Acórdão nº 58/22 de Tribunal Constitucional (Port, 20 de Janeiro de 2022

Magistrado ResponsávelCons. António José da Ascensão Ramos
Data da Resolução20 de Janeiro de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 58/2022

Processo n.º 966/21

2.ª Secção

Relator: Conselheiro António José da Ascensão Ramos

Acordam, em Conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. A. interpôs recurso para o Tribunal Central Administrativo Sul de decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa que negou procedência à Intimação para Proteção de Direitos, Liberdades e Garantias por ele proposta.

Por acórdão de 04.02.2021, a 2.ª instância concedeu provimento ao recurso, mas, ao abrigo dos poderes de substituição, negou procedência à ação proposta pelo recorrente.

Inconformado, A. interpôs recurso de revista excecional para o Supremo Tribunal Administrativo ao abrigo do artigo 150.º, n.º 1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, que, por acórdão de 09.06.2021, negou a possibilidade de revista por entender não se verificar pressuposto processual específico ao recurso interposto relativo à especial relevância jurídica ou social da causa, de que dependia o patamar de revisão pretendido.

2. A. veio então interpor recurso para o Tribunal Constitucional do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul. Pela decisão sumária n.º 677/2021, este Tribunal decidiu não conhecer do mérito do recurso com fundamento em inidoneidade do respetivo objeto e por as normas e interpretações normativas cuja fiscalização se peticionou não constituírem a ratio decidendi do acórdão recorrido. Os fundamentos foram os seguintes, para o que ora importa:

o recorrente alega que o artigo 34.º, n.º 5 da Lei n.º 34/2004 de 29.07 viola o disposto no artigo 13.º, n.º 1 e 20.º (designadamente seus n.ºs 1, 2 e 5), ambos da Constituição da República, porque, segundo afirma, o exercício da prerrogativa conferida à Ordem dos Advogados pelo citado articulado legal não foi, in casu, fundamentado de forma adequada, por a entidade administrativa não ter realizado uma análise desses (inexistentes) fundamentos e por não ter concedido oportunidade ao beneficiário para audiência prévia, antes de proceder ao arquivamento do processo administrativo. O problema colocado prende-se, portanto, com as particularidades do caso sub iudicio e com uma constelação de circunstâncias periféricas à norma referida e peculiares à situação colocada, sem que se denote um produto normativo geral e abstrato que se pudesse dissociar do processo judiciário em que, especificamente, se encontra.

De resto, as questões materiais arguidas pelo recorrente parecem respeitar mais proximamente à observância do direito de audiência prévia (artigo 121.º do Código de Procedimento Administrativo) e ao dever de fundamentação de atos administrativos (artigos 151.º, n.º 1, alínea d) e 152.º, ambos do CPA), reportando aos cânones legais que vinculam o procedimento administrativo e não representando, sequer, um sentido interpretativo possível do artigo 34.º, n.º 5 da Lei n.º 34/2004 de 29.07, na leitura convocada pelo recorrente ou em qualquer outra.

É, pois, perfeitamente translúcido que não está colocada no recurso a sindicância da compaginação de uma interpretação normativa, na aceção postulada pela Jurisprudência do Tribunal Constitucional, para com princípios ou normas constitucionais (ou legais/convencionais), mas, apenas e somente, um impulso impugnatório que realiza uma abordagem ao Tribunal Constitucional como se de um recurso de apelação ou de revista do acórdão se tratasse. (…)

Por outro lado, e escrutinando a decisão recorrida, resulta que os seus fundamentos não assentam em qualquer esforço hermenêutico do artigo 34.º, n.º 5 da Lei n.º 34/2004 de 29.07, que se mantém sombreando o thema decidendum sem qualquer desempenho operativo determinante.

Como acima relatámos, muito embora tenha concedido provimento ao recurso interposto, o Tribunal Central Administrativo Sul recorreu aos poderes de substituição da 1.ª instância na decisão de mérito da causa, julgando improcedente a ação proposta. Como primeira ordem de fundamentos, o acórdão assenta na constatação que o recorrente havia já formulado pedido de apoio judiciário com o conteúdo que ora pretende (nomeação de patrono), que foi objeto de despacho de arquivamento em 29.04.2014 e que não mereceu qualquer reação impugnatória por parte do recorrente (cfr. pp. 31-32 do acórdão).

Serve por dizer, entendeu o Tribunal recorrido, neste contexto, que a inimpugnabilidade de uma decisão administrativa prévia que apreciou idêntica pretensão era bastante para impedir a procedência do pedido formulado na instância judicial, ficando todas as demais questões prejudicadas. Está bom de ver, trata-se aqui de um grupo de incidências factuais (na aceção de que se trata de eventos sobre os quais opera o quadro jurídico convocado) distante de qualquer forma de compreender o artigo 34.º, n.º 5 da Lei n.º 34/2004 de 29.07 e que, no entendimento da 2.ª instância (insindicável nesta sede), impôs por si só a improcedência do pedido de intimação formulado pelo recorrente, suportando decisivamente o juízo final formulado.

