Acórdão nº 37/22 de Tribunal Constitucional (Port, 18 de Janeiro de 2022

Magistrado ResponsávelCons. José João Abrantes
Data da Resolução18 de Janeiro de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 37/2022

Processo n.º 1280/2021

1ª Secção

Relator: Conselheiro José João Abrantes

Acordam, em Conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – A Causa

1. Nos presentes autos, que correm termos na 4.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra, sob o número 127/21.1YRCBR, o Ministério Público requereu a extradição para a Federação Russa do cidadão russo A., ora Recorrente – atualmente detido preventivamente em Estabelecimento Prisional (cfr. informação prestada a fls. 339 e 339v) –, para efeitos de procedimento criminal, nos termos do artigo 50.º, n.º 2, da Lei de Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal, aprovada pela Lei n.º 144/99, de 31 de agosto (doravante designada por “LCJ”).

1.1.1. Procedeu-se à audição do Extraditando, nos termos do artigo 54.º da LCJ, tendo este declarado opor-se ao pedido de extradição e não renunciar ao benefício da regra de especialidade.

1.1.2. O Extraditando deduziu oposição ao pedido de extradição, cujos fundamentos foram contraditados pelo Ministério Público, ao abrigo do artigo 55.º, n.ºs 1 e 3, da LCJ.

1.1.3. Por acórdão proferido em 30 de setembro de 2021, o TRC decidiu autorizar a extradição do Extraditando para a Federação Russa para efeitos de procedimento penal pelo crime de “ocupação da posição mais alta na hierarquia criminal”, previsto e punido pelo artigo 210.1. do Código Penal da Federação Russa (cfr. fls. 119 a 139).

1.1.4. Após diversas vicissitudes que conduziram à repetição da notificação do acórdão do TRC (cfr. fls. 215), em 5 de novembro de 2021, o Extraditando interpôs recurso para o STJ (cfr. fls. 226 a 236), extraindo das respetivas alegações as seguintes conclusões:

“[…]

1. O extraditando recorre de toda a matéria de direito por entender que a notificação da decisão é nula, por verificar-se nulidade do acórdão por omissão de pronúncia, nulidade por falta de diligências obrigatórias e de erro de julgamento na aplicação do Direito aos factos.

2. A notificação da decisão é nula por falta de notificação pessoal ao extraditando da decisão devidamente traduzida por escrito (nem sequer oralmente, apesar de ter sido entregue em mão por tradutora oficial), nos termos do disposto no n.º 2 do art.92.º, do n.º 10 do art.113.º, a al. c) do n.º 2 do art.120.º, todos do CPP, aplicável ex vi n.º 2 do art.3.º da Lei de Cooperação Judiciária.

3. Uma interpretação das referidas normas no sentido de basta a mera intervenção de intérprete, cuja conduta não é sindicável pelo Tribunal, para que a notificação se considere regularmente efetuada e como tal, de que não é necessária tradução, por escrito, para a língua do extraditando da decisão final é inconstitucional por violação das garantias de defesa próprias de um processo penal consagradas no art.32.º da Constituição da República Portuguesa.

4. O Despacho datado de 10/09/2021 padece de nulidade por força da omissão de pronúncia da Mma. Juíza sobre os documentos juntos com a oposição, nos termos do disposto na al. c) do n.º 1 do art. 379.º do CPP.

5. Do n.º 2 do art. 56.º da Lei de Cooperação Judiciária resulta a obrigatoriedade de que terminada a produção de prova o defensor do extraditando seja notificado para em cinco dias juntar aos autos alegações finais, sob pena de violação do princípio do contraditório.

6. Tal formalidade foi completamente omitida, consubstanciando assim uma nulidade, nos termos da al. d) do n.º 2 do art. 120.º do CPP e do art. 56.º da Lei de Cooperação Judiciária.

7. A interpretação em sentido distinto, i.e. no sentido de o n.º 2 do art.56.º da Lei de Cooperação Judiciária não obriga a que seja o defensor do extraditando notificado para apresentar alegações escritas é inconstitucional por violação das garantias de defesa, máxime do contraditório consagrado n.º 5 do art.32.º da Constituição da República Portuguesa.

8. O Venerando Tribunal fundamentou a sua decisão final nos elementos documentais que acompanham o processo de extradição, referentes à aplicação de medidas coativas pelas Autoridades Russas e não no teor do pedido, esse sim, a que se refere o art. 23.º e o art. 12.º da Convenção Europeia de Extradição.

9. No entanto, a fundamentação de que o Tribunal se socorre é manifestamente insuficiente, uma vez que a dupla negativa utilizada («não se retira que não existia lei penal anterior») aparenta revelar um desconhecimento sobre o Código Penal Russo que é incompatível com as garantias que o princípio da legalidade – como princípio estruturante de um processo penal de um Estado de Direito – deve assegurar.

10. Da factualidade que consta do ponto 2.1.2 resulta imputado a prática do alegado crime é sempre referido o período entre 1980 e agosto de 2019, e em momento algum é referida uma outra qualquer data que permite balizar quando os alegados crimes foram praticados, o que seria desde logo de uma generalidade incompatível com a natureza e relevância que o processo de extradição assume na cooperação judicial entre os Estados.

