Acórdão nº 26/22 de Tribunal Constitucional (Port, 11 de Janeiro de 2022

Magistrado ResponsávelCons. Vice-Presidente
Data da Resolução11 de Janeiro de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 26/2022

Processo n.º 861/20

1.ª Secção

Relator: Conselheiro Pedro Machete

Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional:

I. Relatório

1. Por decisão de 24 de julho de 2018, a Entidade das Contas e Financiamentos Políticos ( “ECFP”) julgou prestadas, com irregularidades, as contas apresentadas pelo Partido Democrático Republicano (PDR), relativas à campanha eleitoral para a eleição, realizada em 16 de outubro de 2016, dos deputados para a Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores – cf. artigos 27.º, n.º 4, da Lei n.º 19/2003, de 20 de Junho (Lei do Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais ou “LFP”) e 43.º, n.º 1, da Lei Orgânica n.º 2/2005, de 10 de Janeiro (Lei de Organização e Funcionamento da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos ou “LEC”).

As irregularidades apuradas foram as seguintes:

a) Deficiente preenchimento da lista de ações e meios, em violação do disposto no artigo 16.º, n.º 1, da LEC;

b) Existência de despesas inelegíveis, faturadas após o último dia de campanha, em violação do artigo 19.º, n.º 1, da LFP;

c) Ocorrência de deficiências no suporte documental de algumas despesas, em violação do artigo 12.º, aplicável por força do artigo 15.º, n.º 1, e do artigo 19.º, n.º 2, todos da LFP;

d) Não apresentação de todos os elementos de prestação de contas, em violação do artigo 12.º, aplicável por força do artigo 15.º, n.º 1, ambos da LFP;

e) Não reconhecimento de despesa identificada por fornecedor, em violação do artigo 15.º, n.º 1, da LFP.

Desta decisão não foi interposto recurso.

2. Na sequência da referida decisão, a ECFP levantou um auto de notícia e instaurou um processo de contraordenação contra o PDR e contra António Carlos Tavares Pinto, enquanto mandatário financeiro da campanha em questão, pela prática das irregularidades verificadas naquela decisão (Processo CO n.º 40/2019).

Notificados do processo de contraordenação, o Partido e o seu mandatário financeiro apresentaram a sua defesa, nos termos do n.º 2 do artigo 44.º da LEC.

3. No âmbito do referido procedimento contraordenacional, a ECFP, por decisão de 18 de agosto de 2020, aplicou as seguintes sanções:

a) Ao arguido PDR, uma coima no valor de 10 (dez) vezes o salário mínimo nacional (SMN) de 2008, perfazendo a quantia de 4.260,00 € (quatro mil duzentos e sessenta euros), pela prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 31.º, n.ºs 1 e 2, da LFP;

b) Ao arguido António Carlos Tavares Pinto, uma coima no valor de 1 (um) SMN de 2008, perfazendo a quantia de 426,00 €. (quatrocentos e vinte seis euros), pela prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 31.º, n.º 1, da LFP.

4. Inconformados, os arguidos impugnaram, em 6 de outubro de 2020, esta decisão junto do Tribunal Constitucional, mediante requerimentos de idêntico teor (cf. fls. 110 a 125, no que respeita ao arguido PDR, e fls. 126 a 142, quanto ao segundo arguido), nos seguintes termos:

« I - OBJECTO DO RECURSO DE IMPUGNAÇÃO

1. O presente recurso tem por objeto a decisão proferida nos autos de contraordenação acima identificados que condenou o Partido Democrático Republicano no pagamento de coima no valor de € 4260,00 (quatro mil duzentos e sessenta euros) pela prática da contraordenação prevista e punida pelo art. 31.º, n.º 1, da Lei n.º 19/2003, de 20 de junho.

2. Nos termos do art. 31.º da Lei 19/2003, de 20 de junho:

“1- Os mandatários financeiros, os candidatos às eleições presidenciais, os primeiros candidatos de cada lista e os primeiros proponentes de grupos de cidadãos eleitores que não discriminem ou não comprovem devidamente as receitas e despesas da campanha eleitoral são punidos com coima mínima no valor do IAS e máxima no valor de 80 vezes o valor do IAS.

2 -Os partidos políticos que cometam a infração prevista no número anterior são punidos com coima mínima no valor de 10 vezes o valor do IAS e máxima no valor de 200 vezes o valor do IAS.”.

3. O Arguido, aqui Recorrente, foi condenado no pagamento de coima por não ter discriminado ou por não ter comprovado devidamente as receitas e despesas da campanha eleitoral para a eleição da Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores no ano de 2016.

II - DOS FUNDAMENTOS DO RECURSO

A - Da nulidade da decisão recorrida por violação do direito de defesa

(i) Por omissão de diligências essenciais para a descoberta da verdade;

Conforme refere a decisão recorrida, o art. 50.º do RGCO, que consagra o direito de audição e defesa, não se limita à possibilidade de o arguido ser ouvido no processo de contraordenação, abrangendo o direito de intervir neste, apresentando provas ou requerendo a realização de diligências.

