Acórdão nº 127/21.5YRCBR de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 19 de Janeiro de 2022

Magistrado ResponsávelANA CAROLINA CARDOSO
Data da Resolução19 de Janeiro de 2022
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra: I.

Relatório: 1.

O Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal promoveu, nos termos do artigo 50.º, n.º 2, da Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto, o cumprimento do pedido de extradição da cidadã chinesa HZ - casada, nascida em (…), na província de (…), titular do passaporte chinês n.º (…), emitido em (…) a (…), válido até (…), residente na Rua (…), nº (…), 5º andar [atualmente na Quinta (…), (…)], em (…), Portugal, apresentado pela República Popular da China para efeitos de procedimento criminal relativo à indiciada prática de um crime de obtenção de fundos por meios fraudulentos, praticado de outubro de 2013 a agosto de 2018, punível pelo art.º 192º da Lei Criminal da República Popular da China com pena de prisão perpétua.

Invoca o Ministério Público que a extraditanda é procurada pelas autoridades judiciárias da República Popular da China – Procuradoria Popular de Pudong, Xangai, por ter promovido publicamente, como representante legal da sociedade (…), produtos financeiros de private equity junto de pessoas, pelo telefone e de viva voz, em conluio com outros, usando como chamariz um elevado rendimento de 7,5% a 16%, assim tendo logrado receber ilegalmente 2,098 biliões de CNY de um conjunto de pessoas não especificadas, mas superior a 414, que utilizou para a compra de imóveis e para consumo pessoal, causando o não pagamento de 612 milhões de CNY, o que à taxa de câmbio atual equivale à quantia de cerca de 79 milhões de euros.

A arguida foi detida na cidade de (…) a (…), ouvida neste Tribunal da Relação a (…), no âmbito do processo de validação de detenção n.º (…), da (…) seção, apenso, confirmada a detenção, que posteriormente foi substituída pelas medidas de coação de apresentações periódicas e proibição de se ausentar para o estrangeiro.

* 2.

Após a prolação de despacho liminar, procedeu-se à audição da extraditanda, nos termos previstos no artigo 54.º da referida Lei n.º 144/99, tendo a mesma manifestado a sua oposição ao pedido de extradição formulado pela República Popular da China, e não tendo renunciado ao princípio da especialidade.

Foi-lhe aplicada a medida de coação de apresentações periódicas.

Notificada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 55.º do citado diploma legal, veio a requerida deduzir oposição ao pedido de extradição, invocando, para o efeito, fundamentos que enunciou da seguinte forma: a) Nulidade dos autos por inexistência do Despacho do Sr. Secretário de Estado; b) Invalidade da garantia apresentada pela Embaixada Chinesa por não estar completa a Nota nº 27; c) Insuficiência da Garantia por não incluir a decisão tomada pelo Supremo Tribunal Popular; d) Insuficiência e falta de clareza na vinculação do Ministério dos Negócios Estrangeiros; e) Insuficiência e falta de clareza no texto da “Garantia”, suscitando dúvidas se a garantia foi efetivamente prestada; f) Razões humanitárias relacionadas com a situação da Extraditanda e de sua Família; e g) Erros factuais constantes da matéria que fundamenta o pedido de extradição.

* 3.

A requerida juntou prova documental e requereu a inquirição de testemunhas.

Procedeu-se à inquirição das testemunhas.

Nas alegações finais que apresentaram, o Ministério Público e a extraditanda reafirmaram as posições antes assumidas.

Colhidos os vistos legais, foram os autos à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.

* II.

Fundamentação 1.

Questão prévia: - Nulidade do processo Nas suas alegações escritas, suscitou a extraditanda a questão prévia da inexistência nos autos do despacho a que se refere o art. 48º da Lei n.º 144/99, de 31 de agosto (doravante designada abreviadamente por LCJ).

O processo de extradição comporta duas fases distintas: uma administrativa, cabendo à Procuradoria Geral da República receber o pedido de extradição, que tem de se encontrar instruído com os elementos referidos nos arts. 23º e 44º da LCJ, elaborar um parecer e remetê-lo para o Ministro da Justiça, que decide pelo deferimento ou deferimento do pedido; e uma fase judicial, precedida do despacho de deferimento do pedido de extradição pelo Ministro da Justiça, cabendo o impulso processual ao Ministério Público do Tribunal da Relação competente para o processo de extradição – arts. 48º e 50º da LCJ.

É este despacho, condição para o início do processo judicial, que a extraditanda refere não ter sido proferido.

Vejamos: No art. 5º do requerimento inicial, refere o Ministério Público o seguinte: “O pedido Formal de Extradição foi apresentado às Autoridades Portuguesas, tendo Sua Excelência o Secretário de Estado Adjunto e da Justiça, por competência delegada de Sua Excelência a Ministra da Justiça, por despacho de 04 de agosto de 2021, considerado admissível o pedido de extradição”.

Porém, e como afirma a extraditanda, não foi junto tal despacho.

