Acórdão nº 68/22 de Tribunal Constitucional (Port, 20 de Janeiro de 2022

Magistrado ResponsávelCons. Joana Fernandes Costa
Data da Resolução20 de Janeiro de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 68/2022

Processo n.º 415/2021

3ª Secção

Relator: Conselheira Joana Fernandes Costa

Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. No âmbito dos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Évora, em que é recorrente A. e recorridos B., S.A., C., S.A., D. e E., foi interposto recurso, ao abrigo da alínea g) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional («LTC»), do acórdão proferido por aquele Tribunal, em 25 de fevereiro de 2021.

2. Através da Decisão Sumária n.º 345/2021, proferida ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, conheceu-se do objeto do recurso de constitucionalidade, tendo-se decidido julgar inconstitucional a norma constante do n.º 2 do artigo 398.º do Código das Sociedades Comerciais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 262/86, de 2 de setembro, na parte em que determina a extinção do contrato de trabalho, celebrado há menos de um ano, de titular que seja designado administrador da sociedade empregadora, por violação do disposto na alínea d) do artigo 55.º e na alínea a) do n.º 2 do artigo 57.º da Constituição, na redação vigente à data em que a norma foi editada (Lei Constitucional n.º 1/82, de 30 de setembro).

Tal decisão tem a seguinte fundamentação:

«II – Fundamentação

3. O recurso interposto nos presentes autos funda-se na previsão constante da alínea g) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, de acordo com a qual cabe recurso para o Tribunal Constitucional «das decisões dos tribunais [q]ue apliquem norma já anteriormente julgada inconstitucional ou ilegal pelo próprio Tribunal Constitucional».

O pressuposto específico da abertura desta via de recurso para o Tribunal Constitucional consiste na «identidade entre a norma efetivamente aplicada na decisão recorrida e a norma anteriormente julgada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional» (cf. Acórdão n.º 568/08); isto é, na verificação de uma coincidência, perfeita e estrita, entre a norma ou interpretação normativa já precedentemente julgada inconstitucional e a norma efetivamente aplicada à dirimição do caso pelo tribunal a quo (cf. Lopes do Rego, Os Recursos de Fiscalização Concreta na Lei e na Jurisprudência do Tribunal Constitucional, Almedina, 2010, p. 147; no mesmo sentido, v. Acórdão n.º 19/2017).

4. O recurso tem por objeto a «norma constante do n.º 2 do artigo 398.º do CSC, na parte em que determina a extinção do contrato de trabalho, celebrado há menos de 1 ano, de titular que seja designado administrador da sociedade empregadora, por violação do disposto na alínea d) do artigo 55.º e na alínea a) do n.º 2 do artigo 57.º da CRP, na redação vigente à data em que a norma foi editada (Lei Constitucional n.º 1/82, de 30 de setembro)».

De acordo com o recorrente, tal norma foi julgada «[…] formalmente inconstitucional, por violar as disposições da Constituição da República Portuguesa que garantem aos organismos representativos dos trabalhadores o direito de participar na elaboração da legislação do trabalho» — «em concreto, na versão atual, o disposto nos artigos 54.º n.º 5, alínea d), e 56.º, n.° 2 alínea a) da CRP, correspondentes aos artigos 55.º, alínea d) e 57.º, n.º 2, alínea a) da CRP, na redação vigente em 1986, aquando a entrada em vigor do Decreto-Lei 262/86, de 2 de setembro, que aprovou o Código das Sociedades Comerciais» — nos Acórdãos n.º 1018/96, 625/2011 e 53/2019, julgamentos que culminaram na declaração da respetiva inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, no Acórdão n.º 774/2019, publicado no Diário da República n.º 18/2020, Série I, de 27 de janeiro de 2020.

Tais dados são integralmente corretos e foram considerados no acórdão recorrido.

O que sucede é que, depois de ter recordado que a norma constante do n.º 2 do artigo 398.º do Código das Sociedades Comerciais (doravante «CSC») fora declarada inconstitucional, com força obrigatória geral, no Acórdão n.º 774/2019, o Tribunal a quo relembrou também que os efeitos dessa declaração haviam sido limitados pelo Tribunal Constitucional — produzindo-se «apenas a partir da data da publicação do acórdão» — e, na medida em que a extinção do contrato de trabalho do ora recorrente, «em virtude de ter sido nomeado administrador da 1.ª R., nos termos do art.º 398.º nº. 2 do CSC, ocorre[ra] em 31.10.2005» — «ou seja em data muito anterior à data de produção dos efeitos jurídicos da inconstitucionalidade» —, considerou que a mesma se não aplicava ao «facto gerador da extinção do contrato de trabalho do autor».

Com base nesta ordem de considerações, o Tribunal recorrido aplicou ao caso sub judice a norma constante do n.º 2 do artigo 398.º do CSC, na parte em que determina a extinção do contrato de trabalho, celebrado há menos de 1 ano, de titular que seja designado administrador da sociedade empregadora e, concluindo desse modo que o contrato de trabalho se extinguira em 31 de outubro de 2005, julgou prescritos os créditos laborais invocados pelo ora recorrente.