Ora, o Arguido requereu, na sua defesa, a inquirição de testemunhas, indicando os factos da defesa sobre os quais deveria incidir a inquirição. Com especial relevância, requereu a produção de prova relativamente à sua pequena dimensão, à sua recente constituição e escassa experiência em matéria de contas, à falta de estrutura de organização e apoio, aos escassos recursos humanos e financeiros, à falta de serviços de contabilidade e de colaboradores que soubessem lidar com matérias técnico- contabilísticas.

Invocou, ainda, na sua defesa, que foi o desconhecimento, a inexperiência e a falta de implementação de mecanismos de controlo e organização interna no partido que ditaram a ocorrência de algumas falhas, alegando ainda que, por forma a suprir tais dificuldades, desde agosto de 2017 passou a contar com colaboração de pessoa com formação na área da gestão e da contabilidade e instituiu procedimentos internos em ordem a assegurar o rigoroso cumprimento da lei em matéria de contas.

Entendeu, porém, a entidade administrativa que os “elementos documentais juntos aos autos são suficientes e aptos a proferir a decisão, [pelo que] não se considera existir qualquer utilidade na realização das diligências probatórias requeridas, pelo que vão as mesmas indeferidas

Por um lado, a decisão recorrida limitou-se a concluir pela inexistência de utilidade relativamente à realização das diligências de prova requeridas sem invocar os concretos motivos de facto pelos quais considera inútil a inquirição das testemunhas, violando o dever de fundamentação a que se encontra adstrita.

Por outro lado, o processo, na sua dimensão documental, não permitia aferir do grau de culpa (não imputada) ao Partido, nem das circunstâncias relevantes para a eventual aplicação de uma mera admoestação, ou para a atenuação especial da coima.

Ou seja, na defesa apresentada, foram invocados factos adequados a afastar o cometimento da infração a título de dolo, ou pelo menos, a diminuir acentuadamente quer a gravidade da conduta, quer o grau de culpa, o que sempre seria relevante para efeito da aplicação daqueles institutos: admoestação ou atenuação especial da coima.

Assim, o indeferimento das diligências de prova requeridas pelo Arguido impediu que o mesmo pudesse fazer prova sobre circunstâncias relevantes para a avaliação da culpa e determinação da coima aplicável, havendo que concluir pela violação do direito de defesa consagrado no art. 50.º do RGCO.

De outra vertente, e na medida em que a realização de tais diligências de prova se afigurava essencial para o apuramento da verdade material e para a boa decisão da causa, a sua omissão acarreta a nulidade prevista no art. 120.º, n.º 2 alínea d) do CPP, aplicável ex vi art. 41.º do RGCO.

(ii) Por falta de imputação subjetiva das contraordenações na decisão da entidade das coutas a que se reporta o art. 44.º n.º 1 e n.º 2 da Lei Orgânica n.º 2/2005, de 10 de janeiro;

Conforme Acórdão TC n.º 469/97, um dos princípios, comuns a todos os processos sancionatórios “[...] será, desde logo, por direta imposição constitucional, o da audiência e correlativa defesa do arguido, inseridos num desenvolvimento processual em que o princípio do contraditório deverá ser mantido, como forma de complementar a estrutura acusatória, que não dispositiva, da atuação dos poderes públicos” (Acórdão n.º 469/97).

Assim, e não obstante a especial conformação processual das contraordenações em matéria de regularidade e legalidade das contas, têm plena aplicação os direitos de defesa e de audiência assegurados no artigo 32º, n.º 10, da CRP, e concretizados, para o processo contraordenacional, no artigo 50º do RGCO.

Sob a epígrafe “Direito de audição e defesa do arguido estabelece-se no art. 50.º do RGCO que “não é permitida a aplicação de uma coima ou de uma sanção acessória sem se ter assegurado ao arguido a possibilidade de, num prazo razoável, se pronunciar sobre a contraordenação que lhe é imputada e sobre a sanção ou sanções em que incorre

Qualquer processo contraordenacional deve assegurar ao visado o contraditório prévio à decisão e esse contraditório só poderá ser plenamente exercido mediante a prévia comunicação dos factos imputados (art. 32º, n.º 10, da CRP, e art. 50º do RGCO).

A comunicação dos factos imputados implica, assim, a descrição dos elementos imprescindíveis à delimitação do comportamento contraordenacionalmente relevante, devendo tal descrição contemplar a caracterização, objetiva e subjetiva, da ação ou omissão imputada.

Ou seja, tem de ser dada a conhecer ao Arguido “a totalidade dos aspetos relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito

Ora, conforme resulta dos autos, maxime da decisão sobre a irregularidade das contas e do auto de notícia datado de 19 de fevereiro de 2019, em momento anterior à decisão condenatória, não foram comunicados ao Arguido os elementos subjetivos da contraordenação.

Assim, em momento anterior à prolação da decisão condenatória, não foram imputados ao Arguido factos integradores do tipo subjetivo do ilícito contraordenacional, o que...

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