Acórdão nº 5837/19.4T8GMR.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 16 de Dezembro de 2021

Magistrado ResponsávelROSA TCHING
Data da Resolução16 de Dezembro de 2021
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA 2ª SECÇÃO CÍVEL *** I. Relatório 1. AA instaurou ação declarativa contra BB, pedindo que: a) - Fosse declarado e reconhecido que foi o A. quem, com dinheiro exclusivamente seu, proveniente e debitado da sua conta, pagou todas as prestações de capital, juros, impostos, seguros e outras despesas do contrato de mútuo que financiou a aquisição das fracções autónomas de que A. e R. são comproprietários; b) - Fosse condenada a R. a pagar ao A. a quantia de € 45.602,46, correspondente a metade de todas as prestações de capital, juros, impostos, seguros e outras despesas do contrato de mútuo que o A. pagou com dinheiro exclusivamente seu até agosto de 2019; c) - Fosse a R. condenada a pagar ao A. a quantia a apurar em execução de sentença correspondente a metade de todas as prestações de capital, juros, impostos, seguros e outras despesas do contrato de mútuo que o A. vier a pagar à CEMG, desde setembro de 2019 até ao cumprimento e liquidação integral do contrato de mútuo.

Alegou, para tanto e em síntese, que: . A. e R. são comproprietários das fracções autónomas BR e H do prédio urbano identificado na petição inicial, adquiridas pelo A., por escritura pública de compra e venda e mútuo com hipoteca, em 21/09/2001, direito esse declarado na sentença proferida no processo n.° 8241/15.0…, . Naquele processo, foi ainda declarado dissolvida a união de facto entre A. e R., com efeitos a partir de 31/12/2014; . Todas as prestações da amortização do empréstimo foram debitadas da conta do A., que é único titular, sendo as prestações pagas com dinheiro exclusivamente do A.; . O A. pagou: até 31/12/2014, € 69.309,61; até agosto de 2019. € 91.204,92; após a dissolução da união de facto e até agosto de 2019, € 21.895,52; . Após agosto de 2019 e até 21/09/2021, o A. continuará a pagar montante que oportunamente liquidará em execução de sentença; . Apesar de só ser titular de metade das fracções autónomas, o A. sempre pagou e continuará a pagar sozinho o contrato de mútuo, o que gera um enriquecimento injustificado da R. à custa do património daquele.

  1. A ré apresentou contestação-reconvenção, em que: . Impugnou os factos alegados pelo A., sustentando que as fracções em referência foram compradas com o dinheiro obtido por via do contrato de mútuo que foi utilizado em exclusivo interesse do A.; . Invocou a exceção de caso julgado, face ao decidido nos processos n.° 8241/ 15...., n.° 1961/14.... (ação de prestação de contas) e n.° 4939/16...; . Invocou ainda a exceção de prescrição, porquanto à data da citação tinham decorrido quase 5 anos desde a data da dissolução da união de facto.

    E, em reconvenção, pediu a condenação do autor a pagar-lhe a quantia de € 116.650,00, acrescida de juros.

    Alegou, como fundamento deste pedido, a existência de um crédito seu perante o A., por força de negócios praticados aquando da união de facto e por o A. ter pago dívidas suas com dinheiro da R., sendo devedor da quantia de € 116.650,00.

  2. O autor deduziu réplica à matéria de exceção e impugnou os factos articulados pela ré.

  3. Findos os articulados, após audiência prévia, foi, em 02.09.2020, proferido despacho saneador que julgou verificada a exceção de autoridade de caso julgado e o seu efeito preclusivo decorrente da sentença proferida no processo n.° 8241/15.0…, absolvendo a ré da instância, e que não admitiu a reconvenção por não se verificarem os respetivos pressupostos de admissibilidade.

  4. Inconformado, com esta decisão, dela apelou o autor para o Tribunal da Relação de ..., que, por acórdão proferido em 17.12.2020, aprovado por unanimidade, julgou improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.

  5. Novamente inconformado com esta decisão, o autor dela interpôs recurso de revista, a título excecional, ao abrigo do art.° 672.°, n.° 1, alínea a), do CPC, formulando as seguintes conclusões, que se transcrevem: « 1. Ao abrigo do art.º 672.º, n.º 1, al. a) do CPC, vem o presente recurso interposto do douto acórdão de 17/12/2020, que julgou totalmente improcedente a apelação e confirmou a douta sentença recorrida de 02/09/2020, que julgou verificada a excepção de autoridade de caso julgado e, em consequência, absolveu a Ré da instância; 2. Está em causa nos autos a questão de saber se, tendo dois imóveis sido adquiridos só pelo A., durante a união de facto com a Ré, e tendo esta judicialmente ilidido a presunção do registo e sido declarada comproprietária de tais imóveis na proporção de ½, por não se ter concretamente apurado a sua concreta contribuição para a respectiva aquisição, assiste ao A., depois de judicialmente declarada a dissolução da união de facto, o direito a ser ressarcido / compensado pela Ré no valor correspondente a metade das prestações do empréstimo bancário que financiou a aquisição dos ditos imóveis, as quais têm sido pagas com dinheiro exclusivamente do A., quer antes, quer após a dissolução da união de facto; 3. Ou se, pelo contrário, tal pretensão do A. está vedada pelo caso julgado formado na acção judicial anterior; 4. E neste caso, se as prestações vencidas após a dissolução da união de facto (31 de Dezembro de 2014) estão também abrangidas pelo caso julgado.

