Acórdão nº 01301/17.4BELRA.S1 de Tribunal dos Conflitos, 02 de Dezembro de 2021
Magistrado Responsável | MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA |
Data da Resolução | 02 de Dezembro de 2021 |
Emissor | Tribunal dos Conflitos |
Tribunal dos Conflitos Acordam, no Tribunal dos Conflitos: 1- Em 15 de Setembro de 2017, o Município de Pedrógão Grande intentou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria uma ação administrativa contra a TDM –Turismo e Desportos Motorizados, Lda, formulando o seguinte pedido: “I - Declarar-se que: a) A R. incorreu em incumprimento das obrigações contratuais por si assumidas na escritura de compra e venda, depois de 2006; b) A resolução do aludido contrato, por incumprimento da R. tem o A. direito à reversão do aludido prédio integrando-o no seu domínio privado.
c) Está a R. obrigada a restituir o aludido imóvel à R.
II - Condenar-se a R. a: a) Reconhecer quanto vem peticionado e será declarado; b) A restituir o aludido imóvel à R”.
Alegou, para o efeito e em síntese, assistir-lhe o direito à reversão de uma parcela de terreno para construção que vendeu à ré em 1 de Junho de 2000, por um preço “largamente inferior ao do mercado e ao do valor real e venal do prédio” (€ 89,78 - 18.000$00), porquanto a ré, desde 2006, não exerce ali a actividade a que se obrigou, incumprindo o projeto de investimento apresentado e as condições do contrato, que é um contrato administrativo.
Disse ainda que o contrato foi celebrado com “fundamento” na “deliberação da Câmara Municipal de Pedrógão Grande, datada de 10 de Setembro de 1998”, “na prossecução das suas atribuições legais e no intuito de proceder ao desenvolvimento económico do município, pretendendo salvaguardar o interesse público”, e teve a finalidade de permitir à ré “proceder à construção de um recinto para a prática desportiva de Karting, especialmente, por jovens, incluindo a construção de um pavilhão pré-fabricado, de apoio à respectiva actividade”.
A ré contestou, excecionando caso julgado anterior e incompetência material da jurisdição administrativa para conhecer da causa, considerando dever ser atribuída a competência aos tribunais judiciais.
Sustentou, em suma, que, contrariamente ao alegado pelo autor, o contrato celebrado entre as partes não é um contrato administrativo e não está submetido às regras da contratação pública.
Por fim, impugnou os factos e deduziu pedido reconvencional.
O autor contestou a reconvenção. Pronunciou-se no sentido de não ocorrer a exceção de caso julgado e reafirmou a competência material da jurisdição administrativa para conhecer da causa, reiterando a natureza administrativa do contrato celebrado entre as partes.
O Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, considerando estar em causa um contrato de natureza privada, não sujeito a normas de direito administrativo, julgou-se incompetente, em razão da matéria, para conhecer da causa, atribuindo a competência aos tribunais comuns e absolvendo a ré da instância, nestes termos: “O contrato objeto dos presentes autos, por não se enquadrar em nenhum dos tipos de contratos estabelecidos no CPA, ou, a atender-se à norma atributiva de competência estabelecida no novo ETAF, aos contratos descritos no CCP, apenas poderia ser qualificado como administrativo se as partes entendessem submetê-lo a um regime de direito administrativo. (…) Assim, atenta a referida delimitação, importa, agora, aferir em que termos é que o Autor propôs a ação e delineou o pedido e respetiva causa de pedir. Da petição inicial resulta que o Autor peticiona: "Nestes termos e nos mais de direito deve a presente acção ser julgada provada e procedente e, em consequência: I — Declarar-se que: a) A R. incorreu em incumprimento das obrigações contratuais por si assumidas na escritura de compra e venda, depois de 2006; b) A resolução do aludido contrato, por incumprimento da R. tem o A. direito à reversão do aludido prédio integrando-o no seu domínio privado, c) Está a R. obrigada a restituir o aludido imóvel à R. II- Condenar-se a R. a: a) Reconhecer quanto vem peticionado e será declarado; b) A restituir o aludido imóvel à R,". Apesar da pronúncia apresentada pelo Autor em sede de réplica emerge do contrato celebrado entre as partes, junto como documento n.° 1 com a petição inicial, que o mesmo se encontra sujeito às normas gerais do Código Civil, uma vez que não decorre do seu teor, e bem assim da deliberação de 10 de Setembro de 1998, uma vontade expressa das partes em submetê-lo a um regime jurídico de direito administrativo. Para além disso, as cláusulas apostas ao mesmo não denotam a existência de um qualquer ius imperii por parte do Autor, mas antes um conjunto de condições comuns a um contrato de direito privado. Isto significa que que o contrato celebrado entre as partes corresponde a um contrato de natureza privada não submetido a normas de direito administrativo não sendo, portanto, um contrato administrativo. Por outro lado, o facto de o mesmo ter sido celebrado no âmbito das atribuições do município não é suficiente para fundamentar a natureza administrativa do contrato, uma vez que toda a atuação do município tem que se conter naquele âmbito sob pena de vício de incompetência ou desvio de poder. A mesma conclusão se chega a propósito da decisão de contratar se encontrar vertida em deliberação, uma vez que é esta forma como o órgão expressa a sua vontade. Assim, o contrato objeto dos presentes autos é, definitivamente, apesar de celebrado por uma entidade pública, um contrato de direito privado. Tal conclusão é comprovada, desde logo, pelo facto...
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