Acórdão nº 401/21.0T8LRA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 15 de Dezembro de 2021

Magistrado ResponsávelV
Data da Resolução15 de Dezembro de 2021
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Recurso próprio, nada obstando ao seu conhecimento.

Ao abrigo do disposto no art.º 656.º do Código de Processo Civil em vigor (doravante, NCPCiv.), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26-06, segue decisão sumária, face à simplicidade da questão a decidir.

I – Relatório J...

, com os sinais dos autos, intentou ação declarativa condenatória, sob a forma de processo comum, contra A...

, também com os sinais dos autos, pedindo, na procedência da ação, por forma a: «a) Ser o R. condenado a pagar ao A. a quantia de €30,40 (trinta euros) a título de indemnização de natureza patrimonial, acrescida dos juros legais a contar da data da citação até efectivo e integral reembolso; b) Ser o R. condenado a pagar ao A. a quantia de €145.000,00 (cento e quarenta e cinco mil euros), a título de indemnização de natureza não patrimonial, acrescida dos juros legais a contar da data da citação até efectivo e integral pagamento.

  1. Ser o R. condenado a pagar ao A. indemnização a título de dano patrimonial futuro/dano biológico, e por este dano não poder ser determinado e quantificado nesta data, requer-se que a sua liquidação seja remetida para execução de sentença (cfr. arts. 564.º, n.º 2 e 569.º do CC e 556.º, n.º 1, al. b), e n.º 2 e 358.º do CPC); d ) Ser o R. igualmente condenado a suportar todos os custos e encargos com todo o tipo de tratamentos, internamentos, acompanhamento médico e medicamentoso que o A. venha a necessitar, requerendo-se que a sua liquidação seja remetida para execução de sentença (cfr. arts. 564.º, n.º 2 e 569.º do CC e 556.º, n.º 1, al. b), e n.º 2 e 358.º do CPC).».

Alegou, para tanto, em síntese, que: - O R., empresário em nome individual que se dedica à atividade de empreitadas de construção civil, admitiu ao seu serviço o A., para trabalhar sob a sua autoridade, direção e fiscalização, exercendo este as funções de pedreiro e recebendo, como contrapartida do trabalho prestado, determinada retribuição mensal; - foi nesse âmbito que, no dia 10/05/2018, o A. – no exercício das suas funções –, quando transportava dois baldes vazios na mão, a mais de três metros de altura, através de uma escada móvel, deu a volta em cima do degrau e escorregou, caindo no chão, com o que sofreu «um acidente de trabalho» (art.º 10.º da petição inicial, doravante p. i.); - após a queda, o R. transportou o A. para a residência deste, deixando-o dentro da sua casa, e chamou os bombeiros, não sem antes lhe ordenar que não contasse a verdade; - «em consequência do acidente referido», «o A. ficou gravemente ferido, tendo sofrido (e continua a sofrer), danos físicos e morais que a seguir se discriminam e peticionam» (art.º 21.º da p. i.); - por força das lesões sofridas, o A. foi hospitalizado, bem como submetido a cirurgias, tratamentos, análises, exames e consultas, recebendo prolongada assistência, padecendo de incapacidade permanente global de 63%, sujeita a agravamento futuro, «em virtude de deficiência resultante do acidente de trabalho», sabendo que «nunca recuperará totalmente, fisicamente nem psicologicamente das mazelas provocadas no seu corpo» (art.ºs 28.º e 30.º da p. i.); - o A. suportou diversas despesas por efeito do aludido acidente, de que deve ser indemnizado, deixou de poder trabalhar, por efeito da incapacidade de que é portador, e é certo que o R. não cumpriu as normas de segurança e higiene no trabalho, não acionou o seguro de acidentes de trabalho, nem participou o mesmo à ACT, tal como não declarou o trabalho do A. junto da Segurança Social, antes o tendo abandonado em situação de especial vulnerabilidade, continuando o demandante a carecer de tratamentos, a sentir dores e a passar por sofrimentos, devendo, pois, ocorrer reparação, com inerente condenação a título de danos patrimoniais e morais.

Citada a contraparte, veio esta invocar a incompetência material do tribunal – Juízo Central Cível de Leiria –, contrapondo o A., por sua vez, que o mesmo é o competente.

Seguidamente, em despacho saneador (datado de 25/06/2021), conheceu-se desta matéria de exceção, nos seguintes termos: «A presente ação, tal como configurada pelo autor, visa responsabilizar o réu pela ocorrência de um acidente de trabalho (cf. arts. 2º a 6º e 10º da petição). O único fator de responsabilização do réu, segundo o autor, é a existência de um acidente enquanto o autor trabalhava para o réu. Ou seja, segundo o autor, não foi o réu a causa do acidente, visando responsabilizá-lo, unicamente, pelo facto de ter sofrido o acidente, descrito em 9º da petição, enquanto prestava trabalho remunerado para o réu, em suma, pelo simples facto de ser o seu empregador. Não alega o autor que a causa dos danos tenha sido a conduta do réu depois do acidente antes a imputando ao acidente que qualifica como de trabalho (cf. art. 21º da petição: … em consequência do acidente referido em 9.º, o A. ficou gravemente ferido, tendo sofrido (e continua a sofrer), danos físicos e morais que a seguir se discriminam e peticionam).

Nos termos constantes do art. 117.º da LOSJ, compete os juízos centrais cíveis a preparação e julgamento das ações declarativas cíveis de processo comum de valor superior a € 50 000,00.

Por seu turno, dispõe o nº. 1 do art. 126.º do mesmo diploma, que: 1Compete aos juízos do trabalho conhecer, em matéria cível: a) (…); c) Das questões emergentes de acidentes de trabalho e doenças profissionais; (…) Como se sabe, a competência do tribunal em razão da matéria afere-se pela natureza da relação jurídica tal como ela é apresentada pelo A. na petição inicial. No caso, como referimos, o autor não alega qualquer facto gerador de responsabilidade extracontratual para o réu, mas sim, e unicamente, responsabilidade contratual, resultante da alegada existência de contrato de trabalho. É, assim, evidente, para nós, que o autor funda a presente ação na ocorrência de um acidente de trabalho. E, como já vimos, todas as questões emergentes de acidente de trabalho são da competência material dos tribunais do trabalho. Pelo que há que declarar a incompetência absoluta deste tribunal para apreciar a presente ação.

Trata-se de uma incompetência absoluta, em razão da matéria, que uma exceção dilatória insuprível, de conhecimento oficioso, e que implica a absolvição da instância, ao abrigo das...

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