Acórdão nº 03442/19.4BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 03 de Dezembro de 2021

Magistrado ResponsávelHelena Ribeiro
Data da Resolução03 de Dezembro de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte: 1.RELATÓRIO.

1.1.

M.

, Advogada, com domicílio profissional na cidade do Porto, intentou a presente ação administrativa contra a Ordem dos Advogados (OA), com sede em Lisboa, doravante Entidade Demandada ou Ré (R.), indicando como Contrainteressada A.

, residente em Espanha, pedindo que seja « anulada a decisão do Conselho Superior da Ordem dos Advogados, proferida em 23-09-2019, no processo n.º 56/2015- CS/R, tudo com as legais consequências», que confirmou a aplicação da pena de multa, fixada no valor de €1.000,00 (mil euros), com pagamento no prazo de três meses, “acrescida da entrega das quantias recebidas a título de tornas pertencentes à participante”, no prazo de 15 dias, sob pena de, não cumprindo, ser determinada a suspensão da inscrição da Autora.

Para tanto alega, em síntese, que a referida deliberação do Conselho Superior da OA, que negou provimento ao recurso interposto da deliberação do Conselho de Deontologia do Porto da OA, padece do vício de forma, por falta de fundamentação, ao omitir na decisão e no parecer prévio ao ato impugnado a indicação concreta de um só facto provado ou não provado e ainda por omissão de pronúncia sobre a questão suscitada no recurso a propósito da errada apreciação da matéria de facto.

Mais alega que o ato impugnado enferma de ilegalidade decorrente por errada apreciação da matéria de facto quanto à invocada prescrição do procedimento disciplinar e da própria infração.

Refere que a decisão impugnada fez uma incorreta interpretação dos institutos da compensação e da retenção e que o ato posto em crise enferma, nesta parte, de um abuso de direito.

1.2. Citada, a Entidade Demandada apresentou contestação, na qual se defendeu por impugnação, pugnando pela improcedência da ação.

1.3. Citada, a Contrainteressada não contestou, tendo apenas junto aos autos procuração forense.

1.4. Foi proferido despacho em que se dispensou a realização de audiência prévia, se considerou desnecessária a produção de outros meios de prova para além dos que constam dos presentes autos e do processo administrativo (PA), considerando-se esses elementos documentais suficientes, pertinentes e idóneos, sem necessidade de outras indagações, para conhecer do pedido formulado e fixou-se o valor da causa em €1.000,00 (mil euros).

1.5. Julgou-se a presente ação integralmente improcedente e absolveu-se a Entidade Demandada do pedido, constando esse saneador-sentença da seguinte parte dispositiva: «Ante o exposto, porque não provada, julgo a presente acção improcedente, mantendo na ordem jurídica o acto impugnado.

Custas pela Autora – cf. artigos 527.º, n.º 1, do CPC, 1.º do CPTA, 6.º, n.º 1, e 14.º-A, alínea e), do RCP.

Registe e notifique.» 1.6. Inconformada com o assim decidido, a Autora interpôs o presente recurso de apelação, em que formula as seguintes Conclusões: «I O documento nº8 junto com a petição inicial é um documento emitido pela ré, na qual esta reconhece expressamente que no dia 31 de Janeiro de 2008 a recorrente enviou a nota de honorários à contra-interessada e nessa mesma nota de honorários procedeu à compensação dos créditos “que se arrogou“ (cfr. fls. 137 e 138 do processo disciplinar); nesse mesmo documento nº8 junto com a p.i. é igualmente referido pela ré o seguinte: Posteriormente, a pedido da participante, em Maio de 2008, a Arguida discriminou a sua Nota de Honorários (cfr. fls. 138, ponto 12 do processo disciplinar).

II Assim sendo, deve ser adicionado à matéria de facto um ponto com o seguinte teor: A autora apresentou à contra-interessada, em Janeiro de 2008, a sua nota de honorários, tendo, mais tarde, complementado essa nota, sem alterar os respectivos valores, com a descriminação de todos os seus items, tendo tal facto sido expressamente reconhecido pelo réu III Conforme claramente resulta do ponto 17 dos factos provados, não há qualquer factualidade concretamente indicada no acto administrativo aqui em causa, não há qualquer referência factual, nem sequer por remissão, para qualquer outra peça constante do processo disciplinar, tendo-se limitado o autor do acto a pronunciar-se apenas sobre o recurso interposto pela também aqui recorrente e nada mais.

IV Nos processos disciplinares elaborados pela recorrida é necessário haver uma indicação expressa dos factos em que os mesmos se baseiam sendo também obrigatória na fundamentação das decisões que coloquem termo aos mesmo a existência de uma fundamentação factual, expressa ou por remissão, dentro de um enquadramento que obedeça aos princípios decisórios no processo penal, artº.201º, nº2, da Lei nº35/2014, de 20 de Junho, ex vi artº.126º da Lei nº145/2015, de 8 de Setembro.

