Acórdão nº 03/99.6BTLSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 16 de Dezembro de 2021
Magistrado Responsável | MARIA DO CÉU NEVES |
Data da Resolução | 16 de Dezembro de 2021 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO 1. RELATÓRIO A………………, SA, B…………..-SOCIEDADE DE CONSTRUÇÃO CIVIL, SA, C……………., SA, D…………….-SOCIEDADE DE CONSTRUÇÕES, SA e E……………, LDA, melhor identificadas nos autos, intentaram no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa (TAC) acção declarativa de indemnização, na forma ordinária, contra o MINISTÉRIO DA AGRICULTURA, DO DESENVOLVIMENTO RURAL E DAS PESCAS, por habilitação do INSTITUTO DE HIDRÁULICA, ENGENHARIA RURAL E AMBIENTE (IHERA) e contra AGÊNCIA PORTUGUESA DO AMBIENTE, I.P.
(que sucedeu ao INSTITUTO DA ÁGUA (INAG), mas que veio a sair da lide, por desistência quanto a si pelas autoras.
*Por Sentença datada de 27 de Março de 2020, o TAC de Lisboa, julgou a presente acção procedente, condenando: “A) O réu MINISTÉRIO DA AGRICULTURA, DO DESENVOLVIMENTO RURAL E DAS PESCAS (habilitado a substituir na lide o Instituto de Hidráulica, Engenharia Rural e Ambiente - IHERA) a pagar às Autoras A.A A……………., S.A. e D…………, S.A., o montante de 27.260,38€ e de 52.747,50€, no total de 80.007,88€; B) A quantia referida em A) deverá ser acrescida do montante da sua atualização correspondente à presente data, segundo os índices oficiais de preços para que remete o contrato, e a liquidar em execução de sentença, devendo, após serem pagos os respetivos juros legais vincendos desde a citação até efetivo e integral pagamento.”*O MINISTÉRIO DA AGRICULTURA, DO DESENVOLVIMENTO RURAL E DAS PESCAS, interpôs recurso, com impugnação da decisão sobre a matéria de facto e a reapreciação da prova gravada, o qual veio a ser indeferido por despacho que declarou a intempestividade.
O recorrente Ministério da Agricultura apresentou reclamação [artº 155º, nº 4 do CPC] deste despacho, a qual manteve em 21.04.2021 a decisão de indeferimento por intempestividade.
*O MINISTÉRIO DA AGRICULTURA, estando em causa a actuação da DGADR – Direcção-Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural na qualidade de actual sucessora legal das atribuições do extinto IHERA – Instituto de Hidráulica, Engenharia Rural e Ambiente, inconformado, veio interpor presente recurso, tendo na respectiva alegação, formulado as seguintes conclusões: «A – A Sentença ora recorrida julgou procedente a acção declarativa de indemnização na forma ordinária proposta pelas A.A A……………., S.A., B……………. – Sociedade de Construção Civil, S.A., D……………, S.A. e outras e condenou o R. Ministério da Agricultura a pagar-lhes o montante de € 27.260,38 e de € 52.747,50, no total de € 80.007,88, acrescida do montante da sua atualização correspondente à presente data, segundo os índices oficiais de preços para que remete o contrato, a liquidar em execução de sentença, devendo ser pagos os respetivos juros legais vincendos desde a citação até efetivo e integral pagamento.
B – No dia 3 de março de 2021, o mandatário do ora Recorrente foi contactado telefonicamente pela secretaria judicial, tendo sido informado de que o processo físico, bem como a gravação, em suporte de CD, das sessões das audiências de julgamento dos dias 1 de março de 2012 e 19 de março de 2012 já se encontravam disponíveis para levantamento, mas que relativamente à audiência de julgamento do dia 15 (e não 19) de fevereiro de 2019 não tinha sido possível obter resultados quanto à sua eventual gravação, o que equivale a dizer que da mesma não existia qualquer gravação, razão pela qual também não se encontrava disponível no SITAF e nem sequer existia em suporte físico (CD), conforme resulta da cota de fls. 2244 dos presentes autos.
C – A falta da gravação da audiência de julgamento do dia 15 de fevereiro de 2019 inviabiliza a reapreciação da prova gravada da matéria de facto produzida em juízo, o que, em termos práticos, se traduz na inviabilização da apresentação do próprio Recurso na parte relativa à Impugnação da Decisão sobre a Matéria de Facto e a Reapreciação da Prova Gravada, sendo posição doutrinária e jurisprudencial consolidada que uma omissão ou irregularidade desta natureza é susceptível de configurar uma nulidade processual.
D – Tendo o mandatário do ora Reclamante sido informado da inexistência da referida gravação no dia 3 de março de 2021, foi a partir desta data que se iniciou a contagem do prazo de dez dias para invocar a sua falta previsto no artigo 155º, nº 4 do Código de Processo Civil (CPC), aplicável supletivamente ex vi do artigo 1º da LPTA, e a arguição, mediante reclamação, da consequente nulidade da prova produzida na audiência de julgamento do dia 15 de fevereiro de 2019.
