Acórdão nº 02623/15.4BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 03 de Dezembro de 2021

Magistrado ResponsávelRicardo de Oliveira e Sousa
Data da Resolução03 de Dezembro de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:* *I – RELATÓRIO A., com os sinais dos autos, vem intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença promanada pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, que, em 11.12.2020, julgou totalmente improcedente a presente ação e, consequentemente, absolveu o Réu do pedido.

Em alegações, a Recorrente formula as conclusões que ora se reproduzem, que delimitam o objeto do recurso: “(…) I- O presente recurso decorre da não concordância com o decidido, seja em matéria de facto, seja em matéria de direito, sem embargo o muito respeito que nos merece a decisão promanada pelo Tribunal a quo.

II- Todos os pressupostos que foram tidos por não verificados para o indeferimento do pedido, encontram-se preenchidos.

III- Está em causa um único facto criminoso violento cujos atos de execução de maior ou menor acuidade ou expressão abusiva são sempre gradativos e aquisitivos, isto é, vão sendo cada vez mais exponenciados na sua violência - não se pode deixar de olhar para trás! IV- Tudo quanto praticado, seja no Brasil, seja em Portugal a posteriori consubstancia, tão-só, um crime na forma continuada, donde, na apreciação do direito peticionado tem de, necessariamente, olhar-se para todas as circunstâncias abusivas descritas no Acórdão Condenatório promanado.

V- O lugar da prática do facto criminoso - abuso continuado - é, em termos penais, considerado em Portugal como se infere do que dispõe o artigo 7.°, n.° 1 do Código Penal.

VI- A lei quando fala em atos está a considerar o facto criminoso e não todos os atos de que este é composto o que decorre da leitura integrada da lei, do seu objeto (vítimas de crimes violentos).

VII- Por mais ou menos o relevo dos mesmos, a maior ou menor intensidade - já o dissemos - sendo uma situação sucessiva no tempo e continuada são sempre, uns após outros, potenciados pela realidade antecedente; VII- Não se aceita uma visão parcelada e desagravada dos atos em causa e da sua inequívoca violência e gravidade que não é compartimentável como o faz o Tribunal a quo.

VIII- A gravidade não se pode medir nos termos em que se faz, pois bastaria os termos do abuso e ser a ofendida uma criança para, objetivamente, estarmos a falar de um crime e circunstâncias gravíssimas - cfr. a propósito a Diretiva 2011/92/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho.

IX- Numa sociedade moderna não deveríamos estar, sequer, a discutir a gravidade de um abuso sexual em que a vítima é uma criança.

X- Estamos perante um facto criminoso grave e que deve ter-se como ocorrido também em Portugal, independentemente das circunstâncias mais ou menos abrangentes ou subsumidas ao mesmo.

XI- O nível de vida é, necessariamente afetado pelo crime sendo que a menor sempre se irá recordar do mesmo atenta a sua idade e tal terá implicações diretas na sua capacidade mormente profissional com reflexos patrimoniais e no seu nível de vida - o próprio Tribunal Criminal no seu Acórdão que a páginas 8 diz: “...factos praticados - que assumem acentuada gravidade e afetarão, por certo, de forma perene, o percurso de vida da A.”; (sublinhado nosso).

XII- O seu nível de vida enquanto integrada num agregado familiar e dada a sua dependência face à idade na altura dos factos e da decisão sobre os mesmos também é, notoriamente afetado.

XIII- A Apelante provou que ficou “afetada psicologicamente, carecendo, até, de apoio médico” através da múltipla documentação médica junto já em sede administrativa por referência ao processo judicial de natureza criminal trazido para os autos do processo administrativo, pelo que deve ser facto carreado para os Factos Provados! XIV- Está provado - e deve constar da matéria de facto assente - que a Apelada “ao nível da situação familiar em que vivia, com dois rendimentos, da mãe e do padrasto, e que toda a situação levou a que passasse a haver só um salário e que, posteriormente, fruto de toda esta situação, a mãe acabou por ficar desempregada”, seja pelo primeiro facto ser notório e resultar da experiência comum, seja do que resulta da documentação junta pela Apelante e tida como assente pelo SEF em informação de 4/11/2011 e resposta por si junta àquela Autoridade e que consta do processo administrativo.

XVI- O Tribunal a quo tira conclusões no vazio e com base em meras perceções o que é inaceitável.

XVII- A quantificação do dano patrimonial para além, de ser difícil ou impossível, face à natureza do crime e suas repercussões não é exigível pela lei.

XVIII- A lei não tem como requisito do adiantamento o pressuposto de pedido de danos patrimoniais e o Tribunal, apesar de confessar que assim é, não pode tomar para a análise do preenchimento dos pressupostos aquilo que não se impõe.

XIX- A lei não impondo esse pressuposto (pedido de danos patrimoniais), não é aceitável que se vá buscar - como se foi - apreciações conjeturais e de adivinhação sobre razões para a prática ou a sua falta de acto que a lei não impõe, não devendo o intérprete fazer distinções que a lei não faz.