(…) quanto (…) à falta de audiência prévia do recorrente e à falta de fundamentação do ato de indeferimento (afinal, as questões colocadas pelo recorrente na presente sede, embora formalmente as conexione com uma putativa interpretação do artigo 34.º, n.º 5 da Lei n.º 34/2004 de 29.07), o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul não procedeu ao seu conhecimento, tendo por base o facto de não terem sido devidamente alegadas na petição da acção, desvinculando (e proibindo) as instâncias de procederem à sua apreciação (cfr. p. 33 do acórdão).

De notar, desde logo, que esta apreciação é realizada a título meramente subsidiário face ao primeiro fundamento, que só por si foi entendido pelo Tribunal Central Administrativo como bastante para decidir, mas, mesmo nesta parte, a interpretação da norma cuja sindicância se pretende não foi adotada pelo Tribunal “a quo”, por um lado, e, por outro, o artigo 34.º, n.º 5 da Lei n.º 34/2004 de 29.07 nem sequer foi chamado, de todo, a fundamentar o desfecho da causa. (…)

Conclui-se, em face de todo o exposto, pela existência de dois vícios da instância recursiva por falta de pressupostos processuais típicos e próprios do meio de processo em causa (recurso para o Tribunal Constitucional) de sindicância oficiosa e que obstam à apreciação de mérito do recurso (cfr. artigos 70.º, n.º 1, alínea b), 71.º, n.º 1 e 79.º-C, todos da LTC e artigos 576.º, n.º 1 e 2, 577.º, corpo do texto e 578.º, todos do Código de Processo Civil, ex vi artigo 69.º da LTC).

3. O recorrente reclamou para a conferência desta decisão, ora nos seguintes termos:

“(…)

Dispõe o artigo 70º nº 1 alínea b) da Lei 28/82 que cabe recurso para o Tribunal Constitucional, em secção, das decisões do Tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo.

O ora Recorrente, a 26 de novembro de 2020, suscitou, com as suas Alegações de Recurso de Apelação, perante o Tribunal Central Administrativo Sul, a inconstitucionalidade do artigo 34º nº5 da Lei 34/2004, inconstitucional quando interpretada no sentido de poder a entidade administrativa, Ordem dos Advogados, proceder automaticamente ao arquivamento do processo de nomeação de Patrono sempre que o pedido de escusa formulado por um Patrono ser a inexistência de fundamento legal da pretensão, quando não existe fundamentação que consubstancia a alegação da inexistência de fundamento e a própria Ordem dos Advogados, entidade administrativa, não proceda à análise dos fundamentos e não proceda à notificação do beneficiário de apoio judiciário para a realização de audiência prévia, por violação do disposto no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa.

O Colendo Tribunal Central Administrativo Sul, com o seu Acórdão de 21 de abril de 2021 decidiu não se verificar a aludida e invocada violação do preceito Constitucional individualmente supra referenciado.

Encontramo-nos assim perante factos que preenchem a factispécie do artigo 70º nº 1 alínea b) da Lei 28/82, visto o Tribunal Recorrido aplicar norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o decorrer do Processo.

O âmbito do presente Recurso prende-se. nos termos do artigo 71º nº 1 da Lei 28/82, com: A inconstitucionalidade do artigo 34º nº 5 da Lei 34/2004, inconstitucional quando interpretada no sentido de poder a entidade administrativa, Ordem dos Advogados, proceder automaticamente ao arquivamento do processo de nomeação de Patrono sempre que o pedido de escusa formulado por um Patrono ser a inexistência de fundamento legal da pretensão, quando não existe fundamentação que consubstancia a alegação da inexistência de fundamento e a própria Ordem dos Advogados, entidade administrativa, não proceda à análise dos fundamentos e não proceda à notificação do beneficiário de apoio judiciário para a realização de audiência prévia, por violação do disposto no artigo 20ºda Constituição da República Portuguesa.

O Artigo 34º nº 5 da Lei 34/2004 (doravante LADT), que preceitua que, sendo concedida a escusa, procede-se imediatamente à nomeação e designação de novo patrono, exceto no caso de o fundamento do pedido de escusa ser a inexistência de fundamento legal da pretensão, caso em que pode ser recusada nova nomeação para o mesmo fim, é inconstitucional quando interpretada no sentido de poder a entidade administrativa, Ordem dos Advogados, proceder automaticamente ao arquivamento do processo de nomeação de Patrono sempre que o pedido de escusa formulado por um Patrono ser a inexistência de fundamento legal da pretensão, quando não existe fundamentação que consubstancia a alegação da...

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