Acórdão nº 20929/19.1T8LSB.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 15 de Dezembro de 2021

Magistrado ResponsávelV
Data da Resolução15 de Dezembro de 2021
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra: I – Relatório I...

, com os sinais dos autos, intentou ([1]) ação declarativa condenatória, sob a forma de processo comum, contra 1.ª – P...

e 2.º - L...

, estes também com os sinais dos autos, pedindo que os RR. sejam condenados, solidariamente, a pagar-lhe a quantia de €38.728,00, a título de capital (a “totalidade das prestações em dívida”), acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4% ao ano, desde a citação e até efetivo e integral pagamento.

Para tanto, alegou, em síntese, que: - tendo vendido à 1.ª R. a quota que detinha numa sociedade, pelo preço de €43.628,00, que devia ser liquidado em 50 prestações, e encontrando-se vencido, à data da propositura da ação, um total de 43 prestações, aquela R. apenas liquidou o montante de € 4.900,00, encontrando-se, então, em dívida €33.128,00; - valor que, não obstante as insistências da A., se encontra por pagar, tendo-se vencido a totalidade da dívida prestacional, a qual deve ter-se por comunicada ao co-R., tendo em conta a sua qualidade de cônjuge (casamento no regime da comunhão de adquiridos) e por os benefícios gerados com a aquisição da quota terem permitido ao casal auferir os proventos do exercício pela R. da gerência da sociedade.

Apenas o 2.º R. contestou, concluindo pela improcedência da ação quanto a si, para o que deixou alegado (para além do mais): - desconhecer o negócio a que alude a A., mas negando, em qualquer caso, a existência de proveito comum, sendo que a sociedade mencionada suportava um passivo tal que não angariava qualquer rendimento da sua atividade; - sempre ter sido o R./contestante a suportar as despesas do casal e dos dois filhos menores, com os rendimentos que aufere da sua profissão de eletricista.

Com dispensa da audiência prévia, foi proferido despacho saneador, procedendo-se à enunciação do objeto do litígio e dos temas da prova, após o que foi realizada a audiência final.

Seguidamente, foi proferida sentença ([2]), pronunciando-se assim o Tribunal: «(…) decide-se julgar a presente acção como parcialmente procedente e, em consequência, condena-se a Ré P... a pagar à Autora I..., a quantia de €38.728,00 acrescida dos juros de mora computados à taxa de 4% vencidos desde a data da citação e vincendos até efectivo e integral pagamento. Absolvendo-se, por seu turno, o Réu L... do pedido formulado.».

Inconformada com tal sentença absolutória quanto ao 2.º R., vem a A. interpor recurso, apresentando alegação, culminada com as seguintes Conclusões ([3]): ...

Não foi apresentada contra-alegação de recurso.

Este foi admitido como apelação, com efeito meramente devolutivo e subida imediata, tendo sido ordenada a remessa do processo a este Tribunal ad quem, onde foi mantido tal regime recursivo.

Nada obstando, na legal tramitação, ao conhecimento do mérito do recurso, cumpre apreciar e decidir.

II – Âmbito do Recurso Sendo o objeto dos recursos delimitado pelas respetivas conclusões, pressuposto o objeto do processo delimitado em sede de articulados – como é consabido, são as conclusões da parte recorrente que definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso ([4]), nos termos do disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, 639.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil em vigor (doravante, NCPCiv.), o aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26-06 –, importa saber:

  1. Se, no âmbito da empreendida impugnação da decisão da matéria de facto, existe erro de julgamento, devendo a factualidade julgada não provada passar a provada (conclusões 2.ª a 10.ª); b) Se deve alterar-se a decisão de direito, em termos de procedência da ação também contra o 2.º R. – sua corresponsabilidade pelo pagamento da dívida, em virtude da existência de proveito comum ou por outro motivo legal (conclusões 11.ª a final).

    III – Fundamentação

    1. Da impugnação da decisão relativa à matéria de facto A A./Apelante não se conforma com a decisão absolutória proferida relativamente ao 2.º R., manifestando um claro inconformismo em matéria de direito, radicado também em divergência quanto à forma como foi decidida a matéria de facto, mais precisamente a factualidade dada como não provada, a qual a Recorrente pretende que, mediante sindicância recursiva pela Relação, seja julgada provada.

    Trata-se, então, do seguinte factualismo que a 1.ª instância julgou não provado: «1. A sociedade A Q... tem vindo a gerar lucros e rendimentos desde o acordo descrito na alínea a) dos factos provados que foram colhidos pelo Réu L... [artigo 17.º da p.i.].».

    Invoca a impugnante as seguintes provas em abono da sua pretensão recursiva:

  2. O documento de fls. 26 do processo físico – comunicação dirigida pela 1.ª R. (mulher) à A. em 03/06/2019, a que alude a al.ª f) do quadro dos factos provados; b) O depoimento de parte da mesma R.

    , prestado em 28/04/2021, como documentado em ata de fls. 103 e segs., onde nada se fez constar para os efeitos a que alude o art.º 463.º, n.º 1, do NCPCiv. (confissão), sem que houvesse sido deduzida alguma reclamação a respeito (cfr. n.º 2 do mesmo art.º).

    Na sentença foi apresentada a seguinte justificação para a convicção negativa do Tribunal: «(…) no que se refere à comunicabilidade da dívida, constata-se que o único facto alegado pela Autora I... com vista a densificar a ocorrência de proveito comum do casal foi transposto para o ponto 1 dos factos não provados. (…) cabe, de qualquer forma, estabelecer que se assistiu a um total naufrágio probatório da Autora (…) quanto a afirmação de que o Réu L... teria beneficiado dos lucros e rendimentos de A Q...

    Apenas logrando comprovar que o mesmo Réu (…) teria conhecimento do negócio materializado pois que acompanhou a sua cônjuge à assinatura do contrato e presenciou a correspondente subscrição.

    Isto inversamente aos esforços probatórios desenvolvidos pelos Réus P... e L..., os quais, em conjunto com a testemunha A..., convergiram na constatação que A Q... tem passado por constantes dificuldades financeiras ao ponto de os valores gerados serem apenas afectos à satisfação do passivo. Sem que a própria Ré P... logre obter remuneração pela sua actuação como gerente. Ao ponto de ser o salário do Réu L..., como electricista, que os capacita ao sustento da casa e das necessidades de um agregado familiar que se acha, complementarmente, composto por dois filhos de 6 e 4 anos.» (itálico aditado).

    Quanto ao aludido documento, invoca a Recorrente que a 1.ª R. ali afirmou que “temos tido muito trabalho a preparar os primeiros casamentos da época”, bem como que “sábado tivemos aqui um casamento e pediram para vir a pagar para a semana, pois hoje arrancaram em lua-de-mel” e ainda que “peço à Drª. I... se pode aguardar até final da semana que vem para lhe poder pagar.”.

    Refere a Apelante que «tudo prenuncia que (…) a sociedade teve actividade e facturou serviços, e como é natural e do comum da vida, a 1ª. Ré-mulher não trabalhou “de borla” e algum rendimento obteve da gerência e do seu trabalho na firma».

    Porém, como é patente, no âmbito do julgamento de um litígio por um Tribunal Judicial não pode bastar um «prenúncio», sabido que não operam presunções no campo em discussão.

    É necessário fazer a prova da factualidade alegada, a tendente a responsabilizar a contraparte, sob pena, doutro modo, de ter essa factualidade de ser julgada como não provada.

    Acrescenta a impugnante que “na dita carta de 03/06/2019 (a fls. 26) a 1ª. Ré-mulher afirma terem optado «por fazer um rebranding e criar a Quinta da ... Fomos ter de pedir um empréstimo para liquidar o leasing e ter fundos para fazer obras para podermos angariar clientes”.

    Porém, também daqui não resulta a demonstração de obtenção pela sociedade mencionada de quaisquer lucros – ignora-se o respetivo volume de receitas e de custos de atividade –, nem, também por isso, pela R. mulher de quaisquer proventos, os quais houvessem sido levados por esta para o âmbito da sua vida familiar/conjugal, de molde a ter resultado um qualquer proveito económico/patrimonial para o R. marido.

    Já quanto ao convocado depoimento de parte da 1.ª R. (mulher), deve reiterar-se que inexiste confissão ([5]), posto nada ter sido reduzido a escrito nesse âmbito na ata da audiência final – e era obrigatória a redução a escrito na parte em que houvesse confissão –, resultado com que se conformou a A., uma vez que nenhuma reclamação deduziu (cfr. o mencionado art.º 463.º, n.ºs 1 e 2, do NCPCiv.).

    Apesar disso, invoca a Apelante que aquela R., em depoimento de parte, acabou por disser, «inquirida pelo advogado da A., que a sociedade contraiu um empréstimo de 140.000 euros sobre o seu património imóvel e onde esse dinheiro foi aplicado para pagar o empréstimo do Banco X... e para fazer obras. Porém, é do comum da vida, que de tal empréstimo tenha saído também o seu ordenado de gerente para custear as suas despesas do dia a dia da família» (itálico aditado).

    Ora, a contração de empréstimos é, por regra, a assunção de passivo, com os inerentes custos/encargos, não podendo, obviamente, daí concluir-se, sem mais, que a R. mulher tenha auferido «ordenado de gerente» e qual o destino que tenha dado a esse ordenado, em montante, aliás, desconhecido.

    Também nada pode concluir-se de seguro quanto às invocadas «obras que diz ter feito nos imóveis da sociedade», que viessem a «aumentar o valor patrimonial da quota que a Ré-mulher adquiriu à A. e de que o Réu-marido também beneficiou porque essa mais valia foi-o sobre a quota de que ele comunga por efeito do regime do seu casamento».

    Como dito, desconhece-se qual a grandeza do ativo e do passivo...

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