Acórdão nº 0535/20.9T8STB.E1.S2 de Tribunal dos Conflitos, 02 de Dezembro de 2021

Magistrado ResponsávelMARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Data da Resolução02 de Dezembro de 2021
EmissorTribunal dos Conflitos

Tribunal dos Conflitos Acordam, no Tribunal dos Conflitos: 1. Em 23 de Janeiro de 2020, AA e BB intentaram no Tribunal da Comarca de Setúbal uma ação declarativa de condenação, com processo comum, contra o Estado Português, formulando o seguinte pedido: “(…) deve a acção ser julgada procedente por provada, em consequência: a) Devendo declarar-se como não verificada a afectação do imóvel ao fim a que se destinava e que determinou a outorga da escritura de 21 de Março de 1978; b) Devendo decretar-se verificada a condição resolutiva constante do clausulado da escritura de compra e venda e determinada a destruição retroactiva do negócio, devendo ser fixado prazo para, antes da sentença, ser depositado o preço recebido de acordo com o princípio nominalista e o réu condenado a restituir o prédio ao autor - cf. doc. 7.

c) Devendo ainda decretar-se sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso no depósito do preço e na restituição do prédio aos autores; d) Subsidiariamente, quando assim eventualmente se não entenda, devendo considerar-se existir incumprimento da obrigação constante do clausulado da escritura, sendo decretada a resolução do negócio, pelo que, não sendo legalmente possível a restituição, deve o réu ser condenado a pagar ao autor a quantia que vier a ser liquidada em execução de sentença correspondente ao valor actualizado do prédio, por ser impossível determinar de imediato esse valor - cf. doc. 7; e) Subsidiariamente e quando assim também eventualmente se não entenda, devendo considerar-se existir alteração das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar, sendo igualmente decretada a resolução do negócio, pelo que, não sendo legalmente possível a restituição, deve o réu ser condenado a pagar ao autor a quantia que vier a ser liquidada em execução de sentença correspondente ao valor actualizado do prédio, por ser impossível determinar de imediato esse valor- cf. doc. 7.

f) O R. condenado a pagar as custas.”.

Alegaram para o efeito, e em síntese, assistir-lhes, na qualidade de sucessores de CC e DD, o direito à resolução do contrato de compra e venda do prédio misto identificado nos autos, que aqueles venderam, em 21 de Março de 1978, ao extinto Gabinete do Plano de Desenvolvimento da Área de Sines (GAS).

Fundamentaram a sua pretensão na circunstância de o GAS e as entidades que lhe sucederam após a sua extinção não terem procedido à afetação a que o imóvel se destinava (“empreendimentos integrados no Plano Geral da Área de Sines”), circunstância que consideram ter sido determinante para a realização da escritura.

O Ministério Público contestou, em representação do Estado Português, excecionando a sua ilegitimidade e a incompetência material da jurisdição comum para conhecer da causa, que considera dever ser atribuída aos tribunais da jurisdição administrativa.

Sustentou, em suma, que o contrato foi celebrado no âmbito dos poderes discricionários do GAS, na medida em que, se os vendedores não tivessem concordado com a venda, o GAS desencadearia a expropriação do prédio.

Por fim, impugnou os factos alegados pelos autores.

Os autores responderam às excepções, defendendo, além do mais, que as partes celebraram o contrato no estrito domínio da liberdade contratual, ambas desprovidas de poderes de autoridade e sem que o preço acordado possa ser equiparado a uma indemnização no âmbito de um processo de expropriação. Reafirmaram, assim, a competência material dos tribunais judiciais para a decisão do litígio dos autos.

O Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal – Juízo Central Cível de Setúbal – Juiz …, dispensou a realização de audiência prévia e proferiu despacho saneador-sentença, em 4 de Novembro de 2020, julgando verificada a excepção dilatória de incompetência absoluta do tribunal, declarando-se incompetente em razão da matéria para apreciar o mérito da ação e atribuindo a competência aos tribunais administrativos.

Para tanto, concluiu que o prédio em causa foi adquirido no exercício das competências administrativas do GAS, no desenvolvimento de uma relação jurídica administrativa com os particulares, uma vez que “se os antecessores dos AA não tivessem concordado com a venda, o gabinete desencadearia ou poderia desencadear a respetiva expropriação, o que advinha dos poderes de autoridade atribuídos, com possibilidade de imposição de restrições interesse público”.

Os autores interpuseram recurso para o Tribunal da Relação de Évora que, por acórdão de 25 de Março de 2021, manteve o despacho recorrido, considerando estarmos “perante um contrato administrativo por natureza, que se integra na categoria de contratos administrativos prevista no art. 280.º, n.º 1, al. b), 1.ª parte do CCP: «contrato com objeto passível de ato administrativo»; logo, sujeito ao regime do Direito Administrativo”.

Daquele acórdão da Relação de Évora vieram os autores interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.

  1. Nas alegações que apresentaram, os recorrentes formularam as seguintes conclusões (transcrevem-se as que interessam ao julgamento do presente recurso): “(…) 4.ª. Não podem os recorrentes conformar-se com tal decisão do Tribunal da Relação de Évora] por entenderem que a mesma resulta de deturpada subsunção dos factos aos normativos aplicáveis, designadamente os artigos 1.º e 4.º do ETAF e dos artigos 60.º, n.º 2, 64.º e 54.º do Código de Processo Civil; 5.ª Pois que os fins e a natureza da escritura de compra e venda do prédio referida nos autos em momento algum se equipara a uma relação do foro administrativo; 6.ª Tendo as partes actuado livres na sua vontade e munidas de total liberdade de estipulação, o GAS querendo comprar e os vendedores querendo vender. Foram livremente estipuladas as cláusulas da escritura e foi livremente estipulado o preço; 7.ª O que não aconteceria no âmbito de uma relação administrativa na qual uma das partes actua na prossecução de interesses públicos podendo impor a sua vontade.

    8.ª Na escritura de compra e venda em crise não houve qualquer expropriação não houve pagamento de indemnização, assim como não houve actuação do GAS munido de ius imperii, sendo a escritura outorgada em cartório notarial; 9.ª As partes adoptaram uma estrutura para a forma de transmissão de propriedade – vulgar escritura de compra e venda – e não escritura lavrada perante notário privativo do GAS ou de outro ente público, sendo todo o...

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