Sucede que o Ministério Público junto deste Tribunal da Relação, notificado da oposição, veio juntar aos autos o original do despacho que refere, cujo original se encontra a fls. 165 dos autos, e cujo teor é o seguinte: «A República Popular da China solicita à República Portuguesa a extradição da cidadã de nacionalidade chinesa HZ, ao abrigo do Tratado entre a República Portuguesa e a República Popular da China sobre Extradição, assinado em Pequim em 31 de janeiro de 2007.

No âmbito do processo-crime que corre termos no Departamento de Investigação do Crime Económico do Ministério da Segurança Pública da República Popular da China, a extraditanda é suspeita da prática de (1) um crime de fraude para arrecadação de fundos, previsto e punido pelo artigo 192º da Lei Penal da República Popular da China, com pena máxima abstratamente aplicável de prisão perpétua, por factos praticados de outubro de 2013 a agosto de 2018.

Os factos imputados a HZ pelas autoridades judiciárias chinesas, encontram correspondência no ordenamento jurídico português nos crimes de burla qualificada e de exercício da atividade ilícita de receção de depósitos e outros fundos reembolsáveis, previstos e punidos, respetivamente, pelos artigos 217º e 218º, n.º 2, al. a), do Código Penal e artigo 200º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pela Lei n.º 28/2009, de 19 de junho, com pena máxima abstrata aplicável de 8 e 5 anos de prisão, respetivamente.

Nos termos do disposto no artigo 118º, n.º 1, alínea a), do Código Penal e de acordo com o preceituado no artigo 87º, n.º 2m, da Lei Penal da República Popular da China, o respetivo procedimento criminal não se mostra extinto por efeito da prescrição.

A aplicação de pena de prisão perpétua é proibida pelo ordenamento jurídico português e, consequentemente, a sua verificação, no caso concreto, encontra-se identificada, no artigo 3º, n.º 1, alínea h), do Tratado Bilateral já citado, como fundamento imperativo de recusa.

Contudo, o artigo 6º, n.º 2, alínea b) e n.º 3, da Lei n.º 144/99, de 31 de agosto, admite que a cooperação, no caso de extradição por crimes puníveis com pena de prisão perpétua, possa ter lugar se o Estado requerente oferecer garantias de que tal pena não será aplicada ou executada.

Assim, conforme resulta das Notas Verbais de 16 e 22 de junho de 2021, o Governo da República Popular da China garante, nos termos do artigo 50º da Lei interna de extradição da República Popular da China, com base em decisão do Supremo Tribunal Popular da República Popular da China que, no caso de HZ ser extraditada de Portugal para a China e condenada por um tribunal chinês pelos factos pelos quais a extradição foi requerida, o Tribunal de julgamento não a condenará em pena de prisão perpétua.

Esta garantia é, nos termos da referida disposição legal, vinculativa para todos os tribunais chineses.

Analisado o pedido e os seus fundamentos de facto conclui-se que, mediante a prestação de garantias, foram ultrapassadas as causas de recusa previstas pelo artigo 3º do Tratado entre a República Portuguesa e a República Popular da China sobre Extradição e não se verificam as recusas que resultam da lei interna, nomeadamente porque a extraditanda não é nacional portuguesa, o crime que lhe é ora imputado mostra-se igualmente previsto pelo ordenamento jurídico português e foram prestadas garantias relativamente à causa de recusa a que alude o artigo 6º, alínea f), da Lei n.º 144/99, de 31 de agosto.

Assim, nos termos acima explanados, ao abrigo do disposto no Tratado entre a República Portuguesa e a República Popular da China sobre Extradição, assinado em Pequim a 31 de janeiro de 2017 e no artigo 48º, n.º 2, da Lei n.º 144/99, de 31 de agosto, considero admissível o pedido de extradição efetuado pela República Popular da China relativamente a HZ. (assinado Pel’A Ministra da Justiça Francisca Van Dunem, de forma digital, Mário Belo Morgado)».

Notificada a extraditanda da junção do documento, nada disse.

Tendo o despacho a que se refere o art. 48º da LCJ sido proferido em tempo, e no sentido da admissibilidade da extradição, com a sua junção aos autos ficou suprida a irregularidade de que os autos enfermavam.

* 2.

Fundamentação de facto a) Factos provados (relevante para a decisão da causa) 1 - Ao abrigo do Tratado entre a República Portuguesa e a República Popular da China sobre Extradição, assinado em Pequim a 31 de janeiro de 1007, as autoridades competentes da República da República Popular da China solicitaram ao Estado Português a extradição da cidadã HZ, acima melhor identificada, para efeitos de procedimento criminal relativo aos crimes descritos no ponto n.º 1 do “Relatório”, acima.

2 - Por despacho proferido, ao abrigo do disposto no n.º 2 do art. 48.º da Lei n.º 144/99, de 31 de agosto, em 4 de agosto de 2021, Sua Excelência o Secretário de Estado Adjunto e da Justiça, por competência delegada de Sua Excelência a Ministra da Justiça, considerou admissível o pedido de extradição, face às garantias enviadas pelas Autoridades da República Popular da China de que a pena de prisão perpétua não será...

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