Acórdão nº 01279/14.6BEPRT de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 13 de Janeiro de 2022

Magistrado ResponsávelMARIA DO CÉU NEVES
Data da Resolução13 de Janeiro de 2022
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO 1. RELATÓRIO A............

, melhor identificado nos autos, intentou no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto (TAF) acção administrativa comum contra Porto Vivo – SRU – Sociedade de Reabilitação Urbana da Baixa Portuense, S.A [fazendo intervir acessoriamente a sociedade B............, S.A. enquanto empreiteira executora da obra] peticionando que a Ré seja: “A) (…) condenada a repor a fachada de tardoz do prédio do Autor sito ao Largo dos ……… ……, Porto, no estado em que se encontrava antes da sua intervenção no interior do ……… e nos termos descritos no artigo 84º da p.i., serviços e obras aí descritos num prazo máximo de 90 dias; B) deverá a Ré ser condenada a reparar o rebordo da laje da varanda do prédio do Autor sito ao Largo dos ........., ……, Porto, repondo-o no estado em que se encontrava antes da sua intervenção no interior do ……… num prazo máximo de 90 dias; C) deverá ser a Ré condenada a pagar ao Autor a quantia global de 75.855,73 € (setenta e cinco mil euros e oitocentos e oitenta e cinco euros e setenta e três cêntimos) a título de danos emergentes e lucros cessantes e, D) deverá ser a Ré condenada a pagar ao Autor o montante não inferior a 5.000,00€ (cinco mil euros) a título de danos morais já apurados; E) deverá ser ainda a Ré condenada a pagar os juros já vencidos dos empréstimos referidos nos artigos 94.º a 105.º da p.i. – e pagos pelo A. – no montante total de 32.701,54 €; F) deverá a Ré ser condenada dos juros vincendos dos empréstimos referidos nos artigos 94.º a 105.º da p.i.; G) deverá, por fim, a Ré ser condenada a pagar os juros vincendos das quantias referidas em C), D) e E), à taxa legal, desde a sua citação até efectivo e integral pagamento.”*Por sentença de 04 de Dezembro de 2019, o TAF do Porto julgou a presente acção totalmente improcedente, e nesta improcedência, absolveu a Ré dos pedidos formulados pelo autor.

*O Autor apelou para o TCA Norte, e este por acórdão proferido a 22 de Janeiro de 2021, julgou a acção parcialmente procedente.

*A Ré Porto Vivo - Sociedade de Reabilitação Urbana da Baixa Portuense, SA, e a interveniente acessória B............, Ld.ª, inconformadas, vieram separadamente interpor recurso de revista, tendo a primeira na respectiva alegação, formulado as seguintes conclusões: «1) Os danos pelos quais o Recorrido foi compensado não se deveram ao caráter perigoso da empreitada que o afetou, mas sim pelos danos laterais que lhe foram impostos, mormente o ruído e alguma deterioração da habitação, motivo pelo qual a responsabilidade pelo risco consagrada no artigo 11º do RCEE é, in casu, inaplicável.

2) Tendo em conta a identidade de regimes da responsabilidade pelo sacrifício consagrada no pretérito Decreto-Lei 48051, de 21 de novembro, artigo 9º, nº 1 e 2, e o atual artigo 16º do RCEE, mantém plena atualidade os pressupostos para aplicação de tal mecanismo tal como descritos por Gomes Canotilho, segundo o qual um dos requisitos é que o sacrifício seja imposto no interesse público e não no interesse da pessoa titular do direito sacrificado.

3) É curial dizer, e vai de encontro ao espírito do artigo 16º do RCEE – salvaguarda do Princípio da Igualdade na contribuição para os encargos públicos – que existe o sacrifício não compensável, desde logo aquele que seja imposto não só no interesse público mas também no interesse da pessoa titular do direito sacrificado.

4) No caso vertente, a existir algum dano especial e anormal, facto é que o sacrifício imposto ao Recorrido o foi em próprio benefício, pois é notório que a reabilitação do edificado traz vantagens não só para a comunidade em geral, que vê tal edificado recuperado, embelezado, como também para os residentes da área reabilitada. Melhor dito: a reabilitação do edificado importa vantagens sobretudo para quem nele habita ou nas proximidades, não sendo comparável o benefício do residente remoto face à área intervencionada, com o benefício do cidadão que nela reside.

5) Sendo a localização um dos aspetos essenciais na determinação do valor de mercado de um imóvel, é inegável que todos os habitantes de áreas reabilitadas sofrem um benefício que a restante população não obtém – ou seja, contrariamente a outros residentes do município do Porto ou de qualquer outro município do país, os que residem em áreas alvo de intervenção prioritária pelas autoridades públicas, de entre elas, a Recorrente, são substancialmente mais beneficiados com o incremento no valor de mercado dos edifícios dos quais são proprietários.

6) De entre estes, serão ainda mais beneficiados aqueles que possuem maior área locável ou vendável, neste estrito grupo se encontrando o Recorrente que, além de ser residente no ........., é também investidor imobiliário, arrendando frações do seu prédio a terceiros, como sobejamente decorre da prova produzida nos presentes autos e da matéria de facto dada como provada.

