Acórdão nº 00137/18.0BEVIS de Tribunal Central Administrativo Norte, 17 de Dezembro de 2021

Magistrado ResponsávelPaulo Ferreira de Magalh
Data da Resolução17 de Dezembro de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I - RELATÓRIO ORDEM DOS REVISORES OFICIAIS DE CONTAS [devidamente identificada nos autos] inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, datada de 03 de junho de 2020 [que julgou totalmente procedente a acção que contra si foi instaurada por A. [também devidamente identificado nos autos], onde foi visado o Acórdão proferido pelo Conselho Disciplinar da OROC, datado de 29 de dezembro de 2017], e pela qual foi considerado extinto, por prescrição, o procedimento disciplinar de que resultou a aplicação ao Autor, da pena única de multa no valor de € 10.000,00, e nas despesas do processo no valor de € 350,00, com as legais consequências.

* No âmbito das Alegações por si apresentadas, elencou a final as conclusões que ora se reproduzem: “[…] 1.ª Salvo o devido respeito por opinião adversa e melhor entendimento, à Recorrente afigura-se não ter sido julgada corretamente, pelo Digníssimo Tribunal a quo, a questão da alegada prescrição do procedimento disciplinar, ao entender que o Regulamento Disciplinar da Ordem dos Revisores Oficiais de Contas, na previsão do n.º 4 da seu artigo 5.º, é inconstitucional, ao prever novas causas suspensivas do prazo prescricional, ao arrepio da lei que visa executar e, em consequência, julgou procedente a ação por prescrição do procedimento disciplinar.

  1. A douta Sentença parte de um pressuposto errado, ao considerar que o legislador optou, na que respeita à matéria da prescrição do procedimento disciplinar, por afastar quaisquer causas suspensivas ou interruptivas do prazo prescricional previsto para exercício do poder disciplinar.

  2. O artigo 88.

    0 do Estatuto da Ordem não afasta quaisquer causas de suspensão do prazo prescricional. Nem sequer o faz a propósito da interposição de procedimento criminal, apenas referindo-se à suspensão do procedimento disciplinar propriamente dito e não a suspensão do prazo de prescrição do procedimento disciplinar.

  3. De qualquer modo, quer o afastamento da suspensão do procedimento disciplinar pela interposição de processo crime quer o afastamento da suspensão da prescrição do procedimento disciplinar pela interposição do processo crime nunca poderiam servir para fundamentar a aplicação por analogia do mesmo regime quanto à interposição de processo disciplinar, atenta a autonomia entre os processos disciplinar e criminal que assenta essencialmente na coexistência de espaças valorativos e sancionatórios próprios, já que visam a tutela de bens e interesses jurídicos distinto.

  4. Aliás, ainda que assim não se entendesse, o que não se concede, sempre teria de concluir-se que se o legislador afastou expressamente a suspensão do prazo de prescrição do procedimento disciplinar como resultado da instauração de um processo crime, mais depressa o teria feito relativamente à instauração do próprio procedimento disciplinar, o que não aconteceu.

  5. Assim, ao abrigo do poder regulamentar que a lei lhe confere, a Assembleia Geral da Ordem, composta por todos os seus membros incluindo o Autor/Recorrido, aprovou o Regulamento Disciplinar, que desenvolveu e aprofundou a disciplina jurídica nela constante, sem a contrariar.

  6. Não prevendo a lei habilitante quaisquer causas de suspensão do prazo prescricional, de forma expressa ou implícita, não pode daí concluir-se pelo afastamento das mesmas.

  7. Antes pelo contrário, ao não estabelecer tais limites, somos forçados a concluir que o legislador deixou ao poder regulamentar a liberdade de desenvolver aquela matéria, dentro de parâmetros de razoabilidade.

  8. Assim, o Regulamento Disciplinar, além de dotar o Conselho Disciplinar de meios que lhe permitam apurar a verdade material dos factos sem balizar de forma rígida o tempo de que dispõe para o efeito, assegurou, também, a diligência dos órgãos disciplinares no procedimento que lhes incumbe levar a cabo, prevendo-se mecanismos para obviar à imprescritibilidade do procedimento disciplinar: por um lado, através da fixação de prazos destinados a balizar ou a regular a tramitação procedimental (cfr. artigos 45.º, n.º 1, 61.º, 63.º, n.º 4, e 64.º do Regulamento Disciplinar da Ordem dos Revisores Oficiais de Contas) e, por outro lado, assegurando-se que o processo não fique inativo (cfr. Artigo 5.º, n.º 3, do mesmo Regulamento).

  9. Não pode, pois, ter-se por verificada a prescrição do procedimento disciplinar, incorrendo a Sentença proferida pelo Tribunal a quo em erro de julgamento.

    Termos em que deve o presente RECURSO merecer provimento, revogando-se a douta Sentença, a substituir por Sentença a julgar improcedente a presente ação, e nessa sequência, mantido o Acórdão do Conselho Disciplinar da Recorrente que aplicou ao Recorrido uma pena de multa de € 10.000,00 (dez mil euros).

    Assim se fazendo JUSTIÇA!” ** O Recorrido A. não apresentou Contra alegações.

    * O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos.

    ** O Ministério Público junto deste Tribunal Superior não emitiu parecer sobre o mérito do presente recurso jurisdicional.

    *** Com dispensa dos vistos legais [mas com envio prévio do projecto de Acórdão], cumpre apreciar e decidir.

    *** II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, cujo objecto do recurso está delimitado pelas conclusões das respectivas Alegações - Cfr. artigos 144.º, n.º 1 do CPTA, e artigos 639.º e 635.º n.ºs 4 e 5, ambos do Código de Processo Civil (CPC), ex vi artigos 1.º e 140.º, n.º 3 do CPTA [sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem deva conhecer oficiosamente], sendo que, de todo o modo, em caso de procedência da pretensão recursiva, o Tribunal ad quem não se limita a cassar a decisão judicial recorrida pois que, ainda que venha a declarar a sua nulidade, sempre tem de decidir [Cfr. artigo 149.º, n.º 1 do CPTA] “… o objecto da causa, conhecendo do facto e do direito.”, reunidos que estejam os necessários pressupostos e condições legalmente exigidas.

    Assim, a questão suscitada pela Recorrente e patenteada nas conclusões apresentadas resume-se, em suma e a final, em apreciar e decidir, sobre se a Sentença recorrida padece de erro de julgamento em matéria de direito, por julgar ter ocorrido a prescrição do procedimento disciplinar.

    ** III - FUNDAMENTOS IIIi - DE FACTO No âmbito da factualidade considerada pela Sentença recorrida, dela consta o que por facilidade para aqui se extrai como segue: “[…] Com pertinência para a apreciação da presente lide, resultou provada a seguinte factualidade: A) O Autor é Revisor Oficial de Contas, portador da cédula profissional nº (...), e encontra-se inscrito junto da Ré desde 22/05/1995 (cf. documento junto a fls. 326 dos autos); B) A 24/04/2015, e em representação da sociedade designada “N., Lda.”, da qual é sócio único, foi o Autor designado fiscal único efectivo da sociedade “A., S.A.”, NIPC (…), para o quadriénio 2014-2018 (cf. documento junto com a petição inicial sob o nº 3); C) A 25/05/2015, também em representação da sociedade designada “N., Lda.”, foi o Autor designado fiscal único efectivo da sociedade “R., S.A.”, NIPC (…) para o quadriénio 2014-2018 (cf. documento junto com a petição inicial sob o nº 4); D) A 06/07/2015, o Autor emitiu a Certificação Legal das Contas para a entidade designada “R.”, relativamente ao ano de 2014 (cf. acordo das partes); E) A 12/10/2015, o Autor emitiu a Certificação Legal das Contas para a entidade designada “A.”, relativamente ao ano de 2014 (cf. acordo das partes); F) A 03/11/2015, J. e A. dirigiram ao Presidente do Conselho Disciplinar da Ré uma participação relativamente a actos praticados pelo Autor relativamente à certificação de contas da sociedade “R.”, e requerendo a abertura de processo de averiguações e eventual processo disciplinar (cf. fls. 1 e seguintes do PD nº 16/15, que aqui se dão por integralmente reproduzidas); G) A 25/11/2015, o Conselho Disciplinar da Ré deliberou instaurar ao Autor processo disciplinar, ao qual atribuído o nº 16/2015 (cf. fls. 21 e seguintes do PD 16/15); H) A 08/01/2016, J. e A. dirigiram ao Presidente do Conselho Disciplinar da Ré nova participação, esta relativamente a actos praticados pelo Autor relativamente à certificação de contas da sociedade “A.”, e requerendo a abertura de processo de averiguações e eventual processo disciplinar (cf. fls. 1 e seguintes do PD nº 1/16, que aqui se dão por integralmente reproduzidas); I) A 23/02/2016, o Conselho Disciplinar da Ré deliberou instaurar ao Autor novo processo disciplinar, quanto a esta segunda participação, e ao qual atribuído o nº 1/2016 (cf. fls. 21 e seguintes do PD 1/16); J) A 08/09/2016, o Conselho Disciplinar da Ré deliberou apensar o PD nº 1/16 ao PD nº 16/2015 (cf. fls. 323 e seguintes do PD 16/15); K) A 02/10/2017, o instrutor designado para o PD nº 16/2015 lavrou nota de culpa, da qual consta, designadamente, o seguinte: ¯Artigo primeiro. (…) De acordo com aquelas participações, os PARTICIPANTES depois de considerarem que em seu entendimento o arguido «procedeu à Revisão/Auditoria» e emitiu as Certificações Legais das Contas das sociedades A. e R. relativas ao exercício de 2014 sem que estivesse devidamente mandatado para tal, pelo facto de ter sido designado, em ambas as sociedades, Fiscal Único para o mandato do quadriénio 2015/2018, conforme Assembleia Geral de sócios da A. realizada em 26/02/2015 e Assembleia Geral de sócios da R. realizada em 01/04/2015, alegam que o arguido não exerceu as suas funções com independência, profissionalismo e competência técnica, resultando na «emissão de uma opinião de auditoria não conforme com as Demonstrações Financeiras e Relatório de Gestão reportados a 31/12/2104, tomando-se por base os referenciais contabilísticos e de auditoria em vigor» em ambas as referidas sociedades, factos que no entender dos participantes prejudicam os...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT