral de 4 de abril de 2014, proferida no âmbito do processo n.º 238/2013-T.

Com a interposição do recurso apresentou alegações e formulou as seguintes conclusões: - DOS PRESSUPOSTOS DO RECURSO POR OPOSIÇÃO DE DECISÕES JURISDICIONAIS PREVISTO NO ARTIGO 25.º, N.º 2, DO RJAT A) Nos termos do artigo 25.º, n.º 2, do RJAT, as decisões recorrida e fundamento estão em oposição quanto à mesma questão fundamental de direito: se o regime ínsito no artigo 21.º do CIVA encerra presunções ilidíveis, merecedoras de prova em contrário, na aceção do artigo 73.º da LGT; B) Com efeito, encontram-se preenchidos os seguintes pressupostos: (i) trânsito em julgado da decisão fundamento; (ii) prolação das decisões em processos distintos; (iii) identidade de situações fácticas; (iv) existência de um quadro legislativo substancialmente idêntico; (v) necessidade de decisões opostas expressas, e (vi) dissonância da decisão recorrida com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo; C) Segundo pôde a Recorrente apurar junto do Centro de Arbitragem Administrativa, a decisão fundamento, não tendo sido objeto de interposição de recurso jurisdicional, transitou em julgado no mês de maio de 2014. Nestes termos, conclui-se pelo preenchimento do pressuposto (i): trânsito em julgado da decisão fundamento; D) As decisões recorrida e fundamento foram proferidos no âmbito de processos arbitrais distintos. A decisão recorrida foi proferida por tribunal arbitral constituído sob a égide do Centro de Arbitragem Administrativa, no âmbito do processo n.º 143/2020-T. Diversamente, a decisão fundamento foi proferida por tribunal arbitral, igualmente formado sob a égide do Centro de Arbitragem Administrativa, no âmbito do processo n.º 238/2013-T. Nestes termos, conclui-se pelo preenchimento do pressuposto (ii): prolação das decisões recorrida e fundamento em processos distintos; E) O cenário jurídico-normativo subjacente às decisões recorrida fundamento é substancialmente idêntico – em ambos, na sequência de correções resultantes de ação de inspeção tributária, o sujeito passivo reagiu contenciosamente de liquidações adicionais de IVA resultantes da aplicação pelos serviços da Administração Tributária do regime previsto no artigo 21.º do CIVA, nos termos do qual o imposto contido em certas despesas, subjacentes à atividade do sujeito passivo, é excluído do direito à dedução. Nestes termos, conclui-se pelo preenchimento do pressuposto (iii): identidade das situações fácticas; F) Quer a decisão recorrida quer a decisão fundamento discutem a aplicação do regime previsto no artigo 21.º do CIVA, divergindo relativamente à aplicação do artigo 73.º da LGT no caso concreto. Nestes termos, conclui-se pelo preenchimento do pressuposto (iv): existência de um quadro legislativo substancialmente idêntico; G) As decisões arbitrais em presença são diametralmente opostas. A decisão recorrida pugna pela aplicação automática do artigo 21.º do CIVA, o qual exclui do direito à dedução (em 50%) o imposto subjacente a gastos com gasóleo, não admitindo prova em contrário, no sentido de tais despesas terem sido exclusivamente afetas à atividade profissional do sujeito passivo, nos termos do artigo 73.º da LGT. Contrariamente, a decisão fundamento afasta a aplicação do regime previsto no artigo 21.º do CIVA sempre que resulte demonstrada a afetação exclusivamente profissional das despesas suportadas pelo sujeito passivo nele contidas. Fá-lo aplicando o disposto no artigo 73.º da LGT. Nestes termos, conclui-se pelo preenchimento do pressuposto (v): necessidade de decisões opostas expressas; H) Desconhece a Recorrente existir jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo consonante com o sentido decisório perfilhado pelo Douto Tribunal a quo no âmbito da decisão recorrida. Nestes termos, conclui-se pelo preenchimento do pressuposto (vi): dissonância da decisão recorrida com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo; I) Em face do exposto, entende a Recorrente ter cabalmente demonstrado existir oposição entre as decisões recorrida e fundamento, quanto à mesma questão fundamental de direito, encontrando-se plenamente preenchidos os pressupostos conducentes à admissão do presente recurso jurisdicional; J) Em consequência, requer-se a esse Douto Tribunal ad quem que julgue verificada a referida oposição entre as decisões arbitrais em apreço, com os inerentes efeitos legais.

