Acórdão nº 920/21 de Tribunal Constitucional (Port, 09 de Dezembro de 2021

Magistrado ResponsávelCons. José João Abrantes
Data da Resolução09 de Dezembro de 2021
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 920/2021

Processo n.º 536/2020

1ª Secção

Relator: Conselheiro José João Abrantes

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – A Causa

1. A., ora Recorrida, deduziu oposição à execução fiscal instaurada no Serviço de Finanças de Sintra – 2, com vista à cobrança coerciva de dívidas tributárias respeitantes a IRC, a IVA e a IUC, na sequência de reversão contra a mesma em função da sua responsabilidade subsidiária, incidente que correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, com o número 1439/16.5BESNT.

Em 27/09/2019, foi proferida sentença a julgar procedente a oposição à execução fiscal e, em consequência, a absolver a Executada/Oponente da instância executiva, condenando a Fazenda Pública em custas.

1.1. Elaborada a conta de custas, que liquidou a importância de € 306,00 cujo pagamento é da responsabilidade da Autoridade Tributária e Aduaneira (cfr. n.º 7 do artigo 26.º do Regulamento das Custas Processuais), o Ministério Público reclamou da mesma, ao abrigo do artigo 31.º, n.º 1 e 3, alínea a), do Regulamento das Custas Processuais, com os seguintes fundamentos (cfr. fls. 81):

“[…]

“Da conta de custas agora em reclamação consta, e no que agora importa, a liquidação de um valor na importância de € 306,00 da responsabilidade da Autoridade Tributária e Aduaneira, e efetuada ao abrigo do disposto no artigo 26º, nº 7, do Regulamento das Custas Processuais.

A disposição referida é aplicável aos casos em que a parte vencedora goza de apoio judiciário, referindo tal norma que, e nessas situações, as custas de parte pagas pelo vencido revertem em favor do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, I.P..

A norma referida supõe um prévio pagamento das custas de parte, mas a mesma não habilita à inclusão na liquidação da conta do processo de qualquer valor a título de custas de parte.

Com efeito, as custas de parte, e qualquer que seja a identidade ou qualidade do credor, não podem ser incluídas na conta de custas, pois como se refere expressamente no artigo 30º, nº 1, da Portaria nº 419-A/2009, de 17 de abril, as custas de parte não se incluem na conta de custas, pelo que a liquidação da conta afronta essa disposição legal.

Desse modo, como se referiu, da norma do artigo 26º, nº 7, do Regulamento das Custas Processuais, não resulta a possibilidade de incluir na conta de custas o valor das custas de parte que revertem para o IGFEJ. Neste sentido se pronuncia o Conselheiro Salvador da Costa ( Alteração do Regime das Custas Pela Lei nº 27/2019, de 28 de março, pgs. 4/5, in blog do IPPC – Instituto Português de Processo Civil).

A isto acresce que os valores a incluir na conta de custas constam da disposição do artigo 30º, do referido Regulamento, e no mesmo não estão incluídas as custas de parte, de quem quer que seja.

Aliás, a inclusão na conta de custas, liquidada pela secretaria, das custas de parte que revertem para o IGFEJ sempre seria inconstitucional por violação do princípio constitucional da igualdade consagrado no artigo 13º, da Constituição, e redundaria na igual inconstitucionalidade da norma do artigo 26º, nº 7, do RCP, na interpretação de que a mesma permite incluir na conta as custas de parte que revertem em favor do IGFEJ, por tratar de modo desigual a forma de liquidação das custas de parte em função da qualidade do credor das mesmas.

Assim, pelo exposto, requer-se a V. Exa. se digne mandar reformar a conta de custas liquidada nos autos, de modo a excluir o valor de € 306,00 supra mencionado.

[…]”.

1.2. Por despacho de 3/05/2020, o TAF de Sintra indeferiu a reclamação da conta de custas apresentada pelo Ministério Público (cfr. fls. 106 a 110), com os seguintes argumentos:

“[…]

Cumpre apreciar e decidir.

Para tanto, vejamos qual o regime jurídico aplicável ao caso.

Se a parte vencedora gozar do benefício de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, « as custas de parte pagas pelo vencido revertem a favor do Instituto do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, I.P.» (nº 7 do artigo 26º do RCP, na redação que lhe foi dada pela Lei nº 27/2019, de 28 de março).

Como é afirmado por Salvador da Costa, a reconstituição do pensamento legislativo que presidiu ao disposto neste normativo não se revela fácil (cfr. Salvador da Costa, em “Alteração do Registo das Custas pela Lei nº 27/2019, de 28 de março, de 28 de março, disponível em (…).

