Acórdão nº 1435/20.8YRLSB.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 30 de Novembro de 2021

Magistrado ResponsávelVIEIRA E CUNHA
Data da Resolução30 de Novembro de 2021
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça As Partes, o Pedido e o Objecto do Processo REN – Rede Eléctrica Nacional, S.A., e REN Trading, S.A., instauraram, nos termos dos art.ºs 18.º n.º 9, 46.º n.º 3 al. a) iii) e 59.º n.º 1 al. f), da Lei de Arbitragem Voluntária (Lei n.º 63/2011, de 14 de Dezembro), a presente acção de anulação de decisão arbitral interlocutória sobre competência, contra Tejo Energia – Produção e Distribuição de Energia Eléctrica, S.A.

Pediram a anulação da sentença do tribunal arbitral que, aos 10.06.2020, se declarou “parcialmente competente, designadamente, para conhecer as questões identificadas no parágrafo 186 da sentença, designadamente nas alíneas b), c), d), f), g) e h), na medida em que se pronunciou sobre questões que ultrapassam o âmbito da convenção de arbitragem contida na Cláusula 26 e no Anexo 9 do CAE e/ou que não se encontram abrangidos pela convenção de arbitragem”.

A Ré, para além de concluir que a acção deve ser julgada improcedente, à cautela, requereu também, ao abrigo do disposto no artigo 46.º n.º 8 da Lei da Arbitragem Voluntária que, caso o Tribunal entenda existir algum fundamento para anulação, seja determinada a suspensão dos autos e se conceda ao Tribunal Arbitral a possibilidade de tomar medidas susceptíveis de eliminar algum fundamento para anulação.

Tese das Autoras Os litígios emergentes da interpretação e execução do Contrato de Aquisição de Energia (CAE) de que Autoras e Ré são Partes só podem ser submetidos a arbitragem nos termos nele previstos.

O CAE prevê dois mecanismos de resolução de litígios distintos: um primeiro, genérico, referido na Cláusula 26 e regulado no Apêndice 9, e um outro, específico, previsto na Cláusula 20.4.1, regulado no Apêndice 11.

Este último tem um âmbito mais específico, aplicando-se a situações das chamadas Alterações de Imposto Relevante e cingindo-se o seu escopo à modificação da fórmula de cálculo de preço da eletricidade produzida na ....

Trata-se, ainda, de procedimento que não é automático nem garantido, estando sempre dependente da verificação de um duplo limite (possibilidade e proporcionalidade): qualquer alteração apenas é admissível “(...) na medida necessária para garantir, tanto quanto possível, que o Produtor esteja na mesma posição financeira sob o presente Contrato que estaria se a Alteração ao Imposto Relevante não tivesse ocorrido (...)”.

O litígio surgido diz respeito à chamada Tarifa Social da Eletricidade, criada pelo Decreto-Lei nº 138-A/2010, de 28 de Dezembro, considerada pelo Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República como uma “obrigação de serviço público de natureza social” e cujo financiamento foi imposto aos centros electroprodutores.

A Requerida pretendia ser reembolsada do montante que despendeu a título de Tarifa Social, exigindo que a REN Trading lho pague, e, no limite, onerando os consumidores.

Para tanto, iniciou um procedimento de resolução de litígios em que peticionou o reembolso dos referidos montantes, procedimento esse que foi iniciado não ao abrigo do mecanismo específico previsto no Apêndice 11 mas sim ao abrigo da Cláusula 26 e do procedimento previsto no Apêndice 9 do CAE.

Este mecanismo genérico de resolução de litígios prevê um procedimento escalonado, que começa perante um Painel Financeiro, cuja decisão, quando unânime, é final e vinculativa para as Partes; caso contrário, é permitido à Parte que deseje contestar a decisão do Painel Financeiro desencadear, num primeiro momento, uma fase de negociação e, falhando esta, submeter o litígio a arbitragem.

No âmbito do procedimento que correu termos perante o Painel Financeiro foi-lhe exclusivamente solicitado que se pronunciasse sobre se a Ré tinha direito contratual a ser reembolsada dos montantes em que havia incorrido com o financiamento da Tarifa Social.

Na medida em que à Ré não fosse reconhecido o direito ao reembolso referido no ponto anterior, deveria esta devolver à REN Trading os montantes que esta lhe pagara, relativos à Tarifa Social.

O Painel Financeiro, a final, decidiu, por unanimidade, indeferir todos os pedidos da ali Demandante, por considerar inexistir qualquer direito contratual ao reembolso peticionado, mencionando que o único meio disponível para fazer face a uma eventual situação de Alteração de Imposto Relevante seria, não o reembolso, mas o recurso a um procedimento específico de resolução de litígios previsto no Apêndice 11.

Nos termos do Apêndice 9, o litígio considera-se definitivamente decidido quando o Painel Financeiro decide por unanimidade. As Partes só podem submeter uma questão que as opõe a um Tribunal Arbitral se, previamente e como condição, existir sobre ela uma decisão não unânime do Painel Financeiro.

