Acórdão nº 25/22 de Tribunal Constitucional (Port, 11 de Janeiro de 2022

Magistrado ResponsávelCons. Vice-Presidente
Data da Resolução11 de Janeiro de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 25/2022

Processo n.º 859/20

Plenário

Relator: Conselheiro Pedro Machete

I. Relatório

1. Por decisão de 3 de setembro de 2018, a Entidade das Contas e Financiamentos Políticos (doravante, “ECFP”) julgou prestadas, com irregularidades, as contas apresentadas pela CDU – Coligação Democrática Unitária (CDU), formada pelo Partido Comunista Português (PCP) e pelo Partido Ecologista «Os Verdes» (PEV), relativas à campanha eleitoral para a eleição dos deputados à Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores realizada em 16 de outubro de 2016 – cf. os artigos 27.º, n.º 4, da Lei n.º 19/2003, de 20 de Junho (Lei do Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais, doravante, “LFP”) e 43.º, n.º 1, da Lei Orgânica n.º 2/2005, de 10 de Janeiro (Lei de Organização e Funcionamento da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos, doravante, “LEC”).

As irregularidades apuradas foram as seguintes:

a) Ações e meios não refletidos nas contas de campanha – subavaliação de despesas e receitas, em violação do artigo 12.º da LFP, aplicável ex vi artigo 15.º, n.º 1, do mesmo diploma;

b) Existência de despesas valorizadas abaixo do valor de mercado, em violação do disposto no artigo 15.º, n.º 1, da LFP;

c) Verificação de falta de apresentação de alguns elementos de prestação de contas, em violação do disposto no artigo 12.º, n.º 1, da LFP, aplicável ex vi artigo 15.º, n.º 1, do mesmo diploma.

2. Desta decisão foi interposto recurso pelo Mandatário Financeiro para a campanha em causa, Martinho José Batista, nos termos dos artigos 23.º, n.º 1, da LEC e 9.º, alínea e), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei de Organização, Funcionamento e Processo no Tribunal Constitucional, doravante, “LTC”), com os seguintes fundamentos (cf. fls. 141-145 do PA-3/ALRAA/16/2018, apenso aos presentes autos):

«I – Sobre a alínea a) da decisão recorrida (cedência de viaturas)

1. A ECFP, sobre esta matéria, continua a desconsiderar os pertinentes esclarecimentos da Coligação fazendo uso de dois raciocínios inaceitáveis:

3. Primeiro: Inverte o ónus da prova exigindo que a Coligação prove aquilo que a Lei não a obriga a fazer, pois em nenhuma passagem está vinculada a celebrar contratos ou atos declarativos de cedência de viaturas.

4. Se ónus da prova existe neste particular então caberia sim à auditoria e também à ECFP contraditar com factos a explicação dada ou demonstrar que haveria casos de não cedência de viaturas. Ou seja é a ECFP que deve provar e identificar a suposta irregularidade contabilística, ou seja, a não cedência, e não à CDU provar que houve cedências, não sujeitas sequer a forma legal estabelecida.

5. Em segundo lugar, faz equivaler uma cedência temporária e ocasional de uma viatura, tendo sido identificadas quer as viaturas quer os próprios proprietários condutores, a um donativo, sem que tivesse havido qualquer receita.

6. Os ativistas da CDU que conduziram viaturas suas ao serviço da campanha não fizeram donativo da sua viatura, apenas as tendo usado para a campanha.

7. Daí que a despesa gerada nada tenha que ver com aluguer mas sim com efetiva despesa de campanha incorrida. Por isso há expressão contabilística pelo lado da despesa, não podendo haver essa expressão contabilística pelo lado da receita como a ECFP supostamente pretende.

II – Sobre a alínea b) da decisão recorrida (despesas abaixo do valor de mercado}

7. A listagem nº 38/2013 é de julho de 2013 tendo sido porventura elaborada segundo trabalhos de campo realizados algum tempo antes.

8. Logo essa listagem não é contemporânea no tempo com as consultas de mercado feitas pela CDU para a sua campanha eleitoral, realizada cerca de três anos mais tarde.

9. A listagem nº 38/2013 é incompleta e não exaustiva. A propriedade da não exaustividade da listagem confere-lhe valor exemplificativo, mais ou menos real, mas não oferece uma parametrização exata e inultrapassável de dois limites, para mais e para menos, que o mercado tenha que respeitar.

10. Nos poucos casos em que o fornecedor apresentou à CDU valores que uma vez comparados com a listagem nº 38/2013 se apresentavam inferiores, não faria sentido algum vir a CDU contrariar essa estimativa comercial obrigando-se a pagar mais, apenas porque a listagem da ECFP a isso obrigaria, obrigação que de resto comporta uma intromissão desproporcionada nas regras do mercado e em critérios de boa administração de recursos.

11. A listagem nº 38/2013 não pode ter o alcance jurídico de obrigar a coligação a fazer maior despesa com meios de propaganda, inflacionando-as, apenas porque essa maior despesa decorre dos parâmetros da listagem elaborada cerca de três anos antes.

12. A listagem nº 38/2013, estática, não leva em linha de conta as oscilações do mercado e o seu comportamento em ambiente concorrencial, daí dever ser a listagem materialmente indicativa, como bem se refere.

13. Esta decisão da ECFP assenta, quanto ao direito, numa suposta violação do artigo 15º da LFPCE, sendo que nem este nem o artigo 12º da mesma lei para o qual remete permitem extrair direta e expressamente uma qualquer previsão normativa onde esteja previsto tal conteúdo de consequência contraordenacional.

14. Tão pouco, o que também é significativo, esse normativo invocado na decisão da ECFP corresponde a uma irregularidade tipificada da qual decorra ou possa decorrer uma qualquer consequência jurídica de apreciação das contas.

15. As consultas de mercado que a CDU fez não foram apresentadas por já não existir suporte em papel de tais indagações.

III – Sobre a alínea c) da decisão recorrida (elementos de prestação de contas}

16. A Coligação sempre entendeu que o Regulamento 16/2013 elaborado pela ECFP nos termos de uma norma que lhe atribuía poderes regulamentares era ilegal e inovador quanto ao direito aplicável.

17. Volta a ECFP a exigir a apresentação de dois anexos, que a lei não prevê deverem ser apresentados e que em nada alteram a substância das contas apresentadas nem as afetam quer quanto às receitas quer quanto às despesas.

18. Os anexos exigidos em Regulamento prater legem são inócuos e de nenhuma utilidade prática para a aferição das contas.

19. Ao invés, para a Coligação, tais anexos significariam além do mais uma identificação, com dados pessoais, de militantes e simpatizantes que não podemos nem devemos identificar.

20. Essa identificação, com dados pessoais, seria aliás desproporcionada para o fim pretendido pela ECFP.

21. Os Regulamentos, contendo regras jurídicas, estão subordinados ao normativo habilitante, que não podem inovar nem contraditar e quanto à sua aplicabilidade estão ainda sujeitos ao critério valorativo da entidade administrativa (aqui a ECFP) desaplicando-o quando o deva fazer, por impulso próprio, sem carência de impugnação judicial por terceiros.

22. A ECFP está sempre sujeita ao princípio da legalidade e às boas práticas de aplicação regulamentar não carecendo para isso do impulso da Coligação ou de terceiros.

23. Finalmente, bem o refere a ECFP, o regulamento 16/2003 caducou por via da revogação da norma legal habilitante, não podendo por isso aplicar-se na atualidade.

Nestes termos, e nos mais de Direito, deve o presente RECURSO ser julgado procedente, por provado, e, em razão do julgamento a proferir, ser determinada a anulação da decisão da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos, de Setembro de 2018, que apurou três irregularidades às contas apresentadas pela Coligação Democrática Unitária relativas à campanha eleitoral para deputados à Assembleia legislativa Regional dos Açores de 2016, por não verificadas.».

A CDU declarou que «assume o recurso apresentado pelo Mandatário Financeiro, Martinho José Batista» (cf. ibidem, fls. 139).

Por deliberação da ECFP, de 11 de outubro de 2018, a análise preliminar do recurso foi relegada para momento posterior, designadamente a final, por ocasião da impugnação da decisão sancionatória (cf. o n.º 3 do artigo 407.º do Código de Processo Penal, enquanto diploma de aplicação subsidiária a todo o procedimento contraordenacional ex vi artigo 41.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro, doravante, “RGCO”).

3. Na sequência da referida decisão relativa à prestação das contas, a ECFP levantou um auto de notícia e instaurou um processo de contraordenação contra o PCP e o PEV, enquanto partidos integrantes da CDU, e contra Martinho José Batista, enquanto mandatário financeiro da campanha em questão, pela prática das irregularidades verificadas naquela decisão (Processo n.º 45/2019).

Notificados de tal processo, o mandatário financeiro apresentou a sua defesa, nos termos do n.º 2 do artigo 44.º da LEC, e o PCP declarou fazer sua a defesa apresentada por aquele.

No âmbito do referido procedimento contraordenacional, a ECFP, por decisão de 18 de agosto de 2020, aplicou as seguintes sanções:

a) Ao arguido Partido Comunista Português, enquanto partido integrante da CDU – Coligação Democrática Unitária, uma coima no valor de 10 e ½ (dez e meio) SMN de 2008, perfazendo a quantia de € 4.473,00 (quatro mil quatrocentos e setenta e três euros), pela prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 31.º, n.ºs 1 e 2, da LFP;

b) Ao arguido Partido Ecologista “Os Verdes”, enquanto partido integrante da CDU – Coligação Democrática Unitária, uma coima no valor de 10 e ½ (dez e meio) SMN de 2008, perfazendo a quantia de € 4.473,00 (quatro mil quatrocentos e setenta e três euros), pela prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 31.º, n.ºs 1 e 2, da LFP;

c) Ao arguido Martinho José Batista, enquanto mandatário financeiro, uma coima no valor de 1 e ½ (um e meio) SMN de 2008, perfazendo a quantia de € 639,00 (seiscentos e trinta e nove euros), pela prática da contraordenação prevista e punida pelo artigo 31.º, n.º 1, da LFP.

4. Inconformados, os...

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