E – O Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 05/05/2016 – Proc. nº 104/09.4B.E1 decidiu que: “A nulidade decorrente de uma deficiente gravação da prova produzida na audiência de julgamento poderá ser arguida no prazo de dez dias a contar da sua efetiva disponibilização pela secretaria do tribunal”, valendo este entendimento, por maioria de razão, quando se trate da falta da gravação da prova produzida em audiência de julgamento.
F – Resulta do disposto no nº 6, do artigo 157º do CPC que: “os erros e omissões dos atos praticados pela secretaria judicial não podem, em qualquer caso, prejudicar as partes”.
G – Por sua vez, o artigo 195º, nº 1 do CPC dispõe que a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.
H – Resulta, mutatis mutandis, da fundamentação do supracitado Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 05/05/2016 – Proc. nº 104/09.4B.E1, que tendo a nulidade da falta de gravação sido tempestivamente arguida pelo ora Recorrente, a consequência que dela advirá será a anulação dos depoimentos das testemunhas que não foram gravados e que deveriam ter sido novamente gravados mediante a realização de uma nova audiência de julgamento, sendo que esta anulação conduziria necessariamente à anulação da douta sentença de que ora se recorre – na qual se decidiu a matéria de facto – e seus termos subsequentes, isto porque assenta a mesma na totalidade da prova produzida e no depoimento daquelas testemunhas.
I – Uma omissão ou irregularidade dessa natureza acarreta uma nulidade processual, desde que com manifesta influência na decisão em causa – anteriormente prevista no artigo 201º do CPC de 1961 e, atualmente, prevista no Artigo 195º do CPC de 2013 –, implicando a mesma a anulação dos seus termos subsequentes que dele dependam absolutamente, isto é, no caso presente, a própria anulação da douta sentença de que se recorre.
J – Relativamente à nulidade supra-referida foi deduzida Reclamação e invocada nulidade processual da prova produzida na audiência de julgamento de 15 de fevereiro de 2019, resultante da falta da sua gravação, e requerida a repetição da sua produção.
L – Por sentença proferida em 21 de abril de 2021 foi aquela reclamação indeferida com fundamento na alegada intempestividade do pedido que a compõe, ou seja, com o fundamento de a mesma não ter sido apresentada no prazo de dois dias a partir da disponibilização da dita gravação.
M – O Tribunal estava impossibilitado de dar cumprimento ao disposto do nº 3 do artigo 155º do CPC, na medida em que não podia disponibilizar às partes uma gravação que pura e simplesmente não existia, pelo que só a partir desse momento da comunicação ao mandatário de que não existia essa gravação é que começa a contar o prazo dos dez dias previsto no nº 4 do artigo 155º do CPC.
N – O requerente não precisa de requerer o que quer que seja, mas é a própria secretaria do Tribunal que disponibiliza às partes a gravação nos dois dias subsequentes à sua realização e seguem-se-lhe os dez dias para a arguir a nulidade.
O - Se a secretaria não disponibilizar às partes a gravação nesses dois dias e só a disponibilizar passados vários dias ou noutro número de dias, o prazo conta-se imediatamente a seguir; não o fazendo de todo isto, é não disponibilizando a gravação, o prazo dos dez dias para arguição da nulidade só começa a contar da sua efetiva entrega, momento em que a parte sem qualquer culpa lhe acede.
P – Tendo sido deduzida a reclamação prevista no nº 4, do artigo 155º do CPC, no prazo de dez dias a partir do momento em que foi comunicada ao mandatário do Recorrente a inexistência da gravação, esta reclamação é tempestiva, uma vez que o prazo é contado a partir da data da disponibilização dessa gravação, sendo esta a da sua efetiva entrega, o que, no caso presente, nunca se verificou por impossibilidade total do seu objeto.
Q – Ora, inexistindo tal gravação para disponibilizar, esse prazo dez dias terá, naturalmente, de iniciar a sua contagem a partir da data em que a parte tomou conhecimento efectivo desse facto, pelo que a nulidade processual da falta de gravação foi arguida em prazo e deverá ser julgada procedente, devendo revogada a sentença interlocutória de 21 de abril de 2021 e repetida a audiência de julgamento de 15 de fevereiro de 2021.
R – Na decisão ora recorrida, o Tribunal “a quo” considerou que a questão decidenda centra-se em saber se existiu uma vantagem patrimonial do dono da obra com a instalação de juntas das “Juntas de Desmontagem” e uma perda para o consórcio.
S – Da matéria de facto considerada como provada resulta evidente que não é possível retirar uma conclusão inequívoca de que o R., ora Recorrente, enquanto dono da obra, retirou da solução técnica imposta pelo consórcio empreiteiro qualquer vantagem patrimonial, que é o principal pressuposto do eventual dever de indemnizar pelo dono da obra fundado em enriquecimento sem causa.
T – Impõe-se aditar à matéria de facto um quesito que esclareça de forma inequívoca se daí resultou qualquer vantagem patrimonial para o Réu e um correlativo empobrecimento para o consórcio empreiteiro formado pelas A.A., na medida em que estas, não obstante saberem da recusa do R. em custear aquelas juntas de desmontagem, insistiram sempre na imposição desta solução técnica.
U – No caso do ressarcimento do lesado numa...
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