Assim, nos termos do CAE e aplicando a cláusula compromissória dele constante, não estando verificada a condição, a Requerida não podia submeter o litígio à arbitragem e o tribunal arbitral que eventualmente entretanto constituído não tinha competência para a julgar.

Confrontada com este erro, a Ré – que poderia ter optado por iniciar novo procedimento ao abrigo do Anexo 11 – optou por invocar que a decisão do Painel Financeiro, na sua fundamentação, continha várias “decisões” que lhe permitiriam: a) prosseguir o procedimento como se o mesmo tivesse sido, desde início, conduzido nos termos do Apêndice 11; e b) consequentemente alterar o pedido deduzido que passou a ser a alteração do preço da eletricidade vendida, mediante a alteração dos componentes da fórmula de cálculo de preço: o Encargo de Potência Instalada (Capacity Charge) e/ou do Encargo de Energia Produzida (Energy Charge), vícios esses que foram invocados pelas Autoras perante o Tribunal Arbitral, questionando a sua competência, tendo sido acordado nas Regras Processuais a observar que haveria um julgamento prévio relativamente à sua competência para conhecer do mérito (que constituiria a primeira fase do julgamento) seguido de uma segunda fase em que, se o processo devesse prosseguir, seria julgado o mérito da pretensão que lhe foi submetida.

O Tribunal Arbitral, por maioria (com um voto de vencido), declarou-se parcialmente competente para conhecer o mérito da causa.

A opinião vencedora acolheu a tese de que as considerações tecidas pelo Painel Financeiro quanto aos vários argumentos submetidos pelas Partes para sustentarem as suas pretensões podem ser consideradas decisões.

Mas a expressão ‘decisão’ contida no Anexo 9 do CAE tem, necessariamente de ser interpretada à luz e nos termos da lei portuguesa.

Para efeitos do art.º 236.º n.º 2 do Código Civil, a vontade real das Partes quanto ao significado e alcance da expressão ‘decisão’ contida no Apêndice 9 do CAE (e bem assim das regras Processuais especificamente acordadas) é de que a mesma corresponde unicamente à determinação final do Painel Financeiro formulada em resposta ao litígio que lhe foi submetido, i.e. às concretas pretensões formuladas, e, no caso concreto, a decisão do Painel Financeiro apenas podia versar sobre a matéria do reembolso à Ré dos montantes incorridos com a Tarifa Social, pois foi apenas isso que lhe foi pedido.

A expressão ‘decisão’, contida no Apêndice 9 do CAE, só pode ser entendida como sendo a determinação final do Painel Financeiro formulada em resposta ao litígio que lhe foi submetido, balizado pelos pedidos formulados. De acordo com a lei portuguesa uma sentença é composta por diversos segmentos, sendo que a decisão é incluída no segmento final – parte dispositiva – de forma autónoma e tendo em consideração a fundamentação e outra informação relevante contida nos segmentos precedentes.

No ordenamento jurídico português, uma decisão apenas pode ser proferida em relação a um pedido que foi formulado pelas partes, sendo certo que o objeto de um litígio é determinado pela pretensão da parte que o submeteu para decisão.

A expressão ‘decisão’ não pode ser interpretada como correspondendo a qualquer determinação a que se chegue após consideração dos factos e da lei como o voto maioritário do Tribunal Arbitral entendeu, limitando-se a citar uma definição de “decisão” dada por um dicionário inglês de termos legais e afastando a lei portuguesa, aplicável à interpretação do CAE.

O entendimento segundo o qual a decisão do litígio deve, na decisão/sentença, apresentar-se segregada, no final, e após a correspondente fundamentação, é pacífico na jurisprudência e na doutrina internacionais, assim como em regulamentos, diretrizes e softlaw aplicáveis a procedimentos alternativos de resolução de litígios.

Ao ter submetido às Autoras, após a Decisão do Painel Financeiro, uma proposta relativa à alteração do Encargo de Potência Instalada a Ré já não estava a seguir o procedimento de resolução de litígios submetido ao Painel Financeiro, até porque a proposta apresentada jamais foi submetida à apreciação deste, configurando, quando muito, um novo procedimento (específico) ao abrigo do Apêndice 11 de CAE.

Na Decisão do Painel Financeiro não foi proferida qualquer decisão para além da decisão unânime – e portanto final e definitiva – de rejeitar a pretensão da Ré de reembolso dos montantes incorridos com a Tarifa Social (e consequente a decisão de ordenar à Ré a devolução dos montantes a esse título já pagos pela REN Trading, conforme pedido reconvencional por esta REN formulado).

Daí que não pudesse ter iniciado a arbitragem sub judice.

Todas as decisões proferidas pelo Painel Financeiro, contidas no segmento dispositivo da sua Decisão, foram-no por unanimidade, sendo finais e definitivas para as Partes, estando a competência do Tribunal Arbitral contratualmente balizada pelo objeto do procedimento que correu perante o Painel Financeiro, concretizado pelos pedidos expressamente formulados pelas partes, em obediência ao princípio do dispositivo.

Assim, o Tribunal Arbitral não tinha competência para conhecer e decidir quaisquer questões relacionadas com o litígio que foi, de forma final, definitiva e vinculativa para as Partes, decidido pelo...

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