XX- E se dúvidas houvessem da errada interpretação do Tribunal a quo corroborando a tese da Apelada in casu, as mesmas dissipar-se-iam com o teor do n.° 8 do artigo 4.° da lei 104/2009  XXI- Não se vê, aliás, como estamos a falar numa perturbação do nível de vida e não sejam ponderados os danos futuros e nem se precisa de aqui dar por reproduzida vasta literatura científica sobre as implicações de um crime desta natureza na estrutura pessoal da vítima e dos danos (já acima sublinhados e invocados ab initio) que vão ser repercutidos na esfera patrimonial e vida daquela.

XXII- Estar a exigir da vítima que possa concretizar os danos futuros logo no momento em que procura aceder a esta compensação é defraudar o escopo da lei devendo, antes, relevarem aqui, sobremaneira, os critérios de verosimilhança ou de probabilidade, de acordo com o que, em concreto, poderá vir a acontecer segundo o curso normal das coisas; XXIII- Não vemos porque o Tribunal a quo in casu não faz apelo das mesmas normas do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida para não deixar de considerar as implicações futuras que - e não são negáveis - um crime desta natureza, para mais perante uma criança, tem na perturbação do nível de vida, indiscutível no momento, seguramente previsível no futuro. (…)”.

* Notificada que foi para o efeito, a Recorrida Comissão de Proteção às Vítimas de Crime produziu contra-alegações, que concluiu da seguinte forma: “(…) A) A A. motiva-se ad recursum em pontos de vista elencados em circunstâncias procedimentais e em discordâncias da sentença recorrida, sem, contudo alicerçar em fundamentação cujos enunciados normativos suportem essas opiniões; B) Pretendendo enunciar o vício de contradição da sentença, o qual não tem razão de ser; C) Efetivamente, quer a apreciação procedimental, quer a matéria da prova, quer, ainda a interpretação de enunciados legais encontra-se inserida e detalhada em cada um dos pontos em que se estrutura a sentença recorrida; D) O que, desde logo, permite concluir que a sentença não é portadora de vícios, e, por isso, não milita em seu desabono qualquer uma das situações elencadas no art. 615.°, n.° 1, als. b) a e) do CPC, aplicável por força do arts. 1.° e 140.°, n.° 3 do CPTA, ou, ainda, qualquer outra; E) Uma vez que a decisão recorrida pronunciou-se sobre cada um dos temas objeto da lide, conheceu o que tinha o dever de conhecer e decidiu; F) É consabido, como também refere a sentença recorrida, que a atribuição de um adiantamento nos termos e para os efeitos peticionados no plano procedimental depende do preenchimento de condições constante do normativo aplicável, nos termos do (cfr. primeiro parágrafo, a fls. 21 a 24 da sentença recorrida); G) Ora, como também refere a sentença recorrida que “os atos de violência mais graves, mais reiterados e, sem dúvida, violento, ocorreram noutro país, e não em Portugal, o que é suficiente para afastar o regime da Lei n. ° 104/2009” (cfr. último parágrafo de fls. 24 e 1.° parágrafo de fls. 25 da sentença); H) Por outro lado, a sentença considerou ainda que a A. era conhecedora da situação financeira do padrasto e da suposta situação de desemprego da mãe e nada invocou nem peticionou neste domínio (cfr. último parágrafo de fls. 25 da sentença); I) O que permitiu ao Tribunal concluir pela desnecessidade de reparação; J) Reforçando a sentença recorrida que o normativo aplicável exige que exista perturbação considerável e, se assim tivesse sido a Autora, em primeira linha, deveria ter ali invocado (cfr. último parágrafo de fls. 25 da sentença); K) Não foi, processualmente, nem é nos presentes autos, líquido o efeito dos factos na sua vida profissional futura; tanto mais porque, L) Nada garante que a Autora, em virtude desta factualidade não consegue encontrar uma profissão que a satisfaça pessoal e financeiramente; Tal como, M) Nada garante que a Autora, por causa desta situação, não será capaz de se integrar e ter uma vida profissional desligada de tudo isto. (cfr. quarto parágrafo de fls. 26 da sentença); N) Isto é, está em causa futurologia. E, por ser dano eventual, futuro, incerto, imprevisível, não pode o mesmo ser assegurado por via do instituto a que ora, a A., recorre; O) A verdade é que não pode o Tribunal considerar preenchido nem o n.° 1 do artigo 2.° (princípio da territorialidade), nem a alínea b); P) E, por ser deste modo, improcede a presente ação, absolvendo a Ré do pedido (cfr. corpo de fls. 26 da sentença); Q) Na verdade, tal como a sentença decidiu, para que possa ser concedido “um adiantamento da indemnização pelo Estado” têm de se verificar, cumulativamente, os pressupostos previstos na norma aplicável, enunciada na sentença recorrida; R) Na situação vertente, e no ato objeto dos presentes autos, a CPVC, Recorrida, apreciou o pedido e fundamentou amplamente a decisão de...

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