Acórdão nº 963/07.5 BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 25 de Novembro de 2021

Magistrado ResponsávelTÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Data da Resolução25 de Novembro de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Sul
  1. RELATÓRIO A Fazenda Pública (doravante Recorrente ou FP) veio apresentar recurso da sentença proferida a 12.03.2021, no Tribunal Tributário de Lisboa, na qual foi julgada procedente a impugnação apresentada por J., SGPS, SA (doravante Recorrida ou Impugnante), que teve por objeto a liquidação de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC), atinente ao exercício de 2004, na sequência do despacho que autorizou a aplicação de normas anti-abuso e respetivo relatório n.º 03/COM1/2007.

    Apresentou alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos: “A.

    Visa o presente recurso reagir contra a douta decisão que julgou procedente a Impugnação Judicial e, em consequência, determinou a anulação da liquidação de IRC referente ao exercício de 2004. Alicerçou-se a referida decisão na consideração de que não se mostravam, in casu, verificados os elementos meio e intelectual essenciais à aplicação da cláusula geral anti-abuso; B.

    Não pode a Fazenda Pública conformar-se com o assim doutamente decidido, considerando existir erro de julgamento, uma vez que da prova produzida e levada aos autos da presente impugnação, não se podem extrair as conclusões em que se alicerça a decisão proferida, impondo-se antes decisão diversa da adotada; C.

    A liquidação de IRC objeto de apreciação nos presentes autos foi emitida na sequência de procedimento inspetivo, no âmbito do qual foram efetuadas correções à matéria coletável da Impugnante, ao exercício de 2004, no montante de €6.498.000,00. Tais correções resultaram da aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 38.º da LGT, tendo sido considerada a ineficácia, para efeitos tributários, do recebimento de lucros e a necessidade de tributar as operações de acordo com as normas aplicáveis ao recebimento de juros. Tal consubstancia-se na desconsideração da dedução prevista no artigo 46.° do CIRC e na tributação dos juros com base no artigo 20.°, n.°1, alínea c) do mesmo Código, no montante de 6.498.000,00 Euros, relativamente ao exercício de 2004; D.

    A AT logrou demonstrar, de forma clara e inequívoca, a verificação de todos os pressupostos legais de que depende a aplicação da cláusula geral anti-abuso, prevista no n.º 2 do artigo 38.º da LGT; E.

    Mostra-se minucioso e pormenorizadamente descrito e provado todo o “itinerário” artificioso e fraudulento que a recorrida adotou na sua fuga ao fisco, bem como os elementos normativos integradores da conclusão da ocorrência de abuso fiscal, nos termos do artigo 38.º, n.º 2 da LGT e do artigo 63.º, n.º 2 do CPPT; F.

    No sentido de que se mostravam verificados os requisitos de que depende a aplicação da cláusula geral anti-abuso já se havia pronunciado a sentença inicialmente proferida nos autos; G.

    Não pode a Fazenda Pública conformar-se com a consideração da Mma. Juiz a quo, no sentido de que estando a Impugnante juridicamente impedida de conceder diretamente crédito à F. O., a utilização da F. não se revela desnecessária, nem tão pouco constitui um meio artificioso ou abusivo; H.

    Com efeito, tal raciocínio assenta no pressuposto errado de que a F. exerceu uma atividade económica típica, usual e autónoma, como se de uma verdadeira sociedade comercial se tratasse, o que, resulta clara e amplamente infirmado nos autos; I.

    Ficou amplamente demonstrado nos autos, conforme resulta das alíneas J), N), O, P), R), S) e Z) do probatório, falta de qualquer estrutura económica ou financeira que suportasse a sociedade em causa, limitando-se a interpor-se nos contratos de empréstimo com a F. O., cujos juros entretanto recebidos não revertiam a favor desta enquanto ente autónomo, transferindo-os, sob a forma de dividendos, para a Impugnante; J.

    Impunha-se, pois, concluir que o único papel relevante que a F. vinha desempenhando foi então o de funcionar como mero recetáculo ao recebimento dos juros (aproveitando o regime fiscal favorável da Zona Franca da Madeira) e posteriormente os fazer distribuir, agora como dividendos, para a Impugnante, ora recorrida, e esta os fazer deduzir na sua base tributável, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 46.º do CIRC.

    K.

    A ora recorrida, ao transformar os juros do capital que aplica em lucros distribuídos por uma empresa sua participada isenta de IRC produz um efeito de fuga ao imposto, o qual seria exigido se a empresa tivesse optado por uma aplicação direta, com resultados económicos equivalentes; L.

    Em situação idêntica à dos presentes autos, o TCA Sul pronunciou-se no sentido de que “… Preenche todos os pressupostos da cláusula antiabuso, a contribuinte que fez interpor entre si e o cliente final, uma sociedade por si detida na sua maior parte, sem atividade comercial típica e normal e nem património ou qualquer estrutura física, em que os atos praticados não tiveram em vista gerar qualquer lucro para si, enquanto ente autónomo, tendo apenas praticado actos formais de intermediação, que permitiram beneficiar a contribuinte, face ao regime legal de isenção aplicável na zona franca da Madeira em que a mesma se encontra sediada, tendo por estas operações obtido exatamente o mesmo resultado económico como se tais operações fossem diretamente, por si realizadas”, cfr. acórdão de 14-02-2012, p. 05104/11; M.

    Em face do exposto, impunha-se concluir pela verificação dos pressupostos de que depende a aplicação da cláusula geral anti-abuso, consagrada no artigo 38.º, n.º 2 da LGT, não enfermando de qualquer ilegalidade as correções à matéria coletável da Impugnante, no exercício de 2004, feitas pelos SIT, e consequentemente a liquidação dali resultante não merece qualquer censura, devendo ser mantida na ordem jurídica; N.

    Assim sendo, ao decidir como decidiu, incorreu o tribunal a quo, salvo o devido respeito, em erro de julgamento por inadequada apreciação e valoração da prova produzida e errónea interpretação e aplicação do disposto no artigo 38.º, n.º 2 da LGT, pelo que, deve a douta sentença ser revogada, determinando-se a total improcedência da impugnação, com as legais consequências.

    Termos em que, com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser concedido provimento ao presente recurso e, consequentemente, ser revogada a douta decisão, na parte recorrida, com as legais consequências, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!”.

    A Recorrida apresentou contra-alegações, nas quais formulou as seguintes conclusões: “1. Através do presente recurso pretendeu a AT reagir contra a douta decisão que julgou procedente a Impugnação Judicial e, em consequência, determinou a anulação da liquidação de IRC n.º 2007.8910017484 (e consequente demonstração de acerto de contas n.º 2007.00001933879), referente ao exercício de 2004, alicerçada que estava na consideração de que não se mostravam, in casu, verificados os elementos meio e intelectual essenciais à aplicação da cláusula geral anti abuso.

    1. Sucede, porém, que resulta indubitavelmente provada nos autos, toda a matéria de facto alegada e não contestada e, de resto, diretamente retirada dos documentos juntos aos autos e dos depoimentos prestados, de forma capaz e credível – conforme ajuíza o Tribunal a quo –, pelas testemunhas arroladas em sede de audiência de discussão e julgamento agendada para o efeito, do que resulta não oferecer a menor dúvida que (i) a constituição da F. teve como objetivo inicial um interesse organizatório do Grupo, não dominado por razões fiscais, o que explica, aliás, que ela tenha ocorrido algum tempo antes de existir qualquer negócio com a H.; (ii) em face da instabilidade económica que se fazia sentir em alguns mercados externos, e tendo em conta a debilidade do sistema bancário nacional, o grupo J. decidiu financiar o seu programa de internacionalização através da criação de sociedades localizadas na Zona Franca da Madeira, que ficariam responsáveis por canalizar para cada mercado alvo e para cada negócio os meios financeiros necessários à sua consolidação; (iii) esta estrutura foi escolhida para reduzir o risco de contaminação dos investimentos no exterior à sociedade holding em Portugal; (iv) todas as operações de carácter administrativo e financeiro, no seio do Grupo J., eram proporcionadas por sociedades destinadas a esse fim, pelo que não havia razão para duplicar meios e estruturas nas respetivas sub-holdings; e, finalmente, que (v) a prestação destes serviços externos eram os que se mostravam adequados a uma sociedade como a F., em função dos ativos que detinha e das operações que realizava.

    2. Todos estes aspetos que foram absolutamente discernidos pelo Tribunal a quo, de forma fundamentada e consolidada, não sendo de lhe imputar qualquer vício de julgamento a respeito da matéria de facto carreada e provada nos autos, caindo, assim, por terra a tese que a este propósito vem defendida pela Recorrente nas respetivas alegações de recurso.

    3. Quanto ao julgamento da matéria de Direito, considera a Recorrida que não pode deixar de ser entendido que, à data da emissão das liquidações impugnadas, teria já caducado o direito de utilizar o procedimento especial previsto no nº 1 do artigo 63º do CPPT, sem o que não é possível à Administração aplicar a CGAA. Com efeito, o processo de inspeção subjacente à liquidação impugnada teve o seu início em 2007, enquanto que a celebração do contrato de compra e venda de obrigações emitidas pela F. O., entre esta sociedade e a sociedade H. (1997), a constituição da F. (2000), e a celebração do contrato de cessão da posição contratual assumida pela H. naquele contrato de compra e venda, em benefício da H. (2001), ocorreram em momentos que antecedem em mais de três anos a mencionada data.

    4. Ora, no nº 3 do artigo 63º do CPPT, a referência ao ato ou à celebração do negócio jurídico, como marcos a partir dos quais se inicia a contagem deste prazo especial, só pode querer abranger os atos ou negócios jurídicos realizados através da “utilização de meios artificiosos ou fraudulentos ou realizados com abuso de formas” – os chamados também “atos fraudatórios”.

    5. Em muitos casos, é certo, o momento da prática do...

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