Acórdão nº 70/22 de Tribunal Constitucional (Port, 20 de Janeiro de 2022

Magistrado ResponsávelCons. Afonso Patrão
Data da Resolução20 de Janeiro de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 70/2022

Processo n.º 1227/2021

3ª Secção

Relator: Conselheiro Afonso Patrão

Acordam, em conferência, na 3.ª secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. No âmbito dos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), foi interposto o presente recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), por A..

2. Através da Decisão Sumária n.º 755/2021, decidiu-se, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, não tomar conhecimento do objeto do recurso.

Tal decisão tem a seguinte fundamentação:

«5. O recorrente reporta a questão de constitucionalidade à norma contida na alínea d) do artigo 55.º do Código Penal, «quando interpretado no sentido de que a pena de suspensão da execução da pena de prisão poderá ser sucessivamente prorrogada por, alegadamente, por presunção tácita ou por imposição judicial, o ARGUIDO a tal anuir, será materialmente inconstitucional, sempre que uma Mm.ª Juiz de 1.ª Instância, alterando as "regras do jogo" [e indo contra as suas disposições ético-profissionais e deontológicas, como se pode verificar do artigo 4.°, do EMJ, e do artigo 4.°, da LOSJ], prorroga, indefinidamente, a pena de suspensão da execução da pena de prisão a que o ARGUIDO fora condenado no decorrer do ano de 2008, e como tal deve ser considerada uma interpretação inconstitucional, sob pena de grosseira violação da lei, da Constituição da República Portuguesa e juridicidade».

Considerando o modo como o recorrente delineou o objeto do recurso, não se encontra colocada uma questão normativa, idónea a ser objeto de controlo concreto da constitucionalidade. De facto, o que o recorrente pretende discutir é o juízo do tribunal a quo quanto à interpretação daquela disposição, o que é particularmente claro pela circunstância de imputar ao magistrado de primeira instância a violação de deveres profissionais e deontológicas. Com efeito, ao incluir no objeto do recurso a condição de «uma Mm.ª Juiz de 1.ª Instância, alterando as "regras do jogo" [e indo contra as suas disposições ético-profissionais e deontológicas, como se pode verificar do artigo 4.°, do EMJ, e do artigo 4.°, da LOSJ], prorroga, indefinidamente, a pena de suspensão da execução da pena de prisão a que o ARGUIDO fora condenado no decorrer do ano de 2008», mostra-se claro que o recorrente dirige uma censura à própria decisão recorrida por ter adotado uma interpretação diferente da que reputa correta. Trata-se, assim, de uma discussão quanto à bondade da interpretação seguida pelo tribunal recorrido, por referência à Constituição, solicitando uma pronúncia sobre a melhor aplicação do direito infraconstitucional.

Ora, o Tribunal Constitucional não tem competência para sindicar o mérito ou a bondade das próprias decisões recorridas, nomeadamente quanto à discussão jurídica em matéria de direito e à melhor interpretação a dar às normas legais ordinárias, sendo essa matéria reservada aos outros tribunais. Nos processos de fiscalização concreta, o juízo do Tribunal incide antes sobre normas jurídicas que hajam sido ratio decidendi daquele aresto, “identificando-se assim, o conceito de norma jurídica como elemento definidor do objeto do recurso de constitucionalidade, pelo que apenas as normas e não já as decisões judiciais podem constituir objeto de tal recurso” (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 361/98).

Nessa medida, não tendo o presente recurso como objeto uma norma ou certa interpretação normativa cuja aplicação devesse ser recusada com fundamento em inconstitucionalidade, não pode ser admitido.

6. Mas ainda que pudesse atribuir-se ao objeto do recurso uma natureza normativa, extraível da alínea d) do artigo 55.º do Código Penal, sempre se concluiria pelo não conhecimento do recurso de constitucionalidade, por não ter sido aplicada, na decisão impugnada, qualquer norma extraída daquela disposição.

Com efeito, o acórdão recorrido não assentou em norma relativa à prorrogação da suspensão de execução da pena de prisão. Ao invés, a decisão impugnada decide a inadmissibilidade do recurso com base, exclusivamente, nas normas extraíveis das alíneas c) e e) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal, sem haver mobilizado, em momento algum, qualquer critério normativo desvelado do disposto na alínea d) do artigo 55.º do Código Penal.

Não tendo tal norma sido aplicada pela decisão recorrida, o recurso interposto fica ferido de inutilidade, pois um eventual julgamento de inconstitucionalidade do critério judicativo enunciado não geraria a modificação o acórdão impugnado, por se conservarem intactos os alicerces que a motivaram (n.º 2 do artigo 80.º da LTC).

7. Em qualquer caso, nunca poderia o recurso ser admitido por não assistir legitimidade ao recorrente, por não ter suscitado perante o tribunal recorrido, de forma processualmente adequada, qualquer questão de inconstitucionalidade normativa suportada naquela disposição legal (cfr. alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º e n.º 2 do artigo 72.º da LTC).

