Acórdão nº 30/22 de Tribunal Constitucional (Port, 18 de Janeiro de 2022

Magistrado ResponsávelCons. Teles Pereira
Data da Resolução18 de Janeiro de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 30/2022

Processo n.º 361/2021

1.ª Secção

Relator: Conselheiro José António Teles Pereira

Acordam, em Conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – A Causa

1. Nestes autos, vindos do Supremo Tribunal Administrativo (STA), A. – Sucursal em Portugal (a ora recorrente), veio interpor recurso de constitucionalidade, sob invocação da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15 de novembro [LTC]), do acórdão exarado naquele tribunal em 24/02/2021, que, tomando conhecimento do mérito do recurso interposto pela Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos do artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) ex vi artigo 25.º, n.os 2 e 3 do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, na redação da Lei n.º 119/2019, de 18 de setembro (RJAT), lhe concedeu provimento, anulando a decisão arbitral recorrida (que, julgando totalmente procedente o pedido de pronúncia deduzido pela A. – Sucursal em Portugal, havia decidido anular o ato de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra o ato de autoliquidação de IVA relativa ao período de dezembro de 2016; anular parcialmente o ato de autoliquidação de IVA relativa ao período de dezembro de 2016, constante de declaração periódica de substituição, na parte referente ao IVA suportado indevidamente; por fim, condenar a Autoridade Tributária ao pagamento à aqui recorrente do valor de juros indemnizatórios vencidos e vincendos, calculados à taxa legal, até efetivo e integral pagamento).

1.2. A ora recorrente delimitou, no requerimento de interposição do recurso, o objeto respetivo do seguinte modo:

“[…]

[R]equer que seja admitido recurso para o Tribunal Constitucional

Daquele Acórdão, na parte em que aplica e interpreta o artigo 23.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (“CIVA”), no sentido de que o mesmo prevê a possibilidade de se adotar um método da percentagem de dedução (prorata) sujeito a condições especiais, sendo que tal previsão, embora prevista na Diretiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006 (“Diretiva IVA”), não foi transposta para o ordenamento jurídico português, o que determina a violação do princípio da legalidade, consagrado no artigo 112.º n.º 5 da Constituição da República Portuguesa (“CRP”) e o princípio de reserva de lei, consagrado nos artigos 103.º e 165.º n.º 1 alínea i) da CRP […].

[…]”.

1.2.1. O recurso foi admitido no STA, por despacho de 09/04/2021.

1.2.2. No Tribunal Constitucional, a Senhora Juíza Conselheira relatora proferiu a Decisão Sumária n.º 424/2021, no sentido do não conhecimento do objeto do recurso. Assentou tal decisão nos fundamentos seguintes:

“[…]

3. O Tribunal Constitucional tem entendido, de modo reiterado e uniforme, serem requisitos cumulativos do recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, a existência de um objeto normativo – norma ou interpretação normativa – como alvo da apreciação, o esgotamento dos recursos ordinários (artigo 70.º, n.º 2, da LTC), a aplicação da norma como ratio decidendi da decisão recorrida, a suscitação prévia da questão de constitucionalidade normativa, de modo processualmente adequado e tempestivo (artigo 280.º, n.º 1, alínea b), da Constituição da República Portuguesa e artigo 72.º, n.º 2, da LTC).

4. Ora, da análise da admissibilidade do presente recurso à luz dos enunciados pressupostos verifica-se, com pertinência imediata, e sem curar de atentar aos demais requisitos de que depende o conhecimento de mérito do recurso, que a recorrente não observou o ónus da suscitação prévia e adequada da questão de constitucionalidade que apresenta como objeto do recurso.

