Acórdão nº 96/20.9GFELV-A.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 23 de Novembro de 2021

Magistrado ResponsávelMARIA CLARA FIGUEIREDO
Data da Resolução23 de Novembro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I - Relatório.

Nos autos de inquérito que correm termos no Juízo Local Criminal de Elvas, Comarca de Portalegre, com o n. 96/20.9GFELV-A, foi o arguido (…) e com domicílio na Rua (…), ouvido em interrogatório judicial de arguido detido, tendo-lhe sido aplicada a medida de coação de prisão preventiva nos termos dos artigos 191.º n.º 1, 192.º, 193.º, 194.º, 196.º n.º 4, 202.º n.º 1, alínea b), ex vi do artigo 1.º j), 203.º n.ºs 1 e 2 a) e b) e 204.º c), todos do Código de Processo Penal, por existirem fortes indícios da prática de um crime de violência doméstica previsto e punido pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2, alínea a), do Código Penal e por ter sido considerado que o arguido incumpriu reiteradamente as medidas de coação que anteriormente lhe haviam sido aplicadas nos autos, mostrando-se reforçados os perigos que já haviam determinado a aplicação de tais medidas, sobretudo o perigo de continuação da atividade criminosa.

Inconformado com tal decisão, veio o arguido interpor recurso da mesma, tendo apresentado, após a motivação, as conclusões que passamos a transcrever: “1- A medida de coação de prisão preventiva foi aplicada ao arrepio dos princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade, não estando reunidos os requisitos de que depende o seu preenchimento; 2- A medida de coação aplicada é manifestamente excessiva, sendo a manutenção das medidas já aplicadas a decisão mais adequada e ponderada, face aos elementos constantes do processo.

3- Como bem enuncia o Acórdão do douto Tribunal da Relação de Guimarães, Proc. 38/17. GAMNG-A. G1, de 24/04/2017, o princípio da proporcionalidade desdobra-se em quatro subprincípios: “A necessidade (indispensabilidade das medidas restritivas para obter os fins visados, com proibição de excesso; a adequação (idoneidade das medidas para a prossecução dos respetivos fins); a subsidiariedade e da precariedade, todos eles corolários do principio da presunção de inocência.” 4- Os princípios enunciados no art.º 193º do CPP, determina assim que a liberdade das pessoas só posa ser limitada em virtude de exigências processuais de natureza cautelar, fundamentando-se em factos concretos que possam preencher tais pressupostos. Não basta pois, a simples projeção em abstrato.

5- O perigo de continuidade da atividade criminosa de acordo com o que se demonstrou, não evidencia fundamento bastante, porquanto o arguido apenas iniciou contatos com a vítima após esta ter tomado tal iniciativa, pois até esse momento não a tinha contado.

6- Quanto ao perigo de perturbação grave da tranquilidade publicas pois não existe qualquer receio de que uma conduta futura do arguido conduza à prática de outros crimes, não existindo na comunidade qualquer receio ou sinal de perturbação da ordem e paz públicas.

7- A vítima frequentou, até julho de 2021, a casa do arguido, pelo que este não alcançou que com sua conduta de aceder aos apelos da vítima, estivesse em algum momento a violar as medidas de coação que lhe haviam sido impostas, uma vez que o impulso dos contatos com a vítima, partiram logo após o 1º interrogatório da iniciativa desta.

8- A vítima ligava amiúde ao arguido, para lhe pedir comer para fazer o jantar para os seus filhos, tendo mesmo chegado a ligar para lhe pedir para lhe levar tabaco a casa, pelo que não se poderá invocar que o arguido tenha incumprido as medidas de proibição de contatos.

9- A vítima enviou uma foto íntima sua para o arguido e manteve relações sexuais com este até final de junho de 2021, factos que legitimam a confusão e a conduta do arguido relativamente aos contatos.

10- O arguido, aqui recorrente não tem qualquer antecedente criminal, quer por outros crimes, quer por crimes de idêntica natureza, não sendo previsível, quer por este motivo, quer pelos factos carreados, que em sede de eventual condenação, o arguido venha a ser sujeito a uma pena privativa da liberdade de forma efetiva.

11- O arguido vivia até então, com os seus filhos, exercendo na totalidade as responsabilidades parentais, mantendo com estes um vínculo afetivo muito forte, cuidando em exclusivo do seu vestuário, alimentação e educação, não dispondo de qualquer ajuda, satisfazendo em pleno as suas necessidades básicas, situação reconhecida pela vítima.” Termina pedindo a revogação da medida de coação que lhe foi aplicada e a sua substituição por outra medida não privativa da liberdade.

*O recurso foi admitido.

Na 1.ª instância, o Ministério Público pugnou pela improcedência do recurso e pela consequente manutenção da decisão recorrida, tendo apresentado as seguintes conclusões: “1. Não restam dúvidas nos autos de que o arguido desrespeitou a decisão do Tribunal, violando as obrigações que lhe foram impostas por aplicação de uma medida de coação.

  1. Mostram-se reunidos todos os pressupostos legais para imposição da medida de coação de prisão preventiva que veio a ser aplicada ao arguido.

  2. Ao contrário do alegado pelo recorrente, verifica-se no caso concreto fortes exigências cautelares, consubstanciadas no perigo de continuação da atividade criminosa.

  3. A decisão recorrida não violou, de forma alguma, o disposto nos artigos 18.º, n.º 2, 27.º, 28.º, n.º 2 e 32.º, da Constituição da República Portuguesa e 191.º, 192.º, 193.º, n.ºs 1, 2 e 3, 194.º, 196.º, n.º 4, 202.º, n.º 1, al. b), ex vi artigo 1.º, al. j), 203.º, n.ºs 1 e 2, als. a) e b) e 204.º, al. c), do CPP.

  4. A medida de coação de prisão preventiva aplicada ao arguido mostra-se necessária, adequada e proporcional.

  5. Razões pelas quais não deve merecer provimento o recurso do recorrente, devendo manter-se, por legal, a medida de coação de prisão preventiva aplicada ao arguido nos presentes autos.”*A Exm.ª Procuradora Geral Adjunta neste Tribunal da Relação emitiu parecer, tendo-se pronunciado no sentido da improcedência do recurso.

*Foi cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2 do CPP, tendo sido apresentada resposta pelo arguido.

Procedeu-se a exame preliminar.

Colhidos os vistos legais e tendo sido realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

II – Fundamentação.

II.

I Delimitação do objeto do recurso.

Nos termos consignados no artigo 412º nº 1 do CPP e atendendo à Jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19/10/95, publicado no DR I-A de 28/12/95, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente na sua motivação, as quais definem os poderes cognitivos do tribunal ad quem, sem prejuízo de poderem ser apreciadas as questões de conhecimento oficioso.

Em obediência a tal preceito legal, a motivação do recurso deverá enunciar especificamente os fundamentos do mesmo e deverá terminar pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, nas quais o recorrente resume as razões do seu pedido, de forma a permitir que o tribunal superior apreenda e conheça das razões da sua discordância em relação à decisão recorrida.

No presente recurso e considerando as conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, é apenas uma a questão a apreciar e a decidir, a saber: - Determinar se estão verificados os pressupostos de aplicação da medida de coação de prisão preventiva imposta ao recorrente.

II.

II - O despacho recorrido.

Realizada o interrogatório e cumpridos os formalismos legais foi proferido despacho com o seguinte conteúdo:« DESPACHO:Os factos indiciados são todos os já constantes no despacho de fls. 267 e seguintes, proferido aquando do 1.º Interrogatório do Arguido, a 14 de Abril de 2021 e ainda: 1) Por despacho de 14-04-2021, o arguido ficou sujeito às seguintes medidas de coacção, para além do TIR: “

  1. Fica o arguido proibido de se aproximar da residência da ofendida e do local onde a mesma trabalha; fixando se para este efeito um raio de 100 metros, ou outro que venha a ser indicado pelas entidades de controlo/ fiscalização competentes, em face da reduzida dimensão territorial da vila de (...); B) Fica o arguido proibido de se aproximar da ofendida e de a contactar, por qualquer meio (presencialmente; por telefone; email; redes sociais, não podendo falar ou escrever da/sobre a ofendida, nem tecer qualquer cometário sobre a mesma em nenhuma rede social; por intermédio de outrem, inclusive dos próprio filhos); C) Fica o arguido obrigado a entregar à ofendida as passwords que eventualmente detenha das redes sociais desta, no prazo de 1 dia; D) Fica o arguido obrigado a sujeitar-se à frequência de programa para arguidos em crimes no contexto de violência doméstica; E) Fica o arguido sujeito à aplicação dos meios técnicos de controlo à distância, caso se verifiquem todos...

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