Acórdão nº 77/20.2T8SXL-A.L1-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 16 de Dezembro de 2021

Magistrado ResponsávelPEDRO MARTINS
Data da Resolução16 de Dezembro de 2021
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo identificados: A 10/01/2020, A intentou uma acção comum (que também qualifica como de despejo) contra R, pedindo que (a) “seja ordenada a citação do réu para proceder à desocupação do locado […] e que este proceda de imediato à restituição do imóvel ao autor, livre de pessoas e bens, por falta de pagamento de rendas, atento o disposto nos artigos 1083/3 e 1084/2, do CC, conjugados com o disposto nos artigos 14/4-5 e 15/2c da Lei 6/2006, de 27/02, na redacção dada pela Lei 79/2014, de 19/12; (b) cumulativamente seja o réu condenado a pagar ao autor, a titulo de rendas vencidas, 8170€, a que acrescem juros de mora civis à taxa legal, no valor de 254,71€, o que perfaz a quantia total em dívida de 8.424,71€ cuja execução desde já se requer cumulativamente; (c) por fim seja o réu condenado a pagar ao autor […] todas as despesas judiciais tidas com presente processo, quer com a acção de despejo, quer com a acção para execução de pagamento das rendas em dívida, onde se incluem as taxas de justiça e honorários com agente de execução, bem como as custas de parte.

Alegou para tanto, em síntese, que, em 01/07/2011, deu de arrendamento, por 5 anos, renováveis por períodos de 3 anos, ao réu, uma fracção autónoma para habitação por 430€ mensais; em 2015, o ré informou o autor que tinha ficado desempregado, solicitando uma redução temporária do valor da renda, devendo a compensação da diferença ser efectuada assim que o réu estivesse novamente empregado; por acordo verbal entre o autor e o réu, este ficou autorizado a proceder ao pagamento de 350€/mensais; em Junho de 2018, o réu informou o autor que já não se encontrava numa situação de desemprego, tendo o autor solicitado que o mesmo cumprisse o acordo verbal efectuado entre ambos, repondo o valor em falta das rendas vencidas; o réu, a partir de Junho de 2018 não pagou, como devia, a renda no valor mensal de 430€, fazendo apenas pagamentos parciais das rendas em dívida; estão em dívida as rendas de Julho de 2018 a Janeiro de 2020 (19 x 430€ = 8170€); apesar de alertado para cumprir o contrato, o réu disse que pagava quando quisesse o que bem lhe apetecesse; perante tal, o autor notificou, através de solicitador, em 21/11/2019, o réu da resolução do contrato de arrendamento, nos termos do disposto no art. 1084/2, ex vi art. 1083/3, ambos do CC; o réu aceitou receber a notificação e documentos anexos (comunicação da resolução do contrato de arrendamento) lendo-os na íntegra; porém, ao aperceber-se do seu conteúdo, devolveu-os, recusando-os, bem como recusou assinar a notificação; o réu continuou sem pagar e sem proceder à entrega do locado até hoje; assiste ao autor/senhorio o direito à resolução do contrato por se encontrar em falta o pagamento de mais de quatro rendas, seguidas ou interpoladas num período de 12 meses; vai dizendo ainda que: através do referido meio legal o autor declarou resolvido o contrato de arrendamento celebrado com o réu, assistindo-lhe ainda o direito de reclamar para além do valor das rendas vencidas, todas as que se vencerem até efectivo despejo; concretizando-se a resolução do referido contrato de arrendamento nos termos dos nºs 1 e 3 do art. 1083 do CC; o réu apesar de regularmente notificado não procedeu até à data à entrega do locado, bem sabendo que não é legítimo da sua parte ocupar o imóvel; encontrando-se em falta o pagamento de mais de quatro rendas, seguidas ou interpoladas num período de 12 meses, tornou-se inexigível ao autor a manutenção do contrato de arrendamento mencionado em 2º, assistindo-lhe, nessa medida, o direito à sua resolução (art. 1083/3-4 do CC).

O réu contestou em 11/06/2020, dizendo, em síntese, no que importa, que entre autor e réu ficou verbalmente estipulado que o valor da renda passasse dos 430€ mensais para 350€ mensais; o réu tem pago ao autor – nem sempre atempadamente - este valor com a aceitação do autor (embora o autor nunca tenha emitido recibos das rendas recebidas); assim sendo, o autor não pode agora vir exigir o pagamento de um montante diferente; não é verdade que a divida existente seja de 8.170€; o réu fez inúmeros pagamentos “à vista” ou seja, entrega de numerário em mão ao autor; tais quantias devem ser abatidas às rendas que o autor diz estarem em atraso; os pagamentos em numerário que atrás foram referidos foram feitos via multibanco e outros por depósito em conta (o autor nunca declarou tais montantes pois era uma forma que tinha de evitar pagamento de impostos); esses pagamentos são os que constam dos documentos 1 a 3 [não junta outros documentos]; os pagamentos seguintes foram feitos por transferência bancária: os meses de 01/02/2019; 01/03/2019 e 01/04/2019; pelo que todas as rendas estão pagas até 01/04/2019; existe um acordo verbal entre as partes no sentido de não haver pagamentos dos meses de 01/05/2016, 01/06/2019 e 01/07/2019; a habitação em questão estava a precisar de obras de emergência devido a deficiências de canalização as quais deram origem a infiltrações visíveis na casa de banho do vizinho do andar de baixo; confrontado com a questão dos danos, a postura do autor foi de completa passividade; como o autor não procedeu à reparação, o réu deixou de pagar as rendas mensais; por tudo o que vai exposto, o réu sabe-se devedor do valor de 3500€; este valor resulta do não pagamento dos meses de 01/08/2019 a 01/06/2020.