Assinala-se, antes do mais, que o ónus da suscitação atempada e processualmente adequada da questão de constitucionalidade traduz uma exigência formal essencial, como, aliás, tem sido considerado pelo Tribunal Constitucional (cfr., entre muitos outros, Acórdãos n.os 156/2000 e 195/2006, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt, assim como os demais arestos adiante citados). A verificação de tal pressuposto encontra-se dependente da enunciação da questão de constitucionalidade «durante o processo» (artigo 72.º, n.º 2, da LTC), de forma clara, expressa, direta e percetível, acompanhada de uma fundamentação minimamente concludente, assim possibilitando que o tribunal recorrido sobre ela se pronuncie. Em suma, de acordo com o Acórdão n.º 421/2001, «uma questão de constitucionalidade normativa só se pode considerar suscitada de modo processualmente adequado quando o recorrente identifica a norma que considera inconstitucional, indica o princípio ou a norma constitucional que considera violados e apresenta uma fundamentação, ainda que sucinta, da inconstitucionalidade arguida. Não se considera assim suscitada uma questão de constitucionalidade normativa quando o recorrente se limita a afirmar, em abstrato, que uma dada interpretação é inconstitucional, sem indicar a norma que enferma desse vício, ou quando imputa a inconstitucionalidade a uma decisão ou a um ato administrativo».

É este o sentido do requisito que corresponde à legitimidade do recorrente e à natureza da intervenção do Tribunal Constitucional em via de recurso, ou seja, para reapreciação de uma questão suscitada antes da prolação da decisão recorrida e sobre a qual se tenha pronunciado o juiz a quo (cfr., v.g., os Acórdãos do Tribunal Constitucional n.os 352/94, 155/95, 618/98, 519/2012, 442/2013).

Retomando o caso dos autos, da análise das alegações do recurso interposto pela recorrente para o Supremo Tribunal Administrativo – momento que, in casu, se revela o processualmente atempado ao cumprimento do ónus em análise – verifica-se que a recorrente não confrontou o tribunal a quo com a problematização da inconstitucionalidade de qualquer interpretação do artigo 23.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado. Com efeito, em tal momento processual a recorrente invocou que «O método de dedução do imposto estabelecido pela AT no Ofício-Circulado n.º 30108 não está previsto na lei, pelo que uma liquidação de imposto efetuada com base no mesmo – o caso em apreço – é necessariamente ilegal, por incumprimento do disposto nos artigos 20.º e 23.º do CIVA e do princípio da neutralidade fiscal, por violação do princípio da legalidade consagrado no artigo 112.º n.º 5 da CRP e artigo 55.º da LGT, e por violação do princípio da reserva de lei consagrado nos artigos 103.º e 165.º n.º 1 alínea i) da CRP» (cfr. Conclusão Q). Mais concluiu que «deverá ser mantida a decisão recorrida, com fundamento de que a liquidação de IVA em apreço incorre em vício de violação de lei, na parte correspondente ao IVA suportado indevidamente no valor de € 184.330,65, por incumprimento do disposto nos artigos 20.º e 23.º do CIVA e do princípio da neutralidade fiscal, violação do princípio da legalidade consagrado no artigo 112.º, n.º 5 da CRP e artigo 55.º da LGT, e violação do princípio da reserva de lei consagrado nos artigos 103.º e 165.º n.º 1 alínea i) da CRP, e ainda, por incumprimento, do Direito da União Europeia, em particular o artigo 173.º n.º 2 alínea a) da Diretiva IVA» (cfr. conclusão V).

Nestes termos, não se verificando o cumprimento do requisito da suscitação prévia e adequada da questão de constitucionalidade, e mostrando-se ociosa a apreciação dos restantes pressupostos de admissibilidade do recurso, face à sua necessária verificação cumulativa, conclui-se, desde já, pela respetiva inadmissibilidade.

[…]”.

1.2.3. Desta decisão reclamou a recorrente para a conferência, invocando o seguinte:

“[…]

4.º

A fundamentação apresentada pelo Recorrente, em sede de contra-alegações de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo ("STA") e, em momento anterior, apresentada em sede de pedido de pronúncia arbitral, centrou-se, única e exclusivamente, sobre a questão de o artigo 23.º do CIVA não prever a possibilidade de impor aos sujeitos passivos um método da percentagem de dedução (prorata) sujeito a condições especiais, a qual, embora prevista na Diretiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006 ("Diretiva IVA"), não foi transporta para o ordenamento jurídico português.

5.º

Conforme alega o Recorrente junto do Tribunal a quo, a acima referida questão levanta um problema de constitucionalidade, dado que, não tendo suporte legal o método definido pelo ponto 9 do ofício-circulado n.º 30108 da Autoridade Tributária e Aduaneira ("AT"), em...

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