De todo o modo, na fixação do seu sentido e alcance, partiremos do pressuposto de que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (nº 3 do art. 9º do Código Civil).

Tendo este como pano de fundo, verificamos, desde logo, que o legislador pretendeu criar uma norma de efeito equivalente àquela que se encontrava prevista no nº 6 do referido art. 27.º do RCP, de acordo com a qual se a parte vencida for o Ministério Público ou gozar do benefício de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, “o reembolso das taxas de justiça pagas pelo vencedor é suportado pelo Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, I.P.”.

Atualmente, e face às normas acima identificadas, o Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, I.P. é responsável pelo reembolso da taxa de justiça paga pela parte vencedora, quando for parte vencida na ação o Ministério Público ou o beneficiário do apoio judiciário, na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo; e, por outro lado, o Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, I.P. é beneficiário das custas de parte pagas (leia-se, taxa de justiça) pela parte vencida, quando o beneficiário do apoio judiciário, na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, for parte vencedora na ação.

E dizemos apenas taxa de justiça paga porque, quanto aos demais elementos que integram as custas de parte (isto é, os encargos e os honorários), os mesmos já são levados a regra de custas, por força do disposto nas subalíneas i) e ii) da alínea a) do artigo 16º e alínea c) do nº 3 do artigo 30º da RCP, do artigo 36º da Lei nº 34/2004, de 29 de julho, e do nº 1 do art. 8º da Portaria nº 10/2008, de 3 de janeiro. Pelo que o sentido daquela expressão “custas de parte pagas” só terá alguma utilidade se for entendida como dizendo respeito a “taxa de justiça pagas”.

Quando o Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, I.P. é responsável pelo reembolso da taxa de justiça, sabemos que o reembolso da taxa de justiça não depende da apresentação da nota discriminativa de custas de parte, mas tão-só de requerimento dirigido ao juiz, apresentado pela parte vencedora no processo (cf. neste sentido Salvador da Costa, em «As Custas Processuais, Análise e Comentário», 7.ª edição, Almedina, p. 236).

Resta saber qual o procedimento que deve ser adotado quando o Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, I.P. é beneficiário das custas de parte pagas (leia-se, taxa de justiça pagas) pela parte vencida, nos termos do nº 7 do artigo 27º do RCP.

A resposta encontra-se na alínea f) do nº 3 do artigo 30º do RCP, de acordo com a qual a conta é processada pela secretaria, através dos meios informáticos previstos e regulamentados por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça, nela devendo ser, nomeadamente, indicados os montantes a pagar ou, quando seja caso disso, a devolver à parte responsável.

E este procedimento é coerente com o sistema de custas processuais.

Isto porque estamos perante um crédito que é devido pela parte vencida ao Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, I.P., cujo montante é equivalente ao valor da taxa de justiça paga pela parte vencida. O que, desde logo, afasta qualquer tese a respeito da inconstitucionalidade orgânica do nº 7 do art 26º do RCP.

A existência de tal crédito não depende do envio de nota discriminativa e justificativa de custas de parte, nem tão-pouco de um pagamento da taxa de justiça pela parte vencedora. O mesmo nasce da verificação dos elementos da previsão nº 7 do art. 26º do RCP: o primeiro, a existência de uma parte vencedora que é beneficiária de apoio judiciário, na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, e, o segundo, o pagamento de custas de parte (leia-se, taxa de justiça) pagas pela parte vencida.

Além de que há uma obrigação que a lei faz impender sobre a secretaria de processar a conta nela indicando, nomeadamente, os montantes a pagar ou, quando seja caso disso, a devolver à parte responsável [alínea f) do nº 3 do artigo 30º do RCP]. E um dos montantes a pagar é aquele que resulta do nº 7 do art. 26º do RCP, de acordo com o qual a parte vencida ao Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, I.P. deve um montante equivalente às «taxas de justiça pagas».

Por último, este entendimento não contende com o nº 1 do artigo 30º da Portaria nº 419-A/2009, de 17 de abril, que estabelece que “[a]s custas de parte não se incluem na conta de custas”. Com efeito não estamos perante meras custas de parte, mas antes perante um crédito devido ao Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, I.P. nascido ao abrigo do nº 7 do artigo 26º do RCP.

Este procedimento permite ainda ultrapassar a dificuldade relativa à não intervenção do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, I.P. em cada um dos processos em que teria direito ao crédito equivalente à «taxa de justiça paga» pela parte vencida, e em que não é notificado da sentença proferida por forma a solicitar, processo a processo, os créditos que lhe são devidos.

A diferença entre os beneficiários deste crédito justifica...

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