Acórdão nº 335/21.9BELLE de Tribunal Central Administrativo Sul, 06 de Janeiro de 2022

Magistrado ResponsávelANA CRISTINA LAMEIRA
Data da Resolução06 de Janeiro de 2022
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul I. RELATÓRIO M...e P... - Unipessoal, lda, intentaram no Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé o presente processo cautelar contra APA – Agência Portuguesa do Ambiente, Administração da Região Hidrográfica do Algarve (doravante APA), cujo pedido consistia no decretamento da providência cautelar de “(…) suspensão da eficácia dos atos administrativos vertido nos despachos vertidos nos despachos do Diretor Regional da Administração da Região Hidrográfica do Algarve, datados de 22/02/2021 e de 20/05/2021, que, respetivamente, anulou os atos de autorização da transmissão das licenças nºs … e 1…, de 09/02/2018, e determinou o averbamento das referidas licenças em nome de ... ”.

Indicaram como contra-interessados: D... (D) e F... ... (F... ) A sentença recorrida proferida em 17.09.2021 decidiu julgar: i. improcedente a excepção de ilegitimidade ativa; ii. procedente a exceção de ilegitimidade passiva, relativamente ao 2.º Contra-interessado F... ... , absolvendo o mesmo da instância; iii. improcedente a presente acção, recusando-se a adoção da providência cautelar de suspensão requerida.

Inconformados, os Requerentes, ora Recorrentes, vieram interpor o presente recurso para este TCA Sul, retirando-se das Alegações recursivas as conclusões que, de seguida, se transcrevem: “

  1. A douta sentença recorrida, no facto provado sob a alínea F), omitiu que os autos de inventário transitaram em julgado em 10/05/2019, facto este fundamental para se interpretar o efeito da decisão homologatória da partilha proferida a 15/02/2017.

  2. Deve pois ser declarado assente que o inventário judicial, e consequentemente, a homologação da partilha entre D... e M... apenas ocorreu a 10/05/2019 – tal como consta da certidão judicial junta aos autos como documento nº 11 que instrui o requerimento inicial, exatamente o mesmo documento que serviu de base à prova do facto levado à alínea F) da sentença.

  3. A douta sentença também omitiu a matéria relativa aos elevados prejuízos que os recorrentes sofrem por consequência da anulação das licenças de viveiros em causa, matéria fundamental para apurar da necessidade de suspensão da decisão administrativa recorrida.

  4. Consequentemente, deve declarar-se que interessam à boa decisão da causa os factos alegados nos arts. 27 a 44 do requerimento inicial, que versam sobre a instalação e produção dos viveiros, suas causas, custos e prejuízos.

  5. Estando tais factos controvertidos, deve remeter-se os autos à primeira instância, para julgamento.

  6. A douta sentença recorrida – omitindo os supra indicados factos, devidamente alegados – incorreu em nulidade, por omissão de pronúncia, com violação do disposto nos arts 94, nº 3, e 95, nº 1, do CPTA, bem como do art. 615, nº 1, d), do CPC.

  7. Como disposto no art. 94, nº 3 do CPTA, a sentença deve discriminar os factos que julgue provados.

  8. A douta sentença declara provado o teor de comunicações, requerimentos e pareceres, quando deveria apenas dar por provado que tais atos foram praticados i) considera provadas as conclusões ou excertos de requerimentos – como sucede designadamente a fls. 58 a 68 da sentença, em que os argumentos expendidos nos pareceres e requerimentos são levados à fundamentação enquanto factos; j) Consequentemente, devem eliminar-se os factos declarados provados que contêm meros argumentos das partes, designadamente os factos M, P, S, U, W, Z e BB, na parte em que reproduzem o teor de textos de pareceres, requerimentos e decisões, por serem ilegais, nos termos do citado art. 94, nº 3, do CPTA.

  9. A douta sentença incorre em dualidade de critérios quando, por um lado, declara que F... praticou um artifício fraudulento na transmissão das licenças para M... e, por outro, o declara parte ilegítima, na medida em que a decisão a tomar não o afeta.

  10. F... é pessoal e diretamente afetado pela decisão que o refere como potencial criminoso, como violador do direito substantivo e como fraudulento relativamente à Administração, pelo que deve beneficiar do direito ao contraditório e do direito de defesa nos próprios autos em que tais questões são debatidas.

  11. Ora, pelos motivos supra alinhavados, atento o disposto no art. 57 do CPTA, F... deve ser declarado parte legítima, por ter interesse direto na manutenção ou não anulação dos atos de transmissão das licenças.

  12. Na fase administrativa, a APA teve dualidade de critérios: primeiro, como consta do facto provado na alínea P) da sentença, entendeu que a falta de trânsito em julgado da sentença homologatória da partilha impedia a pretensão de D... à anulação da transmissão dos viverios de F... para M... ; subsequentemente, veio a expender os considerandos que a sentença recorrida reproduz para determinar a mesma anulação das transmissões de licenças.

