Acórdão nº 081/15.2BEFUN de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 12 de Janeiro de 2022

Magistrado ResponsávelJOSÉ GOMES CORREIA
Data da Resolução12 de Janeiro de 2022
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo 1.– Relatório Vem interposto recurso jurisdicional pela Representante da Fazenda Pública, visando a revogação da sentença de 14-04-2021, do Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal, que julgou improcedentes as exceções dilatórias inominadas de “erro no objeto” e de “falta de interesse em reagir contra o indeferimento liminar da reclamação graciosa ora impugnada” e procedente a impugnação judicial intentada por A………………., LDA.

, com os sinais dos autos, contra o acto de autoliquidação de IRC do exercício de 2012, no qual foi apurada derrama regional no montante de € 712.997,95.

Inconformada, nas suas alegações, formulou a recorrente Representante da Fazenda Pública, as seguintes conclusões: A. Por aplicação analógica integral dos fundamentos acolhidos no Acórdão do STA de 02/12/220 proferido no Processo 194/17.6BEALM, o Tribunal recorrido entendeu que a derrama regional de 2012 seria um imposto extraordinário sobre lucros e despesas por ter sido criada e integrada em diploma legal destinado a vigorar durante um período limitado de tempo, num só ano económico, (lei de orçamento regional), se bem que mantida em anos subsequentes pelos vários orçamentos da Região Autónoma da Madeira subsequentes.

  1. Mais referindo na sentença recorrida que a derrama regional é dogmaticamente distinta da derrama estadual prevista nos termos do artigo 87.º-A do CIRC, pois a derrama estadual constitui uma receita ordinária, tendo sido “instituída para vigorar ordinariamente, isto é, em todos os exercícios” C. Concluiu a sentença recorrida que a derrama regional de 2012, sendo imposto extraordinário, é “enquadrável na previsão contida na alínea e) do art. 7.º do Decreto-Lei n.º 165/86, de 26 de junho, e que a esta conclusão não obstam as limitações/alterações introduzidas pelos Decretos Legislativos Regionais n.ºs 2/2011/M, de 10 de janeiro, e n.º 5-A/2014/M, de 23 de julho.” D. A Fazenda Pública entende que a sentença recorrida enferma de erro de julgamento, quanto aos pressupostos de direito, decorrente da qualificação da derrama regional como “imposto extraordinário sobre lucros e despesas” e da consequente aplicação à derrama regional da isenção estabelecida na alínea e) do art.º 7.º do Decreto-Lei n.º 165/86, de 26 de junho.

  2. Com efeito, a derrama regional foi criada pelo art.º 3.º do Decreto Legislativo Regional n.º 14/2010/M, de 5 de agosto, ao abrigo da alínea f) do n.º 1 do artigo 37.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira, conjugados com o n.º 1 do artigo 56.º da Lei Orgânica n.º 1/2010, de 29 de março, e do artigo 2.º da Lei n.º 12A/2010, de 30 de junho, que aprovou a lei de consolidação orçamental, tendo sido o regime jurídico da derrama regional republicado e regulamentado no Decreto Legislativo Regional n.º 5-A/2014/M, de 23 de julho, F. E da génese deste regime podemos retirar que o mesmo veio adaptar às especificidades regionais, os artigos 87.º-A e 105.º-A do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas.

  3. Do mesmo modo que a derrama estadual constante do artigo 87.ºA do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, também a derrama regional foi instituída para vigorar ordinariamente, isto é, para o futuro em todos os exercícios, e não extraordinariamente.

  4. Com efeito, a leitura do texto da Lei n.º 12-A/2010, de 30 de junho demonstra que a criação da derrama estadual tem uma finalidade de consolidação orçamental, enquadrando-se a derrama estadual num conjunto de medidas adicionais de consolidação orçamental que visam reforçar e acelerar a redução de défice excessivo e o controlo do crescimento da dívida pública previstos no Programa de Estabilidade e Crescimento.

    I. E foi com a mesma finalidade de consolidação orçamental que a Região Autónoma da Madeira adaptou o sistema fiscal nacional de derrama estadual às especificidades regionais nos termos do artigo 56.º da Lei Orgânica n.º 1/2010, de 2 de setembro, normativos que fundamentaram a derrama regional.

  5. Aliás, se atentarmos ao teor do preâmbulo e artigo 3º do Decreto Legislativo Regional n.º 14/2010/M de 5 de agosto, tal leitura demonstra que a derrama regional não constitui nenhuma das formas de financiamento extraordinário da Região Autónoma da Madeira determinadas na Lei Orgânica n.º 2/2010, de 16 de junho, (que fixou os meios que asseguram o financiamento na Região Autónoma da Madeira em 2012).

  6. E se compararmos o teor deste diploma legal com o da Lei n.º 12-A/2010, de 30 de junho, torna-se evidente a finalidade única e análoga de consolidação orçamental de ambas as derramas, não podendo a derrama regional ser qualificada como um imposto extraordinário, porque o regime vigente e aplicável não teve como fim a obtenção de receitas extraordinárias, não foi destinada a necessidades orçamentais extraordinárias, nem por um período de tempo limitado.