11. No seu pedido de extradição a Federação Russa não faz qualquer referência à possibilidade de os alegados crimes estarem a ser praticados fora do território como faz expressamente referência ao facto de os mesmos estarem a ser praticados dentro das suas fronteiras, pelo que o Venerando Tribunal não poderia concluir em sede de apreciação judicial que os mesmos poderiam ser praticados noutro país.

12. Verificando-se que o assacado crime cuja prática lhe foi imputado, e a pena – em abstrato – legalmente cominada para o mesmo, não se encontravam consagrados no Código Penal Russo aquando da alegada prática dos factos e estando vedada a apreciação sobre a forma em que poderia ser praticado o crime, o Venerando Tribunal, ao decidir pela extradição violou o disposto no n.º 1 do art. 7.º da Convenção Europeia de Extradição e na alínea a) do n.º 1 do art. 6.º do Lei de Cooperação Judiciária.

13. Acresce que uma interpretação da al. a) do n.º 1 do art. 6.º da Lei de Cooperação Judiciária no sentido de que os factos descritos no pedido não têm de estar devidamente enquadrados no tempo e lugar e que essa informação pode resultar de outros elementos do processo é inconstitucional por violação dos princípios da segurança jurídica e da legalidade criminal, consagrados, respetivamente, nos arts. 2.º e n.º 1 do artigo 29.º da Constituição da República Portuguesa.

14. Não obstante o Venerando Tribunal ter dado como não provado o alegado nos arts. 62.º a 74.º da oposição, facto é que da fundamentação da decisão ora recorrida resulta que a apreciação das garantias jurídicas foi meramente formal e não material.

15. No entanto, para que seja aferido que o Estado Requerente cumpre as exigências indispensáveis de um procedimento penal internacionalmente reconhecido não basta uma qualquer suficiência formal.

16. Ao decidir que basta existir uma garantia formal – leia-se, um documento assinado por autoridade cuja competência inclusivamente se desconhece – para considerar que não se verifica a condição negativa de cooperação da extradição do art. 6.º, al. a), da Lei 144/99, de 31.08, e da reserva formulada por Portugal à Convenção Europeia de extradição com referência aos arts. 3.º e 6.º da CEDH, violou o Tribunal a quo manifestamente estas normas, bem como o art. 13.º da CEDH, colocando o extraditando em risco sério e iminente de violação daqueles seus direitos consagrados na CEDH e na nossa Lei Fundamental.

[…]” (sublinhados nossos).

1.1.5. Por acórdão de 24 de novembro de 2021, o STJ julgou improcedente o recurso interposto pelo Extraditando e confirmou, na íntegra, a decisão do TRC (cfr. fls. 261 a 310).

1.2. Permanecendo inconformado, o Extraditando interpôs recurso desse acórdão para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (doravante, designada por “LTC”) – cfr. requerimento de interposição de recurso a fls. 315 a 328 –, enunciando as normas cuja conformidade constitucional pretende sindicar, nos seguintes termos:

a) Da inconstitucionalidade da norma constante do n.º 2 do artigo 92.º do Código de Processo Penal, por violação do disposto no artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa, em contexto de pedido de extradição regulado pelo regime constante da Lei 144/99 de 31 de agosto, quando interpretada no sentido de não ser necessária a notificação da decisão devidamente traduzida na língua da nacionalidade do extraditando;

b) Da inconstitucionalidade do disposto n.º 2 do art. 56.º da Lei de Cooperação Judiciária, segundo a interpretação efetuada pelo Tribunal recorrido, de que as alegações finais apenas têm lugar após produção de prova testemunhal e não após produção de prova documental produzida, por violação do princípio consagrado n.º 5 do art. 32.º da Constituição da República Portuguesa; e

c) Da inconstitucionalidade da alínea a) do n.º 1 do art. 6.º da Lei de Cooperação Judiciária, segundo a interpretação de que os factos descritos no pedido não têm de estar devidamente enquadrados em termos de tempo e lugar, por violação dos princípios da segurança jurídica e da legalidade criminal, consagrados, respetivamente, nos arts. 2.º e n.º 1 do artigo 29.º da Constituição da República Portuguesa.

1.2.1. O recurso foi admitido, com efeito suspensivo, por despacho de 10 de dezembro de 2020 (cfr. fls. 330).

1.2.2. Neste Tribunal, e em sede de exame preliminar do Conselheiro Relator, foi proferida a Decisão Sumária n.º 749/2021, ao abrigo do artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, que decidiu não conhecer do objeto do recurso, com a seguinte fundamentação:

“[…]

2.1. A primeira questão de inconstitucionalidade identificada pelo Recorrente consiste na interpretação do artigo 92.º, n.º 2, do CPP, aplicável em contexto de pedido de extradição regulado pela Lei n.º 144/99, de 31 de agosto, quando interpretado no sentido de não...

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