  13. Se é certo que com o divórcio cessam os poderes de administração dos cônjuges (como citado pela APA e pela sentença), não menos certo é que, pelo inventário, os poderes de administração dos bens comuns cabem ao cabeça-de-casal, no caso F... , por ser mais velho – nos termos do art. 1404 do CPC em vigor em 2011, pelo que F... tinha poderes de administração dos viveiros – como aliás resulta dos factos provados A) a E).

  14. Como decorre dos factos provados A), B) e C), apenas F... era detentor de 3 licenças para manutenção de estabelecimentos de culturas de bivalves, sendo direitos pessoais, fora do comércio incomunicáveis pelo regime de bens do casamento, porquanto se enquadram no disposto no art. 1733, nº 1, c), do Código Civil.

  15. Portanto, F... transmitiu as licenças em causa nos autos, nos termos impostos pelo ponto 9 dos títulos (Alíneas A), B e C)), que determina que se deve sujeitar a transmissão a prévia aprovação da autoridade administrativa – e sendo ele mesmo o titular, agiu no convencimento desse direito.

  16. A transmissão a favor de D... dá-se por decisão judicial – como ressuma dos factos provados – a qual apenas transitou em julgado em 2019 e, nesta data, já F... havia transmitido as licenças a M... – vide factos provados I), J) e K) – a transmissão para M... ocorreu por decisão da APA proferida a 09/08/2018.

  17. A sentença recorrida comete o erro de ignorar a data do trânsito em julgado da decisão do inventário e, mais, duplica-o, quando considera que o que transita em julgado é a sentença homologatória de 2017.

  18. A sentença não transitada não tem eficácia externa e não faz caso julgado material, não é oponível a APA ou a qualquer outra entidade, salvo mediante execução ou outra medida conservatória, sendo certo que não é a sentença confirmada em recurso que adquire foros de caso julgado, mas sim o acórdão final (vide CPC Anotado, III, pp. 380-382, reimpressão, 1984), entendimento está espelhado na certidão judicial (doc. 11 do requerimento inicial), que fixa a data do trânsito dos autos e não da sentença inicial.

  19. Consequentemente, mui erradamente julgou a douta sentença recorrida, violando o disposto no art. 619, nº 1 do CPC, ao aplicar ao caso dos autos decisão que, à data da transmissão das licenças de F... para M... , não estava transitada em julgado.

  20. Não há pois artifício fraudulento: a APA não exigiu a F... declaração alguma sobre o seu estado civil, não ordenou sequer a identificação do cônjuge, simplesmente aceitou a transmissão porquanto era ele o titular das licenças – e assim deve ser.

  21. Como ensina a nossa jurisprudência, o silêncio, a omissão tem de ser operante, o que se traduz num aproveitamento do erro em que o enganado já se encontra (Ac. STJ de 29/02/1996 (Processo 046740, consultável em www.dgsi.pt). No caso, não se verifica tal pressuposto: a APA não está em erro, simplesmente não precisa de saber do estado civil do transmitente.

  22. A sentença homologatória de partilha não tem efeito algum para a transmissão das licenças, pois não foi submetida à autorização da APA – e como não estava transitada não teve efeito material, real, de transmissão dos estabelecimentos (salvo um ano depois da transmissão da licença para o recorrente).

  23. Alheio a tais questões do inventário e de partilha estava o aqui recorrente M... , que julgou acreditar na validade das licenças e na certificação da APA, quando esta entidade decidiu autorizar a transmissão dos viveiros. O recorrente estava e está de boa fé – que não é questionada por qualquer interveniente.

  24. Supondo que F... não podia transmitir os viveiros, não se conclui de imediato pela nulidade do negócio e pela destruição dos seus efeitos: estando o comprador de boa fé, está o vendedor obrigado a convalidar o contrato (art. 897 do CC). E, tendo o vendedor a posse dos viveiros (vide factos provados A) a E)), a alienação das licenças não pode ser anulada, por força do disposto no art. 2076, estando como está o transmissário de boa fé.

    a

  25. Certo é que o beneficiário da transmissão foi o recorrente M... , que estava de boa fé. Portanto, não se lhe pode aplicar uma norma que visa punir o beneficiário de má fé.

    bb) Mal andou a douta sentença ao declarar F... , o transmitente, beneficiário do ato de transmissão dos viveiros. E mal andou ao desconsiderar a boa fé e a violação do princípio da confiança relativamente ao recorrente M... , pelo que se violou o disposto no art. 163ª do CPA quanto a anulação administrativa, que como tal deve ser revogada”.

    A Contra-interessada, ora Recorrida, nas suas contra-alegações formulou as seguintes conclusões: “1ª O Recurso sobre a matéria de facto é claramente improcedente, não enfermando a douta sentença recorrida da nulidade que lhe é assacada pelos recorrentes.

    1. E o recurso sobre a matéria de direito é também manifestamente improcedente, não enfermando a douta, e bem fundamentada sentença do erro de julgamento que lhe é assacado pelos recorrentes.

    * A Entidade Requerida, APA, ora Recorrida, nas suas Contra-Alegações formulou as seguintes Conclusões: “

    1. Contrariamente ao alegado pelos Recorrentes, a Douta Sentença deu por provado que os autos de inventário e partilha entre os...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT