Acórdão nº 82/13.5IDPRT-A.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 24 de Novembro de 2021
Magistrado Responsável | EDUARDA LOBO |
Data da Resolução | 24 de Novembro de 2021 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
Processo nº 82/13.5IDPRT-A.P1 1ª secção Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal da Relação do Porto I - RELATÓRIO Encerrado o Inquérito que correu termos no DIAP da Comarca do Porto Este, Secção de Lousada, com o nº 82/13.5IDPRT, o Ministério Público deduziu acusação contra 14 pessoas (três sociedades comerciais e 11 pessoas singulares), entre as quais B…, SA., C…, D… e E…, imputando-lhes a prática, em coautoria material de um crime de fraude qualificada p. e p. nos artºs. 10º nº 1, 14º e 26º do Cód. Penal e 5º nºs 1 e 2, 6º nºs 1 e 2, 103º nº 1 als. a) e c), e 104º nº 1 als. a), d) e e), nº 2 als. a) e b) e nº 3, todos do RGIT.
Notificados da acusação, a arguida B…, SA., por um lado, e os arguidos C…, D… e E…, por outro, requereram a abertura de instrução.
No seu RAI, a arguida B…, SA. alegou, além do mais, que impugnou judicialmente no Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel as liquidações de IVA e IRC relativas aos anos de 2010, 2011 e 2012, que ali correm termos sob os Procs. nº 226/14.0BEPNF e 215/14.4BEPNF, requerendo a suspensão dos presentes autos até ao trânsito em julgado das sentenças que ali vierem a ser proferidas.
Por decisão proferida em 04.06.2021, o Sr. Juiz de Instrução Criminal de Penafiel determinou, ao abrigo do artº 47º nº 1 do RGIT, "a suspensão dos presentes autos até que seja proferida nos processos de impugnação uma sentença transitada em julgado".
Inconformados com a suspensão decretada, vieram os arguidos D…, E… e C… interpor o presente recurso, extraindo das respetivas motivações as seguintes conclusões: 1. Os aqui arguidos pretendem que seja revogado o despacho datado de 07.06.2021, que decidiu pela suspensão dos presentes autos nos termos do disposto no artº 47º nº 1 do RGIT e que o mesmo seja substituído por outro que determine a não suspensão da totalidade do processo, tendo como consequência, que os autos prossigam em relação aos aqui Recorrentes, designadamente que determine a abertura de instrução e o deferimento das diligências instrutórias requeridas, no sentido de ser proferida decisão de não pronúncia dos Arguidos.
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Nos presentes autos foi proferido despacho de acusação pelo Exmo. Sr. Magistrado Ministério Público, onde os aqui Arguidos/Recorrentes vêm acusados em coautoria material pela prática de um crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelo disposto nos artigos 10.º, n.º 1, 14.º, 26.º, 2:º proposição, todos do Código Penal, assim como pelos artigos 5.º, n.º 1 e 2, 6.º, n.º 1 e n.º 2, 103.º, n.º 1 al. a) e c) e art.º 104.º, n.º 1 al. a), d) e e), n.º 2 al. a) e b) e n.º 3 do R.G.I.T, com uma moldura penal de prisão de 2 a 8 anos.
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A convicção do Tribunal a quo para suspender os presentes autos sustenta-se no facto da sociedade arguida “B…, S.A.”, ter questionado em sede de impugnação judicial tributária, as mencionadas facturas que originaram as correções e liquidações de IVA e IRC, relativos aos anos de 2010, 2011 e 2012, assim como as conclusões vertidas no relatório de inspeção tributária.
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Considera o Douto Tribunal recorrido as referidas impugnações apresentadas pela aludida sociedade, junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel configuram causa prejudicial do prosseguimento do presente processo penal, nos termos do disposto no art. 47.º, n.º 1 e 48.º do RGIT.
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Ora, e sem prescindir, a verdade é que os Arguidos ora Recorrentes não figuram como impugnantes, nos referidos processos, pelo que a suspensão dos autos podem a si não aproveitar.
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Pois a impugnação judicial tem um carácter individual e pessoal, pelo que apenas pode condicionar os efeitos da sua ação em relação a si mesmo, e não em relação a quem não é parte na impugnação, nem nela interveio. Neste sentido o Ac. Da Relação do Porto, de 20.11.2019, Relator: Liliana de Paris Dias, proc. n.º 342/16.3IDAVR-BB.P1, in www.dgsi.pt.
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E, ainda que não se ponha aqui em causa a justeza e correção das impugnações deduzidas pela Arguida “B…, Lda.” e que no limite apurando-se que nada é devido ao erário público ou que não é devido o que a Administração Tributária pretenderia, fica demonstrada, respetivamente a inexistência de qualquer comportamento penalmente censurável ou a eventual persistência dos pressupostos da responsabilidade penal dos aqui Arguidos, 8. a verdade é que os mesmos também tem direito a um processo justo e a obtenção de uma decisão em prazo razoável.
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O direito a um processo justo, pressupondo a obtenção de decisão em prazo razoável, com garantia constitucional no art. 20, n.º 4, da Const. Rep. Portuguesa e com eco no art. 6, §1º, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH).
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Daí a prevalência do princípio da continuidade do processo penal, com repercussão no art. 7º, do Cód. Proc. Penal, que consagra o princípio da suficiência estatuindo, no n.º 1, que “o processo penal é promovido independentemente de qualquer outro e nele se resolvem todas as questões que interessarem à decisão da causa”, admitindo no n.º 2 a possibilidade de suspensão unicamente a título excepcional e submetida a requisitos e prazos muito apertados (n.º 3 e 4), com vista a obviar a constantes interrupções determinadas por questões acessórias, com o consequente protelamento da decisão da questão penal.
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Posto que o aqui se pretende evitar é uma paralisação do processo por longo período de tempo em claro prejuízo para os aqui Arguidos.
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Sendo que assim se considera que o despacho ora recorrido ao interpretar e aplicar nos termos em que o fez, o art.º 47.º, n.º 1 do RGIT, viola o art.º 32.º, n.º 2 da CRP e o art.º 6.º da Convenção dos Direitos do Homem, violando assim o direito dos aqui Arguidos serem julgados no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa, bem como o princípio do Estado de Direito democrático e ainda os princípios de direito comunitário, tendo como consequência tal interpretação a indefinida suspensão do processo penal.
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Do exposto considera-se necessário a organização de certidão para processo autónomo, uma vez que está em causa uma suspensão parcelar do processo penal tributário.
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Com efeito, dado que, como vimos, a impugnação judicial deduzida apenas por alguns dos arguidos, no caso a Arguida B…, Lda. não aproveita aos demais, não há qualquer dúvida quanto à conveniência da separação de processos, à luz do disposto no art. 30.º, n.º 1, alíneas a), b) e c), do Código de Processo Penal.
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É que, por um lado, a manutenção da unidade do processo poderá retardar excessivamente o julgamento, relativamente aos Arguidos não impugnantes, pondo em causa os seus interesses.
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E, por tais razões supra expressas nas alegações, o processo não deveria ter sido suspenso quanto aos Recorrentes, por aplicação do art.° 47.° do RGIT.
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A norma aplicada com a interpretação que lhe foi dada é inconstitucional por violar o direito a um processo justo e equitativo, violando as garantias de defesa dos Arguidos, uma vez que os Recorrentes vêm a situação fiscal da qual depende a qualificação criminal ser arrastada por um tempo demasiado longo que não se compadece com o verdadeiro e real tempo da vida das pessoas havendo, pois, violação do art.° 20.° e do n.° 9 do artigo 32.°, ambos da CRP.
*Na 1ª instância o Ministério Público respondeu às motivações de recurso, concluindo pela sua improcedência.
*Neste Tribunal da Relação do Porto a Srª. Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso.
*Cumprido o disposto no artº 417º nº 2 do C.P.Penal, vieram os arguidos/recorrentes responder, reproduzindo os fundamentos do recurso e concluindo pelo seu provimento.
*Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência.
* *II - FUNDAMENTAÇÃO A decisão sob recurso é do seguinte teor: transcrição «Em sede de requerimento de abertura da instrução, para além do mais, a sociedade arguida “B…, S.A.”, veio requerer a suspensão do presente processo, nos termos prescritos pelo art. 47º, nº 1, do Regime Geral das Infrações Tributárias.
Sustentando, em síntese, que nos processos fiscais que identifica está em causa a discussão de factos e a situação tributária de cuja definição depende a verificação e qualificação dos factos imputados no presente processo. Sendo que, o que se discute em sede de impugnação judicial tributária, incide sobre as mencionadas faturas que originaram as liquidações de IVA e IRC, relativos aos anos de 2010, 2011 e 2012.
A ser assim, entende que referidas impugnações configuram causa prejudicial do prosseguimento do presente processo penal.
Com vista o Ministério Público, pugna pelo deferimento do requerido, nos termos e com os fundamentos exarados a fls. 1912.
Por sua vez, os arguidos D…, E… e C…, sustentam o indeferimento do requerido, uma vez que nada contribuíram para a prática do imputado ilícito típico.
Cumpre apreciar e decidir: Para o efeito, sob a epígrafe “Suspensão do processo penal tributário”, prescreve o art. 47º, nº 1, do RGIT, que: “1 - Se estiver a correr processo de impugnação judicial ou tiver lugar oposição à execução, nos termos do Código de Procedimento e de Processo Tributário, em que se discuta situação tributária de cuja definição dependa a qualificação criminal dos factos imputados, o processo penal tributário suspende-se até que transitem em julgado as respetivas sentenças”.
Como ensina Germano Marques da Silva, (in “Direito Penal Tributário”, 2ª Edição revista e ampliada, Universidade Católica Editora, 2018, pág. 163), o princípio de suspensão do processo penal tributário previsto no aludido art. 47º do RGIT, constitui um desvio à regra da suficiência do processo penal, consagrado no nº 1 do art. 7º do C.P.Penal, por se considerar que o processo de impugnação judicial ou oposição à execução, nos termos do Código de Procedimento e Processo Tributário, constituem questão não penal que não pode ser convenientemente resolvida no processo penal, prejudicial ao conhecimento de um crime tributário.
Porém, como advertem Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, (in...
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