Acórdão nº 324/14.0TELSB-DM.L1-5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 14 de Dezembro de 2021

Magistrado ResponsávelFERNANDO VENTURA
Data da Resolução14 de Dezembro de 2021
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, em conferência, na 5.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa I.

Relatório 1.

Nos autos com o n.º 324/14.0TELSB, o Ministério Publico proferiu, em 14 de julho de 2020, despacho de encerramento do inquérito, nos termos do qual, inter alia, (i) ordenou a extração de certidões para prosseguimento da investigação em inquéritos autónomos relativamente a um conjunto de sujeitos e matérias (capítulo identificado pela letra B, a fls. 47996 a 48007)); (ii) determinou o arquivamento dos autos relativamente a um dos arguidos, por falecimento do mesmo (Parte C, ponto 1, fls. 48008), na parte relativa a denúncias apresentadas por subscritores de valores mobiliários emitidos por empresas do grupo Espírito Santo (capítulo C, ponto 2, fls. 48008 a 48099), na parte relativa a crimes cuja investigação foi transmitida a Portugal pelo Grão-Ducado do Luxemburgo (capítulo C, ponto 3, a fls. 48099 a 48110) e quanto a outras matérias, de âmbito heterogéneo (Parte C, ponto 4, a fls. 48110 a 48199); e, por último, (iii) deduziu acusação contra os arguidos (…) aos quais imputa crimes de associação criminosa, de corrupção (ativa e passiva) no setor privado, de falsificação de documento, de burla qualificada, manipulação de mercado, de infidelidade e de branqueamento de capitais (fls. 48200 a 52052 do processo principal).

  1. Em 2 de fevereiro de 2021, decorrendo ainda o cumprimento das notificações determinadas no despacho atrás referido, JS, IM , DC e DS apresentaram requerimento conjunto, no qual, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 e do n.º 3 do artigo 68.º do Código de Processo Penal (doravante CPP, diploma a que nos referimos sempre que não seja feita menção de origem), requereram a respetiva constituição como assistentes e, invocando o n.º 1 do artigo 284.º do CPP, apresentaram “acusação subordinada”, aderindo «desse modo, em termos genéricos, à acusação pública deduzida pelo Ministério Público no âmbito dos presentes autos». Por último, na mesma peça, ao abrigo do n.º 3 do artigo 77.º do CPP, deduziram também pedido de indemnização civil contra RE , JS, MS , FC , AP , IB, NE, Espírito Santo International, S.A. e Rioforte Investments, SA, pedindo a condenação destes, a título de danos patrimoniais, no pagamento aos demandantes do montante de 231.198,18€, acrescido de juros vencidos desde julho de 2016, e dos vincendos até integral pagamento e, a título de danos não patrimoniais, no pagamento de €10.000,00 ao primeiro requerente, bem como nos juros vincendos sobre essa quantia (fls. 3 a 26 do apenso de recurso).

  2. Por despacho judicial de 9 de abril de 2021, foi indeferido o pedido de constituição como assistente dos quatro requerentes.

  3. Inconformado, o primeiro requerente, JS, interpôs recurso desse despacho, extraindo da motivação as seguintes conclusões: «I. Nos presentes autos os arguidos vêm acusados, entre outros, dos seguintes crimes: crime de burla simples e qualificada, abuso de confiança, falsificação de documentos, infidelidade e branqueamento de capitais.

    1. O recorrente, também enquanto lesado/ofendido, veio requerer a respectiva constituição de assistente, nos termos do artigo 68°, n.° l, alínea a) do C.P. Penal.

    2. O Tribunal a quo indeferiu a constituição de assistente por parte do recorrente, alegando, para tal a sua falta de legitimidade, em virtude da mesma fundamentar o seu pedido na aquisição de ações da Portugal Telecom, Portugal Telecom SGPS e/ou Multimedia, PT International Finance BV e de tais instrumentos de dívida não serem objeto do despacho de encerramento do inquérito proferido nestes autos no dia 14.07.2020.

    3. O recorrente não se limita a fundamentar o seu pedido de indemnização e constituição de assistente na mera aquisição de acções da Portugal Telecom.

    4. Ao longo do seu pedido de indemnização civil e requerimento de constituição de assistente, o recorrente alega e contextualiza, utilizando para o efeito partes da acusação deduzida pelo Ministério Público, a relação entre a Portugal Telecom e o Grupo Espírito Santo, de modo a concluir que as condutas criminosas perpetradas pelos arguidos tiveram influência directa na perda do seu investimento.

    5. A relação com a Portugal Telecom e com o Grupo Espírito Santo encontra-se discriminada, entre outros, nos pontos 5.2.2.1.1. e sgs. e ainda 7.4.5.2. da acusação.

    6. A época da subscrição, como resulta da acusação (pontos 3711, ss) o Grupo PORTUGAL TELECOM (PT), liderado pela holding de topo, a PORTUGAL TELECOM SGPS (em 29.05.2015 redenominada PHAROL SGPS SA), até 2014 o principal operador no setor das telecomunicações em Portugal, foi, também, fonte importante de liquidez para o GES.

    7. Com efeito, RE , em conjugação de esforços com os demais arguidos, logrou que fosse implementada na PT uma política de gestão de recursos que beneficiou financeiramente o GES, seja através de depósitos do Grupo PT no BES, seja pela tomada de obrigações, até 2008 as comercializadas pelo Grupo BANCO ...e, a partir de 2010, as emitidas pela ESI.