5. No segmento do acórdão recorrido em que conheceu da questão da constitucionalidade da norma constante do n.º 2 do artigo 398.º do CSC, suscitada pelo recorrente nas alegações do recurso interposto da sentença proferida em primeira instância, o percurso argumentativo seguido pelo Tribunal a quo repousa, todavia, num equívoco.

De acordo com o n.º 1 do artigo 282.º, n.º 1, da Constituição, a declaração de inconstitucionalidade de uma norma produz, como regra, efeitos ex tunc, originando a nulidade ipso jure da norma objeto dessa declaração desde a sua entrada em vigor. A eficácia retroativa da declaração de inconstitucionalidade importa essencialmente: (i) o termo de vigência da norma ou normas declaradas inconstitucionais a partir do momento da entrada em vigor destas normas e não apenas a partir do momento da declaração de inconstitucionalidade; e (ii) proibição da aplicação das normas inconstitucionais a situações ou relações desenvolvidas à sombra da sua eficácia e ainda pendentes (Acórdão n.º 13/1991).

A este efeito pode obviar, no entanto, o Tribunal Constitucional nos termos no n.º 4 do artigo 282.º da Constituição: quando a segurança jurídica, razões de equidade ou interesse público de excecional relevo o exigirem, o Tribunal Constitucional pode fixar os efeitos da inconstitucionalidade com alcance mais restrito do que aquele que decorre do n.º 1, designadamente reduzindo o âmbito da aplicação retroativa da declaração ou mesmo fixando-lhe efeitos ex nunc. Neste último caso, tudo se passará como se a norma objeto da declaração tivesse sido revogada através da declaração da sua inconstitucionalidade.

No Acórdão n.º 774/2019, o Tribunal Constitucional limitou os efeitos da declaração de inconstitucionalidade da norma constante do n.º 2 do artigo 398.º do CSC, na parte em que determina a extinção do contrato de trabalho, celebrado há menos de um ano, de titular que seja designado administrador da sociedade empregadora, de modo a que se os mesmos se produzissem apenas a partir da publicação daquele Acórdão, isto é, 27 de janeiro de 2020.

Tal limitação foi justificada do seguinte modo:

«Desde a data da entrada em vigor da norma fiscalizada (há mais de 30 anos), podem ter caducado vários contratos de trabalho em execução da norma em apreço. Da declaração de inconstitucionalidade com eficácia ex tunc (artigo 282.º, n.º 1, da Constituição) resultaria a invalidade ou inexistência da caducidade desses contratos de trabalho. E, independentemente da questão de saber se todos esses casos poderiam ainda vir a ser judicialmente apreciados, a verdade é que se suscitaria uma situação de indesejável insegurança jurídica. Nestes termos, e pesando também a gravidade do vício, é inteiramente justificável que, por razões de equidade e de segurança jurídica, sejam ressalvados os efeitos produzidos até à data da publicação da declaração de inconstitucionalidade, usando da faculdade conferida pelo n.º 4 do artigo 282.º da Constituição» (itálico aditado).

Por força da limitação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade, a norma constante do n.º 2 do artigo 398.º do CSC, na parte em que determina a extinção do contrato de trabalho, celebrado há menos de um ano, de titular que seja designado administrador da sociedade empregadora, deixou de vigorar no ordenamento jurídico a partir dessa data.

Simplesmente, ao invés do que parece ter sido assumido o Tribunal recorrido, a fixação de efeitos ex nunc à declaração de inconstitucionalidade constante do Acórdão n.º 774/2019 não desonerou os Tribunais de, nos feitos submetidos a julgamento, recusarem a aplicação da referida norma a situações não abrangidas pelos efeitos daquela declaração no caso de virem a considerá-la incompatível com «o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados» (artigo 204.º da Constituição).

A eficácia apenas prospetiva dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade significa que a irradicação do ordenamento jurídico da norma que dela foi objeto se produziu a partir da data da publicação do Acórdão n.º 774/2019, mas não que a sua aplicação a litígios emergentes de factos ou situações pretéritas tivesse ficado a salvo do poder-dever que, por força do caráter difuso e incidental da fiscalização concreta da constitucionalidade e do acesso direto dos juízes à Constituição, recai sobre os Tribunais de aferir a constitucionalidade das normas aplicáveis aos casos que julgam.

5. Nos três Acórdãos proferidos em sede de fiscalização concreta, o juízo de inconstitucionalidade de que foi objeto a norma constante do n.º 2 do artigo 398.º do CSC, na parte em que determina a extinção do contrato de trabalho, celebrado há menos de um ano, de titular que seja designado administrador da sociedade empregadora, baseou-se na sua qualificação como legislação do trabalho, implicando a respetiva aprovação a prévia audição das organizações representativas dos...

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