Acórdão nº 923/14.0PBVIS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 07 de Dezembro de 2021

Magistrado ResponsávelANA CAROLINA CARDOSO
Data da Resolução07 de Dezembro de 2021
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam em Conferência na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra I. RELATÓRIO 1. Sentença recorrida: Por sentença de 21 de abril de 2021, proferida no processo comum n.º 923/14.0PBVIS, do Juízo Local Criminal de Viseu – J1, Comarca de Viseu, foi decidido: 1- Condenar o arguido A. pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, do Código Penal, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão; 2- Suspender a execução da referida pena de prisão, por igual período (2 anos e 6 meses), suspensão subordinada à obrigação de o arguido efetuar o pagamento à ofendida da indemnização fixada nesta sentença, no prazo de 1 ano a contar do trânsito em julgado da mesma, comprovando-o nos autos; 3- Julgar totalmente procedente o pedido de indemnização cível deduzido pela ofendida / demandante e, em consequência, condenar o arguido a pagar-lhe a quantia de € 7.500,00 a título de danos não patrimoniais; 2.

Recurso do arguido (conclusões que se transcrevem integralmente): 1. O presente recurso tem por objeto, a matéria de direito e de facto, com a reapreciação da prova gravada, porque a sua discordância assentará quer na valoração da matéria de facto, para o que se requer a reapreciação dos depoimentos prestados em sede de audiência de discussão, quer na qualificação jurídica emergente da factualidade dada como provada e não provada, isto é, saber se os factos, ainda que dados como provados, se subsumem ou não subsumem ao crime de violência doméstica.

  1. Entende o Arguido que o princípio “ne bis in idem”, com assento constitucional no artigo 29.º n.º 5 da CRP, foi violado por duas vezes nos presentes autos (processo n.º 923/14.0PBVIS).

  2. A primeira vez ocorreu através da adição à acusação [deduzida em 11-09-2015] de factos já anteriormente apreciados, conhecidos e declarados arquivados nos despachos de 06-11-2014 (fls. 34) e de 27-11-2014 (fls. 41), traduzindo-se tal inclusão [na acusação publica] numa segunda perseguição penal do aqui Arguido quanto aos factos já anteriormente apreciados e julgados arquivados a fls. 34 e 41.

  3. A segunda vez ocorre com a prolação da sentença recorrida [novo ato processual] que decide analisar e valorar novamente aqueles factos [condutas espácio-temporalmente determinadas] imputados ao Arguido, mas sobre os quais já havia recaído uma apreciação/declaração judicial de arquivamento por terem sido qualificados como crimes de ofensa à integridade física e de injúria e, quanto a eles, não ter sido recolhida prova da sua prática e ter havido também desistência de queixa.

  4. Como vimos, 6 anos depois do supra referido despacho de arquivamento, já transitado em julgado, o Tribunal a quo voltou a debruçar-se sobre os factos constantes de fls. 5, fls. 15, fls. 17 e fls. 28, discordando da qualificação jurídica que havia sido anteriormente feita sobre eles nos despachos de 06-11-2014 (fls. 34) e 27-11-2014 (fls. 41 a 43), mas julgando, a final, verificada a exceção do caso julgado por violação do princípio “ne bis in idem” no que respeita aos factos descritos na acusação pública nos parágrafos 3º a 8º (sendo os parágrafos 3º e 4º por referência a data anterior a 27.11.2014).

  5. Expurgados os factos descritos nos parágrafos 3º a 8º (de fls. 253 a 255) da acusação, conforme determinado na sentença recorrida por verificação do caso julgado, rapidamente verificamos que a demais factualidade ali vertida (acusação elaborada em 11-09-2015) é manifestamente insuficiente para preencher o tipo legal de crime de violência doméstica, p.p. no art. 152.º n.º 1 al. a) do CP.

  6. Tais factos são insuficientes para preencherem ou integrarem o referido ilícito de violência doméstica porque, como ensina este Tribunal da Relação de Coimbra, «Nos crimes onde a reiteração e intensidade do agir humano está no centro da definição de um tipo penal muito amplo (maus tratos, violência doméstica, tráfico de estupefacientes) a precisa indicação e concretude dos factos necessários à integração no tipo é elemento essencial do julgamento.», vide, por exemplo, acórdão do TRP, de 15-06-2016, no processo 1170/14.6TAVFR.P1, in www.dgsi.pt 8. Por outro lado, os demais parágrafos vertidos na acusação pública – depois de expurgados os factos abrangidos pelo caso julgado – apresentam-se despidos de qualquer concretização espácio-temporal e genéricas, sem uma precisa especificação das condutas e do tempo e do lugar em que ocorreram.

  7. Por conseguinte, a acusação elaborada em 11-09-2015, depois de purificada dos factos arquivados, não pode servir de suporte à qualificação do crime de violência doméstica, p.p. no art. 152.º n.º 1 al. a) do CP.

  8. Acresce que a imputação de juízos de valor, de factos genéricos, vagos, que não permitem ao Arguido localizar, no tempo e espaço, as ações que lhe são concretamente atribuídas impedem-no do exercício contraditório e, portanto, do direito de defesa constitucionalmente consagrado no art.º 32º n.º 1 da CRP, pelo que deviam aqueles factos ser tidos por não escritos, como é entendimento jurisprudencial generalizado.

  9. Consequentemente, o arguido devia ter sido absolvido do crime de que vinha acusado, pelo que o Tribunal a quo violou o disposto no n.º3 alínea b) do artigo 283º, n.º 2 alínea a) e n.º 3 alíneas b) e d) do art. 311.º, todos do CPP, e violou ainda o disposto no art.º 32º n.º 1 da CRP.

  10. Por outro lado, a fundamentação vertida na sentença recorrida a propósito da verificação da exceção do caso julgado contradiz a demais fundamentações na medida em que o Tribunal a quo não pode invocar a impossibilidade de apreciação posterior e, simultaneamente, apreciar e concluir coisa diversa da que consta do despacho de arquivamento.

  11. Ao fazê-lo, a decisão recorrida padece do vício a que alude o artº 410º, nº 2, b) do CPP.

  12. Concluída a produção de prova e realizadas as alegações orais na sessão de julgamento do dia 24-10-2018, ficou agendada a leitura da sentença para o dia 7 de novembro de 2018, pelas 14:00 hora (vide ata com a referência 83013760) 15.Surpreendentemente ou nem tanto, entre o términus da prova e a data agendada para a leitura da sentença, a ofendida (repare-se que nem assistente é) resolveu dirigir-se pessoalmente à Meritíssima Juíza através da carta manuscrita junta aos autos.

  13. Apesar do Arguido, através do requerimento apresentado com a ref. 30745581, ter requerido que aquela carta fosse mandada desentranhar, o Tribunal não se pronunciou sobre a referida carta, nem sobre o requerimento/pedido do Arguido.

  14. Durante a sessão realizada em 22-11-2018 (vide ata com a Referência: 83196419) e novamente em 21-04-2021, por força da repetição ordenada por acórdão do TRC proferido em 10-07-2019 (vide ata com a referência 87937720, o Tribunal a quo entendeu alterar a matéria de facto vertida na acusação pública nos termos constantes daquelas atas.

  15. O Arguido opôs-se a essa alteração e considera que entre os factos constantes da acusação deduzida em 11-09-2015 [depois de expurgada dos parágrafos 3º a 8º] e os factos comunicados no dia 22-11-2018 e em 21-04-2021 há uma diferença abismal de acervo fáctico, a qual visou suprir e colmatara total ausência de factualidade acusatória integradora dos elementos do tipo de crime de que o arguido vinha causado.

  16. Não se tratou apenas de descrever de forma diferente uma mesma realidade ou situação de facto ou a uma mera concretização de factos constantes da acusação pública, mas, sim, de um verdadeiro acrescento de realidades fácticas inovadoras, originais, novas, e sem as quais a acusação teria de ser julgada improcedente.

  17. O Tribunal não podia ter tido em conta, para efeito de condenação no presente processo, aqueles novos factos e ao fazê-lo, inverteu e violou alguns dos mais elementares princípios estruturantes do processo penal, designadamente a violação do princípio da vinculação temática. 21.O princípio do acusatório significa precisamente que só se pode ser julgado pela prática de um crime mediante prévia acusação que o contenha, deduzida por entidade distinta do julgador e constituindo ela, acusação, o limite desse julgamento.

  18. Tendo sido tomados em conta pelo tribunal para condenar o Arguido nestes autos, os quais veio a verter nos factos dados por provados, temos de concluir que o Tribunal recorrido conheceu de factos diversos daqueles que constavam da acusação e consequente nulidade violou– art. 379.º n.º 1 b) do CPP 23.Embora o Tribunal a quo diga, na motivação da decisão de facto, que fundou a sua convicção na análise crítica do conjunto da prova produzida e examinada em audiência de discussão e julgamento e da prova documental junta aos autos, de acordo com a sua livre convicção e as regras da experiência comum, a verdade é que a decisão padece do vicio de insuficiência de prova para a decisão da matéria de facto previsto no art. 410 n.º 2 do CPP.

  19. Por um lado, porque o Tribunal deu especial relevo e credibilidade ao depoimento da ofendida M., tendo-o adjetivado de coerente, objetivo, sincero e circunstanciado, quando da prova produzida, conjugada entre si e conjugada com os demais documentos juntos aos autos, se verifica que a ofendida mentiu durante o inquérito [concretamente na queixa de fls. 7 e a fls. 130 e 131 do processo 120/15.7PBVIS] e mentiu durante o julgamento a instâncias da Sra. Procuradora, de seguida, a instâncias da sua Mandatária e posteriormente a instâncias da Mandatária do Arguido.

  20. Voltou a mentir quando foi confrontada com a carta de fls. 250, junta aos autos pela própria ofendida, enviada em 05-08-2014, pelo Arguido.

  21. Pelo que a versão da ofendida não merece qualquer credibilidade para dar como provados os factos vertidos nos pontos 5 a 12 dos factos provados.

  22. O facto vertido no ponto n.º 4 não passa de uma afirmação genérica, vaga e não descreve qualquer comportamento integrador de alegado comportamento ofensivo, pelo que não tem qualquer dimensão e relevância penal e deve ser tido como não escrito.

  23. Depois...

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