- DA INFRAÇÃO IMPUTADA À DECISÃO RECORRIDA K) No âmbito da decisão recorrida, o Douto Tribunal a quo entendeu não padecer de ilegalidade a liquidação de imposto contestada, tendo considerado ser plena e automaticamente aplicável o regime previsto no artigo 21.º, n.º 1, alínea b), do CIVA.

L) Discorda a Recorrente do sentido decisório propalado pelo Douto Tribunal a quo, assente, em seu entender, em manifesto erro de julgamento, merecedor de censura por parte desse Douto Tribunal ad quem, atento o regime ínsito no artigo 73.º da LGT.

- DO ERRO DE JULGAMENTO PATENTE NA DECISÃO ARBITRAL RECORRIDA M) Transpondo para o direito interno português o regime ínsito nos artigos 167.º, 168.º, alínea a), 176.º, 177.º, 179.º e 395.º, n.º 1, da Diretiva IVA, os artigos 19.º, n.º 1, alínea a), e 20.º, n.º 1, alínea a), do CIVA, garantem o direito à dedução do IVA.

N) O exercício do direito à dedução pressupõe o suporte de imposto na aquisição de bens e serviços a outros sujeitos passivos, autorizando a dedução do IVA suportado no âmbito de tais aquisições.

O) O direito à dedução visa libertar o agente económico do ónus do IVA devido ou pago no âmbito da sua atividade económica, estando tal atividade igualmente sujeita a IVA.

P) Não obstante, o artigo 21.º, n.º 1, alínea b), do CIVA prevê uma derrogação excecional do direito à dedução de todo o imposto suportado em determinadas despesas.

Q) Nos casos previstos no artigo 21.º, n.º 1, do CIVA o imposto presume-se não inteiramente incorrido no âmbito da atividade empresarial para efeitos de exercício do direito à dedução.

R) Isto é, o artigo 21.º, n.º 1, do CIVA, obviando à dedução de 50% do IVA incorrido com determinados encargos assumidos pelo sujeito passivo, presume implicitamente que os referidos encargos são parcialmente afetos a fins de índole não profissional.

S) Trata-se de uma presunção que assenta no risco de o IVA incorrido não revestir inteiramente uma natureza empresarial.

T) Consiste numa disposição legal que se afasta, de modo excecional, da regra do direito à dedução da totalidade do imposto suportado basilar do sistema do IVA.

U) Consistindo numa norma excecional, deve o intérprete perscrutar na finalidade intrínseca da exceção – a sua ratio legis –os critérios interpretativos necessários que a sua aplicação não extravase a situações não visadas (cfr. artigo 9.º do Código Civil, ex vi artigo 11.º, n.os 1 e 3, da LGT).

V) Aquela norma tem como objetivo a evitação de comportamentos abusivos não enquadráveis na situação sub judice, como sejam o incurso em gastos de índole presumidamente não profissional na sua totalidade.

W) A ratio legis da norma radica no combate a abusos do sistema do IVA manifestados no risco de aquisição de bens e serviços que se furtam aos propósitos empresariais, residindo aqui a sua justificação e fito último.

X) Uma norma antiabuso específica é caraterizada por definir regras que visam combater a evitação fiscal em casos e através de comportamentos específicos, como sucede no artigo 21.º, n.º 1, do CIVA (esta mesma conclusão é secundada pela própria decisão arbitral recorrida).

Y) As normas antiabuso específicas admitem uma concreta hipótese de abuso e visam combatê-la, operando tal hipótese normativa como justificação e limite de aplicação.

Z) Resulta da natureza e da função antiabusiva da norma um indispensável parâmetro interpretativo: o intérprete deve questionar se a sua aplicação logra, no caso concreto, alcançar a motivação para que foi criada, sendo que à míngua de tal motivação o que resta é apenas a adoção de uma perspetiva maximizadora do rédito fiscal, de forma acrítica, arbitrária e manifestamente desproporcional.

AA) Desse modo, face à natureza antiabusiva da norma incumbe ao intérprete ponderar se as aquisições bens e serviços na origem do IVA cuja dedução integral se requer tiveram subjacente um desempenho racional e adequado da atividade da Recorrente ou se, pelo contrário, constituíram um furto às obrigações fiscais.

BB) No caso sub judice, confrontando a finalidade da disposição legal e atuação da Recorrente – manifestada na aquisição de gasóleo destinado a viaturas de turismo para efeitos da realização da sua atividade –, resulta inequívoca que esta última não se traduz em qualquer comportamento abusivo que a norma vise prevenir...

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