    L. A derrama regional constitui, isso sim, a adaptação às especificidades regionais, os artigos 87.º-A e 105.º-A do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-B/88, de 30 de novembro, e republicado pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro.

  7. Assim sendo, tendo em conta a génese do objetivo da criação da derrama regional, de adotar à Região os artigos 87-A e 105-A do CIRC, tendo em conta que a derrama regional não está incluída no rol de meios de financiamento extraordinários previstas na Lei Orgânica n.º 2/2010, de 16 de junho, então não existe fundamento para concluir que, neste caso, a derrama regional tenha carácter temporário e transitório, ao invés do que entendeu a Sentença recorrida N. Por identidade com a derrama estadual, a derrama regional tem a finalidade de consolidação orçamental, não tem carácter extraordinário, nem temporário, como evidencia o cotejo do disposto na Lei n.º 12-A/2010, de 30 de junho.

  8. A não ser assim, questionamo-nos então o seguinte: fosse a derrama regional um imposto extraordinário, o que só por mero dever de cautela se hipoteniza, então não deveria incidir derrama estadual e derrama regional conjuntamente sobre o lucro tributável das empresas com sede na Região Autónoma da Madeira? P. Ora, obviamente que tal não se verifica, porque não há, nem pode haver, incidência conjunta de taxa de derrama regional e de derrama estadual sobre o mesmo lucro tributável, do mesmo sujeito passivo, com sede na RAM.

  9. Na verdade, o regime jurídico da derrama regional aplica-se na RAM, em substituição do da derrama estadual, porque a derrama regional não é mais do que a adaptação à região da derrama estadual.

  10. Têm ambas a mesma natureza, mesmo conteúdo dogmático, mesmo objetivo, mesma incidência.

  11. O facto de, historicamente, a vigência da derrama regional ter sido integrada e sucessivamente prorrogada pelos vários Orçamentos da Região Autónoma da Madeira, desde 2010, resulta apenas do cumprimento dos princípios orçamentais da anualidade e da universalidade previstos, respetivamente, no n.º 1 e 4 do art.º 4.º e no n.º 2 do art.º 5.º, da Lei n.º 91/2001, de 20 de agosto.

  12. Alias, o preâmbulo do Decreto Legislativo Regional n.º 5/2012/M, de 30 março, que aprovou o Orçamento da Região Autónoma da Madeira para 2012, explica que esse Orçamento «cumpre com os diversos princípios e regras orçamentais estabelecidos na Lei de Enquadramento do Orçamento, nomeadamente as regras da anualidade, do equilíbrio, da não consignação, do orçamento bruto, da especificação, da unidade e da universalidade» e que dá continuidade à implementação de medidas necessárias à sustentabilidade e estabilização das finanças públicas da Região e à salvaguarda dos seus compromissos financeiros.

  13. E foi neste contexto que o disposto no art.º 15.º do Decreto Legislativo Regional n.º 5/2012/M, (inserido no Capítulo V, respeitante à «Adaptação do sistema fiscal nacional às especificidades regionais»), prorrogou a vigência do regime da derrama regional para o exercício de 2012, com o propósito de consolidação orçamental.

    V. Note-se alias a referência feita na sentença recorrida, quanto à natureza da derrama local.: “A derrama local constava ao tempo do artigo 14.º da Lei n.º 2/2007, de 15 de janeiro e consta atualmente do artigo 18.º da Lei n.º 73/2013, de 3 de setembro (Lei das Finanças Locais). Como se refere no Acórdão do Tribunal Constitucional de 9 de abril de 2013 (acórdão n.º 197/2013), perdeu o carácter extraordinário porque se apresenta agora como um «mecanismo corrente de financiamento dos municípios». Ou seja, a derrama local constitui atualmente uma receita ordinária dos municípios (que se repete, por natureza, todos os anos), embora o seu lançamento esteja dependente de uma deliberação anual.

  14. Neste mesmo sentido, entendemos que a derrama regional constitui uma receita ordinária embora haja, quanto a esta, uma deliberação anual em sede de orçamento regional.

    X. O que a derrama regional, in casu, não pode ser, é um imposto extraordinário sobre lucros e despesa, pois constitui uma mera adaptação sem alterações do regime da derrama estadual, vigorando para o futuro na região Autónoma da Madeira, em substituição da derrama estadual, não sendo temporária nem extraordinária, nem se destina a suportar despesas extraordinárias que estejam taxativamente enumeradas nas leis orçamentais.

  15. Ao não poder ser a derrama regional caracterizada como imposto extraordinário sobre lucros e despesas, então esta não poderá ser enquadrada na previsão da alínea e) do art.º 7.º do Decreto-Lei n.º 165/86, de 26 de junho, pelo que a sentença recorrida incorre em erro de julgamento na aplicação do direito.

  16. A sentença a quo incorre ainda em erro de julgamento de direito, por violação do princípio da legalidade fiscal e da proibição de integração analógica no âmbito de benefícios fiscais, ao decidir que a Impugnante, enquanto entidade licenciada a operar na Zona Franca da Madeira, no ano de 2012, está isenta do pagamento de derrama regional...

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