    8. Entre 2001 e 2013, RE conseguiu que a PT concentrasse montantes significativos da sua tesouraria em depósitos no BANCO ...e obrigações, representando tais investimentos 91% do total de tesouraria da PT.

    9. A partir de 2010, RE , querendo dissimular a deterioração da situação financeira e patrimonial da ESI, conseguiu que o Grupo PT investisse os seus excedentes de tesouraria em obrigações emitidas por essa holding.

    10. A ESI tinha capitais próprios negativos de, pelo menos, 1609,6 milhões de euros, valor que, se a participação sobre a ESFG fosse ajustada para a cotação em bolsa, atingiria a expressão negativa de 2.791 milhões de euros.

    11. Parte da dívida da ESI foi transferida para a RIOFORTE alegando os arguidos que se trataria de uma reestruturação financeira do GES, passando a ser a nova holding do GES.

    12. A RIOFORTE faz parte do GES.

    13. Entre 2009 e Julho de 2014 RE exerceu controlo sobre todo o GES.

    14. Nessa medida, e através de deliberações aprovadas nas diferentes reuniões dos Conselhos de Administração (CA) de cada uma das sociedades, foram “fabricados” instrumentos de divida emitidos pelas diferentes sociedades do grupo, foi falsificada documentação contabilística com vista à possível emissão de tais instrumentos de divida, foram promovidos produtos financeiros de sociedades já insolventes, foram emitidos valores mobiliários em franca contradição com deliberações proferidas pelo Banco de Portugal, enquanto entidade reguladora.

    15. Foi na sequência da influência de RE , em comunhão de esforços com as pessoas melhor identificadas na acusação, que a Portugal Telecom subscreveu obrigações das ESI e das empresas do grupo que dela faziam parte.

    16. Em janeiro de 2014, na execução do plano de “reestruturação” do GES gizado, mostrava- se essencial que a dívida ESI tomada pelo Grupo PORTUGAL TELECOM, que, a 31.12.2013, se cifrava em 750 milhões de euros fosse assumida na integra pela RIOFORTE (ponto 8662, da acusação).

    17. Nessa altura, bem sabiam os arguidos que a ESI não tinha capacidade para reembolsar aquela dívida tomada pelo Grupo PT.

    18. Em janeiro de 2014, RE , referindo-lhe o plano de “reestruturação” do GES e apresentando a RIOFORTE como a nova holding de topo do GES, solicitou que os investimentos do Grupo PT em papel comercial da ESI fossem transferidos para Obrigações emitidas pela RIOFORTE, a serem sucessivamente roladas, pelo período de um ano, até fevereiro de 2015.

    19. Toda a conduta que originou perdas para a PT de cerca de 897 milhões de euros encontra-se descrita nos pontos 8662 a 8682 da acusação.

    20. Em 05.05.2014, aquando da liquidação do aumento de capital da OI, a PORTUGAL TELECOM contribuiu com os ativos que haviam sido transferidos para a PT Portugal, incluindo as Obrigações RIOFORTE no valor de 897 milhões de euros, subscritas pela PT SGPS e pela PT FINANCE.

    21. Consequentemente, depois de em julho de 2014 a RIOFORTE não ter reembolsado estas Obrigações tomadas pelo Grupo PT, em processo que veio a culminar na sua insolvência, a PT SGPS (atual PHAROL SGPS) sofreu um prejuízo de 897 milhões de euros.

    22. Estas perdas em 2014, causadas pela omissão deliberada da real situação financeira da ESI e da RIOFORTE e falsificação de diversos documentos, levaram a que, mais tarde, em 2016, a OI, tendo já a PT e a PTIF integrada no seu perímetro, tivesse necessidade de pedir ao tribunal a proteção dos credores.

    23. A OI admite que o crescimento da dívida foi o que originou os seus problemas financeiros.

    24. Ao invés de apresentarem a ESI/RIOFORTE à insolvência, o arguido RE , coadjuvado pelos demais co-arguidos, utilizaram a ESI/RFI para se financiar junto de terceiros.

    25. De modo a aparentar uma realidade que sabiam não existir, para que fosse possível manter a emissão de produtos financeiros da ESI/RFI, os arguidos/Demandados ordenaram ou executaram atos de manipulação das contas desta entidade por recurso a documentos que falsificaram ou mandaram falsificar.

    26. Os arguidos/Demandados agiram com intenção de obter para si, ou para entidades do Grupo Espírito Santo, um enriquecimento ilegítimo.

      XXVIII. Para o efeito utilizaram, entre outras, as estruturas do BANCO ...de modo que estas comercializassem produtos financeiros que os primeiros sabiam não deter valor ou serem pouco fiáveis.

    27. Assim, o pedido de recuperação pela OI e a consequente perda e danos na esfera patrimonial do lesado/recorrente, está diretamente relacionada com os factos descritos na acusação deduzida pelo Ministério Público.

    28. Considerou o Douto despacho recorrido que os factos relatados e que fundamentam o pedido de constituição como assistente em causa, não são objecto dos autos.

    29. Porém, as condutas dos arguidos descritas no pedido de indemnização civil e constituição de assistente dizem respeito a factos constantes da Acusação (pontos 4013, 5.2.2.11 e seguintes e 7.4.5.2. da Acusação).

    30. Os factos descritos no despacho de acusação “...dão corpo ao texto que os concretiza em sede de acusação, na qual são imputados os crimes de...

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