A razão de ser desta exigência – formulada, aliás, na própria alínea b) do n.º 1 do artigo 280.º da Constituição – é facilmente compreensível: dirigindo-se o recurso de constitucionalidade à reavaliação do pronunciamento contido numa anterior decisão — e não à apreciação ex novo do vício pretendido controverter no âmbito da fiscalização concreta —, a necessidade de que a questão seja suscitada antes de esgotado o poder jurisdicional da instância recorrida visa garantir a obtenção de uma decisão suscetível de ser impugnada perante o Tribunal Constitucional, assegurando que este somente seja chamado a reapreciar as questões de constitucionalidade ponderadas — ou suscetíveis de o terem sido — pelo tribunal a quo na decisão recorrida (cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 130/2014).

Ora, percorrendo a argumentação recursória apresentada ao Supremo Tribunal de Justiça, verifica-se que o recorrente não enunciou um qualquer sentido normativo, contido na disposição sindicada, cuja aplicação devesse ser recusada pelo tribunal a quo com fundamento em inconstitucionalidade. Em caso algum há uma qualquer menção, ainda que indireta, a uma norma jurídica extraída da alínea d) do artigo 55.º do Código Penal que reputasse inconstitucional (cfr. n.º 2 do artigo 72.º da LTC). Ao invés, limita-se o recorrente a invocar que o recurso é interposto nos termos «do disposto nos artigos 2.º, n.º 4, 50.º, n.º 4, 55.º, alínea d), 122.º, n.º 1, alínea d) e 2, 126.º, n.º 1, alínea a) e n.º 3, do Código Penal, artigos 1.º, 2.º, 18.º, n.º 2, 20.º, n.º 1, 29.º, n.º 1, 30.º, n.º 4, 32.º, n.º 1 e 2, 205.º 206,º da CRP» e a requerer «que sejam conhecidas as questões de constitucionalidade indicadas em ambos os recursos». Ora, como o Tribunal Constitucional tem afirmado repetidamente, é possível questionar apenas certa interpretação ou dimensão normativa de determinada disposição legal, cabendo nesse caso ao recorrente enunciar ao tribunal recorrido, de forma clara e percetível, o exato sentido normativo do preceito que considera inconstitucional, significando isso – como, por exemplo, se afirmou já no Acórdão nº 269/94 —, que o recorrente tem de indicar claramente “esse sentido (essa interpretação) em termos que, se este Tribunal o vier a julgar desconforme com a Constituição, o possa enunciar na decisão que proferir”.

No seu requerimento de interposição, o recorrente invoca «terem sido invocadas, na Reclamação apresentada no dia 8/11/2021, duas questões de desconformidade constitucional, na interpretação dada a alguns preceitos processuais penais diretamente aplicados na Decisão Singular, que não foi atendida, de tal modo que ambas as instâncias perfilham, no entender do Recorrente, interpretações materialmente inconstitucionais». Ora, não só aí tampouco se enunciou um sentido normativo suscetível de aplicação genérica que o recorrente reputasse inconstitucional, como — ainda que assim tivesse ocorrido — tal não cumpriria o ónus de suscitação prévia «de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (n.º 2 do artigo 72.º da LTC). Na verdade, a lei impõe que o recorrente tenha criado um específico dever de pronúncia na decisão de que recorre; o que implica, pois, a irrelevância da suscitação de questões de constitucionalidade em fases ou momentos processuais distintos e que hajam conduzido a decisões judiciais diferentes daquela que é recorrida. A suscitação processualmente adequada ocorre necessariamente «perante o órgão jurisdicional que profere, na ordem respetiva, a decisão final do pleito» (cfr. Lopes do Rego, Os recursos de fiscalização concreta na lei e na jurisprudência, Almedina, 2010, p. 97).

Não tendo o recorrente suscitado perante o tribunal a quo uma qualquer questão de constitucionalidade normativa reportada à alínea d) do artigo 55.º do Código Penal, sempre careceria de legitimidade processual para a interposição do recurso ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.»

3. Inconformado com tal decisão, o recorrente reclamou para a Conferência, invocando para o efeito os seguintes fundamentos:

2- O Colendo Juiz-Conselheiro Relator, ao adotar a DECISÃO SUMÁRIA, sob reclamação, fê-lo através de uma específica, inovadora e "menos amiga dos Direitos Fundamentais", interpretação da questão da suscitação da constitucionalidade concreta sucessiva. Na verdade,

3- Na sua fundamentação, supra transcrita, podem encontrar-se várias contradições, inovações dogmáticas, ao nível do modo de suscitação da questão da constitucionalidade que não se pode aceitar. Na verdade,

4- A presente DECISÃO SUMÁRIA foi adotada à luz do artigo 78.°-A (Exame preliminar e decisão sumária do relator), n.° 1, da LOFTC, que dispõe: «Se entender que não pode...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT