Acórdão nº 117/18.5TNLSB.L1.S1-A de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 30 de Novembro de 2021

Magistrado ResponsávelMARIA DA GRAÇA TRIGO
Data da Resolução30 de Novembro de 2021
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1. AA instaurou, em 11 de Agosto de 2017, a presente acção declarativa sob a forma de processo comum, contra BB e Liberty Seguros, S.A.

(atualmente, Liberty Seguros, Compañia de Seguros e Reaseguros, S.A.

– Sucursal em Portugal), pedindo a condenação destes a pagar-lhe a quantia de € 75.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais sofridos.

Alega para tanto, e em síntese, que é filha de CC, apanhador de bivalves no rio …, na modalidade de mergulho em profundidade, o qual faleceu na sequência de sinistro ocorrido no dia …. de Agosto de 2012, no ..., provocado por culpa exclusiva do 1.º R., condutor e proprietário da embarcação de recreio “...”, estando a responsabilidade civil por danos causados a terceiros transferida para a R. seguradora.

Contestou a R. Liberty Seguros, invocando a prescrição do direito indemnizatório e impugnando a factualidade alegada. Mais defendeu a exclusão do sinistro da cobertura do contrato de seguro celebrado e invocou ser excessivo o valor indemnizatório peticionado.

Contestou ainda o R. BB, invocando igualmente a prescrição e impugnando a factualidade alegada, sustentando que o acidente ocorreu por culpa exclusiva da vítima.

Remetido o processo ao Tribunal julgado territorialmente competente, respondeu a A. à matéria de excepção, pugnando pela improcedência das excepções invocadas pelos RR..

Dispensada a audiência prévia, foi elaborado despacho saneador que relegou para final o conhecimento da matéria de excepção arguida.

Já no decurso da audiência de julgamento, veio a R. seguradora requerer que, na sentença a proferir, e tendo em conta a prova produzida, seja decretada a nulidade do contrato de seguro celebrado entre os RR., dado o mesmo não poder garantir o pagamento de danos decorrentes do risco de uma actividade ilícita, como a que estava a ser praticada aquando do sinistro.

A A. e o 1.º R. pronunciaram-se no sentido da improcedência daquela pretensão.

Concluída a audiência de discussão e julgamento, veio a ser proferida sentença, em 15 de Abril de 2020, que, julgando a acção improcedente, absolveu os RR. do pedido.

Inconformada, a A., filha maior da vítima mortal, interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de ..., no qual invocou que foi errada a decisão de não apensar os presentes autos ao processo em que a unida de facto e os filhos menores de CC são autores, pois versam sobre o mesmo acidente; impugnou a matéria de facto decidida, mais invocando erro na aplicação do direito, e pugnando, a final, pela condenação dos RR. na indemnização peticionada.

A R. Liberty Seguros apresentou recurso subordinado, no qual invocou a nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, uma vez que a sentença não conheceu da questão da nulidade do contrato de seguro nem da questão da exclusão da cobertura do seguro.

Por despacho de 26 de Outubro de 2020, o Tribunal da Relação de ... ordenou a apensação destes autos ao Processo n.º 117/18.... e, em 15 de Dezembro de 2020, proferiu acórdão, incidindo exclusivamente sobre a presente acção apensa, decidindo: «- (...) rejeitar o recurso subordinado interposto pela Ré Liberty (sem prejuízo da admissão do requerimento de fls. 241 e ss. e das correspondentes respostas, nos termos e para os efeitos previstos no nº 3 do art. 665 do C.P.C.); - na parcial procedência da apelação da A. e revogação da sentença recorrida (exceto no que respeita à fixação de honorários devidos ao assessor técnico nomeado), pelo que, julgando a ação parcialmente procedente: a) condenam os RR., BB e Liberty Seguros, Compañia de Seguros e Reaseguros, S.A. – Sucursal em Portugal, a pagar à A. a quantia de € 35.000,00, a título de danos não patrimoniais, sendo o 1º R. na parte que venha a exceder o capital seguro; b) no mais, absolvem os RR. do pedido.» 2.

Inconformados, quer a R. Liberty Seguros, quer o R. BB interpuseram recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.

A R. Liberty Seguros, de acordo com as respectivas conclusões, invocou o seguinte: - O acórdão recorrido é nulo, nos termos do disposto no art. 615.º, n.º 1, alíneas c) e d) do Código de Processo Civil, porque presume o que não é lícito presumir, pois que não existe qualquer facto provado que demonstre que o 1.º R. alguma vez tivesse dado, ou também tivesse dado, à embarcação “...” o destino de actividade de recreio; - Uma vez que, no momento do sinistro, a embarcação estava a ser utilizada no exercício de uma actividade profissional, que é até ilegal, a exclusão da cobertura é válida e oponível pela R., ora recorrente ao 1.º R., por se tratar de um seguro de embarcação de recreio; - O contrato de seguro é nulo por manifesta fata de interesse legítimo do 1.º R. em celebrar tal contrato, atenta a ilicitude do fim a que destinava a embarcação segura, sendo esta nulidade oponível aos terceiros lesados, pelo que o acórdão recorrido violou o disposto no art. 43.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 72/2008 de 16 de Abril, e os arts. 286.º e 291.º, este a contrario, do Código Civil; - O acórdão recorrido interpretou mal a cláusula contratual que exclui/limita a cobertura do seguro e, nessa medida, violou o disposto no art. 236.º, n.º 1, do CC, ao não ter condenando o 1. R., também e solidariamente, com a ora recorrente, na totalidade do montante arbitrado, e não somente na parte que venha a exceder o capital seguro; - Ao ter arbitrado à A. quantia superior a € 20.000,00 o acórdão recorrido violou os arts. 566.º, n.º 3, e 496.º, n.º 4, do Código Civil.

O R. BB concluiu essencialmente o seguinte: - Não existem factos provados susceptíveis gerar responsabilidade civil para o 1.º R. por falta do pressuposto da culpa, tendo o acórdão incorrido em erro ao aplicar os arts. 483.º, 487.º, 493.º e 563.º do Código Civil; - O acórdão recorrido errou ao aplicar o art. 570.º, n.º 1 do CC, uma vez que a indemnização deveria ter sido excluída ou reduzida, por se tratar de um caso de culpa exclusiva do lesado ou, pelo menos, de maior contribuição do mesmo, o que é demonstrado através dos factos provados 3, 5, 6, 7, 8, 10, 13, 17, 18 e 19, devendo, no máximo, a culpa ser fixada na proporção de 4/5 para o lesado e 1/5 para o R. BB, com a consequente redução no valor indemnizatório; - A morte do lesado ocorreu porque este não usou o balão de reflutuação para, antes de emergir, sinalizar a sua presença e não pelo facto de o R. BB não ter aguardado que todos os mergulhadores viessem à superfície; - O acórdão recorrido é um acórdão condicional e, por isso, proibido e rejeitado pelo ordenamento jurídico, ao fixar a condenação do R. BB de modo dependente de decisões judiciais futuras, pelo que deve o mesmo R. ser absolvido do pedido; - A indemnização atribuída à A. não ultrapassa o tecto máximo do valor segurado, o que, em consequência, afasta a responsabilidade do 1.º R. BB, uma vez que aquela se encontrava, por lei, transferida para a R. Liberty Seguros; ao condenar o R. BB, quando, em função do valor indemnizatório fixado pela decisão recorrida, a sua responsabilidade está transferida para a R. Liberty Seguros, o tribunal a quo violou os arts. 1.º, 6.º, 7.º e 18.º da Portaria n.º 689/2001, de 10 de Julho, sendo o R. parte ilegítima.

  1. Em resposta às alegações da R. Liberty Seguros e do R. BB, a A. veio: - Pugnar pela manutenção do acórdão recorrido (excepto quanto ao montante da indemnização); - Invocar ser o recurso do R. BB inadmissível porquanto no processo ao qual este está apenso ocorreu dupla conforme a respeito da apreciação da questão da culpa do dito R.; - De qualquer forma, sempre os recursos terão de improceder, uma vez que, se se considerar que alguma culpa existiu por parte da vítima, deve entender-se ser uma culpa muito menor do que a do 1.º R., tendo a vítima, no máximo, contribuído para o acidente numa proporção de 1/5 e o R. BB numa proporção de 4/5; - E, concluindo desta forma, deverá refazer-se o cálculo da indemnização arbitrada à autora de € 35 000,00 para € 60 000,00 (4/5 de € 75 000,00).

    O R. BB também apresentou contra-alegações ao recurso da R. Liberty Seguros, pugnando pela improcedência do recurso, excepto na parte da redução do valor indemnizatório, em que adere às conclusões da R. Liberty.

  2. Em relação à objecção da A. quanto à admissibilidade do recurso do R. BB, esclareça-se ser inteiramente destituída de fundamento legal pretender que se estenda aos presentes autos uma eventual situação de dupla conforme existente no processo principal.

    Assinale-se, ainda, quanto à pretensão da A. de aumento do valor da indemnização, que, não tendo esta interposto recurso do acórdão da Relação, não pode, em sede de contra-alegações aos recursos dos RR., vir impugnar a decisão do tribunal a quo.

  3. O Tribunal da Relação, em acórdão da conferência de 13 de Abril de 2021, pronunciou-se no sentido da não verificação da nulidade invocada pela R. Liberty Seguros.

  4. O Tribunal da Relação considerou parcialmente procedente a impugnação da matéria de facto, dando como provados e não provados os seguintes factos: A – Factos provados 1 - No dia … .8.2012, cerca das 16h, CC e DD dirigiram-se na embarcação “...”, timonada por BB, o ora 1º Réu, para o ..., onde os dois primeiros mergulharam, com recurso a sistema de respiração autónoma, para a apanha de bivalves, com o propósito da sua subsequente comercialização.

    2 - A embarcação “...” foi usada para o transporte dos dois mergulhadores, seus apetrechos e equipamentos, e das capturas realizadas, sendo o 1º Réu remunerado por esse serviço prestado.

    3 - O exercício da actividade da apanha não foi sinalizada pelos intervenientes com bóia, nem bandeira.

    5 - Decorrida cerca de uma hora e meia do início do mergulho, o 1º Réu assinalou com pelo menos duas acelerações do motor da embarcação, conforme código entre eles previamente acordado e conforme era habitual entre os sujeitos que se dedicam àquela atividade, a presença da Polícia Marítima nas imediações, avisando os mergulhadores para não emergirem à superfície, afastando-se de...

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