7) Facto também ele público e notório e marginalizado pelo Tribunal a quo, é a inegável melhoria na qualidade de vida de todos os habitantes do ……… e, bem assim, o incremento no lucro auferido pelos investidores/proprietários imobiliários em sequência da reabilitação operada, realidade essa ignorada.

8) Donde, resulta que não existe, no presente caso, um sacrifício juridicamente tutelável pois, como prius face à análise dos requisitos para verificação de um sacrifício compensável, antes de mais há que observar se realmente existiu um sacrifício, na medida em que o particular só tenha sofrido desvantagens na sua esfera e não, simultaneamente, uma vantagem que, a médio/longo prazo, suplante a desvantagem temporária verificada.

9) Quanto ao requisito da especialidade do dano, resulta este da violação do Princípio da Igualdade implicando que, face à ocorrência do facto lícito, uma pessoa ou grupo de pessoas seja especialmente afetado, de modo tal que ocorre uma verdadeira rutura da igualdade de repartição dos encargos públicos, como reconhecido pelo Acórdão do TCAN de 08 de maio de 2008, Proc. nº 00155/06.BEPNF.

10) A violação do Princípio da Igualdade da repartição dos encargos públicos, para se ter como verificada, implica que o sujeito de tal violação não venha a posteriori a beneficiar dessa intervenção ablativa – como ocorre nos presentes autos, como se defendeu – mas também exigindo que o resultado ablativo incida especialmente sobre o lesado.

11) Como sublinham os Acórdãos do STA de 30 de abril de 2008 (Proc. nº 0913/07) e 05 de novembro de 2003 (Proc. nº 01100/02) não cumpre tal requisito o sujeito que, no decurso da execução de obras públicas seja afetado, pois que qualquer pessoa em tal situação seria também afetada. Ou seja, na área de intervenção da empreitada, não obstante uns sofrerem mais que outros, todos sofrerão um sacrifício.

12) Por seu turno, e como “contrapeso” cumpre não olvidar que quão maior a exposição à realização de obra pública, maior o benefício, o que por si só traduz a inexistência de violação do Princípio da Igualdade na contribuição para os encargos públicos. I.e., o residente mais próximo das obras de requalificação mais beneficia com estas, ao passo que o residente mais remoto beneficia menos – pense-se nos casos de construção de parques públicos, caso no qual os imóveis que confrontem com o parque sofrerão mais com o ruído da obra, mas que posteriormente obterão vistas de maior qualidade.

13) Como sublinhou o STA no citado Acórdão de 30 de Abril de 2008 (Processo 0913/07), não se pode tolher a iniciativa da melhoria do espaço público a cargo das entidades públicas com pedidos de indemnização não suficientemente graves, sob pena de tornar excessivamente onerosas tais iniciativas.

14) Como defende Carla Amado Gomes, quanto ao requisito do “dano anormal” apenas é atendível a lesão intolerável numa perspetiva de solidariedade de sacrifícios necessários à sustentabilidade do Estado Social, sendo o nível de tolerabilidade apurado à luz da teoria do gozo standard, e à qual alude o Tribunal a quo mas aplica erradamente.

15) Numa obra pública e de grande envergadura como o foi a reabilitação do ........., é expectável que os habitantes sejam expostos à produção de ruídos, pó e vibrações. Porém, e como forma de minorar tais danos, o Regulamento Geral do Ruído, aprovado pelo Decreto-Lei nº 9/2007 de 17 de janeiro prevê, no seu artigo 16º, nº 1 que “As obras de recuperação, remodelação ou conservação realizadas no interior de edifícios destinados a habitação, comércio ou serviços que constituam fonte de ruído apenas podem ser realizadas em dias úteis, entre as 8 e as 20 horas, não se encontrando sujeitas à emissão de licença especial de ruído.” 16) Não consta da matéria de facto provada ou não provada que a intervenção no ......... tenha sido feita contra tal regulamentação, apenas constando da matéria de facto dada como não provada sob o ponto 6 que “A operação urbanística em causa nos autos, em concreto a execução da empreitada, não observou as regras e normas de segurança aplicáveis” 17) Sob os pontos Y, Z e AA da matéria de facto dada como provada consta que inúmeras atividades continuaram a ser realizadas no ........., e sob o ponto X, que apenas os habitantes de parcelas diretamente intervencionadas pela Entidade Demandada e pela C………… foram realojados.

18) Se tais atividades são exercidas durante o período diurno, coincidindo com o horário em que as obras foram realizadas, como é que o Tribunal a quo pode invocar que tal gozo standard foi violado? 19) Quanto aos demais habitantes, todos eles na mesma situação do Recorrido (indiretamente afetados), das duas uma: ou todos eles saíram da unidade de intervenção ou conformaram-se com a realização das obras.

20) Não resultando dos autos tal “debandada”, mas apenas e tão-só que resultaram “constrangimentos” no local (factos provados BB e CC) temos que chegar à conclusão, também por esta via, que não ocorreu tal perturbação do gozo “standard”.

21) O Tribunal a quo para...

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