A 23/09/2020, foi proferido o seguinte despacho, em síntese na parte que importa: O autor não peticiona a resolução contratual, precisamente porque considera que a mesma se efectivou por via extrajudicial; assim, verificando-se a resolução extrajudicial do contrato de arrendamento e pretendendo o autor apenas a condenação na entrega do locado livre e devoluto e pagamento das rendas, notifique-se o autor para, querendo, em 10 dias se pronunciar quanto à eventual verificação da excepção dilatória de falta de interesse em agir.

A 19/10/2020, o autor veio dizer, em síntese, que: Efectivamente recorreu à resolução extrajudicial do contrato de arrendamento; sucede que o réu não desocupou o locado nem pagou as rendas devidas; neste contexto o autor optou, opção que a lei lhe consente, por recorrer ao tribunal para que, judicialmente, atenta a prova produzida, declarasse a resolução do contrato de arrendamento e condenasse o réu a entregar o locado livre e devoluto e ainda no pagamento de todas as rendas vencidas e vincendas até à respectiva entrega; pelo que não se verifica a falta de interesse em agir: a comunicação de resolução de senhorio ao seu arrendatário tem valor no procedimento especial a tramitar no BNA, mas carece de valor e efeitos no âmbito desta acção judicial.

A 18/11/2020 foi proferido despacho saneador o qual, em síntese, julgou verificada a excepção dilatória inominada de falta de interesse em agir e, em consequência, absolveu o réu da instância, realçando-se ainda que o pedido (c) sempre seria manifestamente improcedente uma vez que o ressarcimento de despesas, custas, honorários etc., é feito nos temos legais em regre de conta de custas e custas de parte nos procedimentos respectivos.

A 04/01/2021 o autor recorreu deste despacho, aditando a 29/04/2021 que o recurso era de apelação e a subir nos próprios autos.

A 05/05/2021, referência 29150025, o autor veio, nos termos do disposto no art. 14/4 do NRAU, requerer: A notificação do réu para proceder ao pagamento das rendas que se venceram na pendência da acção de despejo e de que o não pagamento em tempo oportuno destas rendas determinará a apresentação de pedido de despejo imediato. Alegou que a acção deu entrada no tribunal no dia 10/01/2020; desde então e até à presente data o arrendatário não pagou qualquer renda ao senhorio; na pendência da presente acção e até ao momento estão em dívida pelo réu as rendas vencidas e devidas ao autor a partir de 01/02/2020.

Por despacho de 07/05/2021 o tribunal admitiu o recurso a subir imediatamente e nos próprios autos e acrescentou: No que se reporta ao requerimento com a referência 29150025 […] […P]receitua o artigo 14/1 do NRAU que “a acção de despejo destina-se a fazer cessar a situação jurídica do arrendamento sempre que a lei imponha o recurso à via judicial para promover tal cessação e segue a forma de processo comum declarativo”.

Por sua vez, estatui o n.º 4 daquele normativo que “se as rendas, encargos ou despesas, vencidos por um período igual ou superior a dois meses, não forem pagos ou depositados, o arrendatário é notificado para, em 10 dias, proceder ao seu pagamento ou depósito e ainda da importância da indemnização devida, juntando prova aos autos, sendo, no entanto, condenado nas custas do incidente e nas despesas de levantamento do depósito, que são contadas a final”.

Compulsados os autos, verifica-se que no âmbito do presente processo, o autor não pediu a cessação da situação jurídica do arrendamento porquanto, por um lado, fez operar extrajudicialmente a resolução do contrato de arrendamento – conforme deflui da sua petição inicial – pelo que não subsiste qualquer vínculo negocial nesses moldes – nem tal é alegado.

Assim, não existindo já uma relação jurídica de arrendamento – na medida em que foi unilateralmente terminada, ainda antes da propositura da presente acção – a situação in casu não é subsumível ao enquadramento normativo do preceito legal acima aludido, porquanto desde logo não se coaduna com a definição ínsita no seu n.º 1.

Por outro lado, temos que já foi proferido nestes autos uma decisão, em sede de saneador sentença, que julgou verificada a excepção de falta de interesse em agir da parte do autor, e em decorrência decretou a absolvição do réu da instância.

Não se olvida que a sobredita decisão ainda não transitou em julgado, tanto mais que foi objecto de recurso por parte do autor; porém, e por ora, é a única que consta dos autos, e que declarou finda a instância (tudo sem prejuízo de entendimento diverso do TRL) pelo que, também por esta...

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