V Considerando que o acto em causa nestes autos não contém um só facto provado, verifica-se que ao julgar que o mesmo está devidamente fundamentado a douta decisão aqui em crise violou o disposto nos artºs.152º e 153º do Código de Procedimento Administrativo, bem como o disposto no artº.268º, nº3, da CRP.

VI Uma coisa é a prescrição do direito de perseguir o agente a quem é imputada a prática de uma infracção permanente, cujo alargamento do prazo de prescrição disciplinar tem origem na conduta daquele, outra, bem diferente, é saber se a entidade com poder para exercer a acção disciplinar iniciar a sua actuação disciplinar dentro do referido prazo alargado pode, a partir desse momento, prevalecer-se na sua conduta de regras procedimentais distintas em termos de prazos para os seus próprios actos e para as suas próprias decisões.

VII A resposta a tal questão só pode ser negativa, desde logo, por falta de suporte constitucional, pois viola frontalmente o disposto no artº.20º, nº4, da CRP, segundo o qual todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo.

VIII Sendo omisso o EOA em matéria de prazo máximo de duração do procedimento disciplinar, esta questão tem que ser analisada tendo em atenção o disposto no nº5 do artº.178º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada pela Lei nº35/2014, de 20 de Junho, aplicável ex vi artº.126º do actual Estatuto da Ordem dos Advogados.

IX O citado artº.178º, nº5, da Lei nº35/2014, de 20 de Junho, regula precisamente o prazo de prescrição do processo procedimento disciplinar em si mesmo, limitando a sua duração máxima a 18 meses, sendo que o referido período, poderá ser suspenso, durante o tempo em que, por força de decisão ou de apreciação judicial de qualquer questão, a marcha do correspondente processo não possa começar ou continuar a ter lugar.

X O entendimento acima sustentado, no sentido de que próprio processo disciplinar tem prazos próprios de prescrição a partir do momento em que é instaurado e independentemente do tipo de infracção em causa, é reforçado pelo facto de o artº.220º da Lei nº35/2014, de 20 de Junho, prever também uma caducidade do direito de aplicar a sanção disciplinar, relevando aqui o disposto nos nºs.4, 5 e 6 da referida norma.

XI O facto de o actual Estatuto da Ordem dos Advogados ser posterior à instauração do processo disciplinar onde foi praticado o acto em causa, não impede a aplicação subsidiária da Lei nº35/2014, de 20 de Junho no seu decurso, nomeadamente na parte em que fixa a duração máxima do processo disciplinar.

XII Conforme resulta do Parecer que fundamenta o acto administrativo aqui em causa, foi nomeada uma Srª. Relatora em 12 de Janeiro de 2018, sendo que em 16 de Julho 2019 a mesma abriu mão dos autos (cfr. ponto 16 dos factos provados), o que quer dizer que o processo esteve parado mais de 18 meses após a sentença de anulação da primeira decisão do processo a prolação do acto administrativo aqui em causa.

XIII Tomando só em consideração os dois períodos acima referidos, verifica-se que entre a nomeação das Srªs. Relatoras do processo no Conselho Superior e as datas das respectivas decisões, o processo disciplinar esteve parado cerca de 30 meses, as quais quer sejam consideradas individualmente, quer sejam consideradas no seu conjunto, violam frontalmente o disposto no artº.20º, nº4, da CRP, já acima citado.

XIV Por isso, tendo em atenção o supra dito, verifica-se que o procedimento disciplinar aqui em causa prescreveu, tendo também caducado o direito da ré em aplicar a sanção disciplinar, mostrando-se igualmente violado o disposto no artº.20º, nº4, da CRP, o que desde já aqui se invoca para todos os devidos e legais efeitos.

XV Por força do exercício do seu mandato o advogado vê nascer na sua esfera jurídica um direito de crédito sobre o mandante, tendo este o direito a receber do advogado/mandatário todos os montantes que o mesmo tenha recebido na sequência do aludido exercício, ou seja, pode-se dar o caso de ambos, mandante e mandatário, serem, em simultâneo, credor e devedor um do outro.

XVI Quer o Meritíssimo Tribunal a quo no ponto 21 dos factos provados, quer a recorrida, quer ainda contra-interessada reconhecem que existe um crédito de honorários da recorrente pelos serviços profissionais prestados no valor, pelo menos, € 18.387,60 (dezoito mil trezentos e oitenta e sete euros e sessenta cêntimos).

XVII No momento em que foi proferida a decisão em causa nos presentes autos todos aqueles que iriam ser abrangidos pelos efeitos jurídicos da mesma não só sabiam que existe um crédito de honorários da recorrente sobre a contra-interessada, como também qual o valor que a recorrida atribuía ao mesmo.

XVIII Apesar disso, no acto administrativo aqui em causa, a recorrida decidiu não só penalizar disciplinarmente a recorrente, como também exigir que a mesma entregue à contra-interessada a totalidade do valor, incluindo o relativo ao crédito que a própria recorrida expressamente reconheceu que a recorrente detém sobre a contra-interessada.

XIX Tendo mantido tal entendimento, a douta decisão aqui em crise, além de ter dado cobertura judicial a um acto eivado do vício de...

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