  6. Apesar da questão jurídica em apreciação ser extremamente complexa, a mesma foi muito superficialmente abordada no douto acórdão recorrido, de tal ordem que nele se fazem afirmações e tecem-se conclusões contrárias à própria factualidade apurada no processo n.º 8241/15...., designadamente, olvidando-se só “parte do preço” da aquisição das fracções autónomas foi pago com recurso ao referido crédito bancário, posto que a restante parte foi paga com entrega de sinais; 6. Ainda, no douto acórdão recorrido não se cuidou de esclarecer qual a figura do “caso julgado” que se considerou verificada nos presentes autos, isto é, se na sua vertente formal (excepção dilatória de caso julgado) ou na sua vertente material (autoridade de caso julgado), o que não é irrelevante para a solução jurídica de mérito (a primeira conduz à absolvição da instância, enquanto a segunda conduz à aceitação dos factos julgados provados na primeira acção enquanto pressupostos indiscutíveis na segunda acção, levando à procedência ou improcedência [total ou parcial] do pedido); 7. Por outro lado, também no douto acórdão recorrido nada se diz sobre se se encontram reunidos os pressupostos da excepção dilatória de caso julgado, designadamente (“tríplice identidade” entre as causas); 8. Após aturada busca de jurisprudência nas bases de dados da “DGSI” sobre a questão jurídica supra identificada, tal qual perfilada nos presentes autos, não se logrou encontrar caso análogo ou com suficiente e relevante similitude; 9. A “questão genérica” do caso julgado (nas suas duas vertentes – “excepção de caso julgado” e “autoridade de caso julgado”) é, só por si, uma questão tradicionalmente complexa e controversa na doutrina e na jurisprudência, muitas vezes só materializável no caso concreto; 10. Por seu turno, a concreta “vexata quaestio” dos autos reveste ainda relevante ineditismo ou novidade, com interesse que extravasa os limites do caso concreto, face à cada vez mais frequente opção pela “união de facto” em detrimento do casamento, com as consequentes problemáticas patrimoniais, aquando da sua dissolução; 11. Conjunto de razões pelas quais, o A./Recorrente considera que está em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito (art.º 672.º, n.º 1, al. a) do CPC), julgando ter cumprido o ónus estipulado no artigo 672.º, n.º 2, al. a) do CPC.

  7. A causa de pedir formulada pelo A. parte da aceitação do decidido na Acção de Processo Comum n.º 8241/15.0…, que correu termos pelo Juízo Central Cível de ...., isto é, de que a Ré é comproprietária das fracções autónomas descritas no artigo 1.º da petição inicial, na proporção de 50%; 13. Naquela douta sentença já se aludia a que, só uma parte do preço da aquisição das fracções autónomas descritas no artigo 1.º da Petição Inicial tinha sido pago com recurso a crédito bancário, uma vez que a restante parte foi paga com entrega de sinais e, ainda, o produto da venda da fracção autónoma da Ré, situada na Rua ..., serviu para saldar a dívida que esta tinha para com o ... e assim proceder ao levantamento das hipotecas, no montante de €52.276,... e de €10.279,40; 14. Tendo o pagamento do preço daquelas fracções autónomas sido um acto instantâneo, praticado em 21 de Setembro de 2001 (sem prejuízo da prévia entrega dos sinais), aquando da celebração da escritura pública de compra e venda e mútuo com hipoteca, o que se discute nos presentes autos não é quem pagou o preço da aquisição das fracções autónomas descritas no artigo 1.º da Petição Inicial, mas sim se o A. tem procedido sozinho ao pagamento das prestações do aludido crédito bancário, as quais se têm vencido ao longo dos anos, mesmo após a data dos efeitos da dissolução da união de facto (31/12/2014); 15. Sendo a Ré comproprietária, na proporção de 50%, e face ao julgado provado no ponto 19. da aludida douta sentença, é obrigação daquela proceder ao pagamento das referidas prestações do crédito bancário, o que não faz e constitui fundamento da presente acção; 16. Ocorrendo, por isso, um empobrecimento do autor e um correspondente enriquecimento da Ré, em 50% do valor das prestações (considerando que o A. as paga na sua totalidade); 17. Em face do exposto, tudo quanto se julgou provado na Acção de Processo Comum n.º 8241/15.0…, que correu termos pelo Juízo Central Cível de ..., é aceite pelo A. e é até fundamento da presente acção, cuja causa de pedir é outra, totalmente distinta, que não colide com quem sejam os proprietários das fracções autónomas e com quem tenha procedido ao pagamento do seu preço, mas tão-somente diz respeito a quem está a suportar, sozinho (apesar de só ser comproprietário na proporção de 50%), as prestações do crédito bancário que continuam a vencer-se, mesmo...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
1 temas prácticos
1 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT