Acórdão nº 0299/19.9BEMDL de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 16 de Dezembro de 2021
Magistrado Responsável | ARAGÃO SEIA |
Data da Resolução | 16 de Dezembro de 2021 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: A………….. e B………….., Recorridos nos presentes autos, tendo sido notificados do Acórdão datado de 30/09/2021, com o mesmo respeitosamente não concordando e entendendo estarem preenchidos os pressupostos previstos no artigo 285.º do Código de Processo e Procedimento Tributário, vêm dele interpor RECURSO DE REVISTA nos termos e com os fundamentos constantes das Alegações que dirigem ao Supremo Tribunal Administrativo e que acompanham o presente requerimento.
Alegaram, tendo concluído: 01. Vem o presente recurso interposto do Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte que, revogando a decisão de primeira instância, julgou improcedente o recurso interposto da decisão de fixação da matéria colectável perpetrada pela AT à luz da alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º da LGT.
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Os recorrentes não se conformam com o decidido e, entendendo que se mostram preenchidos os respectivos pressupostos, pretendem que tal decisão seja objecto de Revista ao abrigo do artigo 285.º CPPT.
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A questão que se submete à superior apreciação do Tribunal poder-se-á formular do seguinte modo: a interpretação conjugada do nº 3 do art.º 89.º-A com a al. f) do n.º 1 do art.º 87.º da LGT, quando estão em causa incrementos patrimoniais strico sensu (no caso movimentos a crédito em conta bancária), impõe sempre ao contribuinte a prova da origem concreta e individualizada de cada movimento bancário ou é admissível a prova indirecta para o cumprimento de tal ónus probatório? 04. A Revista deverá ser admitida, desde logo, pela utilização, cada vez mais intensa, por parte da Administração Tributária (AT), da tributação por métodos indirectos por via da primeira parte da alínea f) do nº 1 do artigo 87.º da LGT – o que empresta à questão jurídica sub judice, de forma insofismável, uma especial actualidade em face da capacidade da respectiva repercussão, também social, extravasando claramente a utilidade do caso concreto.
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Acresce que o regime das manifestações de fortunas – e em especial na “subespécie” dos acréscimos patrimoniais não justificados – se apresenta como um instituto com particularidades vincadas, das quais sobressai a necessidade de conjugação de uma inversão do ónus da prova com a necessidade de prova de um facto negativo e com a natureza intrínseca a uma norma de incidência.
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Ademais, crê-se que a questão atrás formulada não foi suficientemente debatida na jurisprudência nem na doutrina, não se encontrando sedimentado um entendimento específico para as situações em que o acréscimo patrimonial stricto sensu (a que respeita a primeira parte da alínea f) do artigo 87.º da LGT), ademais quando esses supostos acréscimos se verificam através de entradas de valores em contas bancárias do tipo veículo ou de favor, ou mesmo sobre a possibilidade da prova indirecta para cumprir o ónus do n.º 3 do artigo 89.º-A da LGT em face dos princípios da proporcionalidade, realização da justiça e da proibição da indefesa.
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Dito por outro modo, apesar da apontada complexidade, assiste-se que os Tribunais têm vindo a importar a uma fórmula sacramental (exigindo a demonstração da origem dos fluxos financeiros, concreta e individualizada) para a definição do esforço probatório exigido pelo nº 3 do artigo 89.º-A da LGT – o que não só afigura assentar numa leitura amplificada e desproporcionada dessas norma no contexto do ordenamento jurídico-tributário, como ainda se manifesta contrária à Constituição da República Portuguesa sempre que estabelece um patamar de prova materialmente impossível.
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Isto é, e sem quebra do devido respeito, é convicção dos ora Alegantes que as instâncias têm tratado a matéria em apreço de forma equivocada, quando não juridicamente insustentável, de tal forma que se preconiza como objectivamente útil – e premente – um esclarecimento jurisprudencial da questão por parte do Supremo Tribunal Administrativo.
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Com efeito, e como se passará a expor, a solução encontrada pela jurisprudência para a questão que aqui se formula (e que foi a seguida pelo Acórdão recorrido) implica que o contribuinte seja obrigado a justificar, individual e discriminadamente, a proveniência de cada movimento bancário (muitas vezes depósitos em numerário irrastreáveis) mesmo quando, através de um conjunto de factos indiciantes, precisos e concordantes, é possível concluir, com um grau de probabilidade bastante que os mesmos não correspondem a rendimento do sujeito passivo sujeito a IRS e omitido à tributação.
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Defendem os Recorrentes que, na esteira do pensamento do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15/02/2012, que “a melhor interpretação do mencionado art. 89.º-A, n.º 3, da LGT, exige que o contribuinte prove a relação causal de afectação de certo rendimento (não sujeito a tributação) a determinada manifestação de fortuna evidenciada” desde logo porque, como ai também se lê “tal exigência de relação directa não vem expressa, minimamente, na letra do preceito que vimos analisando” mas também porque “a exigência, unicamente, da falada relação directa de afectação de certo rendimento (não sujeito a tributação) a determinada manifestação de fortuna pode conduzir a situações de prova muito difícil, que poderia obstar à elisão da presunção que o sujeito passivo contribuinte tem todo o direito de concretizar.” (proc. 050/12, consultável em dgsi.pt).
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Assim, pede-se pronúncia no sentido de que a resposta a dar à questão formulada deverá ser no sentido de que a Lei (o n.º 3 do artigo 89-A da LGT) não exige a demonstração concreta e individualizada de cada entrada bancária em conta bancária de valores tido pela AT como rendimento, sendo o ónus probatório legalmente estatuído passível de ser satisfeito através de prova indirecta.
ISTO DITO 12. Como resulta do probatório – e assim o interpretou o Tribunal de primeira instância – o conjunto de movimentos a crédito registados na conta bancária do alegante marido e que a AT entendeu constituírem seus rendimentos omitidos à tributação são, na verdade, mero reflexo de uma utilização utilitária desse instrumento bancário para a prática de uma actividade (lícita ou ilícita, não é o que ora importa) de câmbio / troca de divisas a terceiros (vide em especial, factos, cujo julgamento não foi alterado pelo Tribunal a quo, dados como provados sob os n.ºs 8 a 20).
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Em síntese, do conjunto de factos atrás transcritos resultou demonstrado e provado que os movimentos a crédito registados na conta bancária do BANIF com o n.º ............ durante os anos de 2011, 2012 e 2013 não constituíam seus rendimentos, com o que se deveria ter afastado o raciocínio presuntivo que subjaz à decisão de fixação da matéria colectável em causa nos autos.
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Com ainda maior pormenor, está provado, desde logo (ademais facto sabido e admitido pela AT, vide facto 6) que o Alegante marido utilizava essa conta bancária como ferramenta ou instrumento para proceder à troca de moeda estrangeira a terceiros, actividade essa que era pública e conhecida (vide factos provados 6, 9, 10, 11, 12, 13).
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Isto é, toda a prova – a começar pelo expresso reconhecimento da AT, em sede inspectiva, da utilização dessa conta para o indicado fim de câmbio (facto 6, ponto II.3.17 do RIT) – impõe a conclusão de que tais valores a crédito não correspondem a qualquer incremento patrimonial dos ora alegantes, mas mera utilização instrumental da conta.
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Acresce que, em concreto, foi dado como provado que os movimentos a crédito que a AT entendeu tratar-se de património dos alegantes (vide tabelas insertas no ponto 8 do probatório) “resultava(m) da compra e venda de moeda estrangeira (ver infra factos 19, 20 e 21), prática da agência há vários anos e que essa actividade era normalmente com clientes da “C............” – facto provado nº 9.
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Mais: atenta a tipologia dos movimentos a crédito e a débito que os ora alegantes lograram provar (vide factos 7 a 9, 19, 20 e 21), ficou demonstrado que tais registos financeiros são mera evidência da utilização instrumental da conta do BANIF em causa nos autos para o depósito das divisas que, diariamente, o recorrente marido trocava moeda aos seus clientes.
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Com a prova produzida ficou demonstrado de que os valores depositados (operação de venda de moeda estrangeira), logo seguidos do levantamento em euros, não constitui rendimento antes revela a sucessão de operações, em tudo idênticas, com valores reduzidos (face à expressão do que é imputado no processo) que não constituem...
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