Acórdão nº 02630/14.4BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 05 de Novembro de 2021

Magistrado ResponsávelRicardo de Oliveira e Sousa
Data da Resolução05 de Novembro de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: * *I – RELATÓRIO E., com os sinais dos autos, vem intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL do despacho do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga [doravante T.A.F. de Braga], de 04.05.2021, que indeferiu o pedido formulado pela Recorrente de inquirição oficiosa de testemunhas identificadas no requerimento apresentado pela Autora em 29.04.2021.

Em alegações, a Recorrente formula as conclusões que ora se reproduzem, que delimitam o objeto do recurso: “(…) I. Por despacho de 4 de maio de 2021, indeferiu o juiz a quo a inquirição oficiosa de testemunhas, peticionada pela A. e aqui recorrente, no seu requerimento datado de 29 de abril de 2021, com a ref.a 442854.

  1. O processo, que corre termos desde novembro de 2014, consubstancia-se na análise das práticas médicas levadas a cabo pelo hospital de (...), aqui R., que culminaram num errado diagnóstico de cancro e por conseguinte numa terapêutica desproporcional - histerotomia total.

  2. Na sessão de julgamento que teve lugar no passado dia 22 de abril de 2021, a R. E. S.A, bem como a interveniente acessória Companhia de Seguros (...) S.A., prescindiram da totalidade da prova testemunhal arrolada.

  3. Ao abrigo do poder-dever disposto no artigo 526° do C.P.C, a recorrente efetuou pedido ao tribunal para inquirição oficiosa das testemunhas, na medida em que as mesmas têm conhecimento efetivo de factos que se revelam fundamentais para a boa decisão da causa.

  4. O tribunal a quo, após solicitar às partes que se pronunciassem sobre a audição das testemunhas, testemunhas estas que as partes prescindiram, indeferiu a inquirição oficiosa de testemunhas com base na falta de arrolamento das mesmas por parte da A.; na falta de demonstração nas sessões de julgamento da especial necessidade de ouvir as testemunhas em causa; e ainda no facto de esta inquirição servir unicamente para protelar a duração da ação, pois as inquirições das testemunhas já ouvidas, relatórios periciais e demais documentos “demonstraram que o ora requerido pela Autora carece de utilidade, servindo C. Advogadas apenas para protelar a duração de uma ação administrativa que já tem mais de 6 (seis) anos e cuja audiência final aguarda a terceira sessão”, aprendendo em absoluto a argumentação apresentada pelas partes VI. No processo, a nível de prova testemunhal foram ouvidos os médicos que acompanharam o processo clínico e ainda acompanham a A. no IPO de Lisboa, bem como outros profissionais de saúde dos quais a A. se socorreu sendo que necessitava de esclarecimentos médicos que nunca foram prestados pelos profissionais de saúde que a acompanharam no hospital de (...), sendo expectável que o tribunal a quo tivesse interesse, para o julgamento do caso, em ouvir os médicos que acompanharam realmente o processo clínico da A. no hospital de (...).

  5. Nessa medida seria imprescindível a inquirição do Dr. G., o Dr. F., Dra. P. e Dr. R., tendo o Dr. G., acompanhado a A. desde o episódio de urgência de 28 de abril de 2014, tendo proposto a A. para laparatomia exploradora por análise dos exames efetuados; o Dr. F. efetuou o exame histológico alicerçando, sem mais o diagnóstico erróneo de cancro no ovário - carcinoma papilar misto; a Dra. P. comunicou o diagnóstico à A., efetuou consulta de grupo de oncologia, com o Dr. R., informando, sem quaisquer esclarecimentos que a A. teria de ser operada - histerectomia total - teria 6 ciclos de quimioterapia.

  6. Apenas as testemunhas poderão esclarecer as questões atinentes aos alegados consentimentos informados, ao diagnóstico e escolha das terapêuticas e todas questões inerentes à ética médica, questões levantadas na ação e no decurso das audiências de julgamento.

  7. Ora em nenhum momento o tribunal a quo justifica na sua argumentação que as testemunhas não detêm conhecimento de factos que sejam importantes para a causa pelo que por força de razão sempre teria de as ouvir, não podendo assim prevalecer a fundamentação para o indeferimento pelo tribunal a quo na medida em que viola o disposto nos artigos 526° e 411° do CPC, ex vi artigo 1° do CPTA.

  8. Por conseguinte o despacho de indeferimento da inquirição oficiosa das testemunhas apresentadas pela A. em requerimento datado de 29 de abril de 2021 - Dr. G., o Dr. F., Dra. P. e Dr. R. deverá ser revogado e consequentemente ser promovida a inquirição oficiosa das testemunhas (…)”.

*Notificados que foram para o efeito, os Recorridos não produziram contra-alegações.

*O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos e o modo de subida.

*O/A Digno[a] Magistrado[a] do Ministério Público junto deste Tribunal Superior emitiu parecer - a se alude no nº.1 do artigo 146º do C.P.T.A - no sentido da improcedência do presente recurso.

*Com dispensa de vistos prévios, cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta.

* * *II - QUESTÃO PRÉVIA Embora não equacionada pelas partes, impõe-se ponderar a admissibilidade do presente recurso jurisdicional.

Assim, dispõe o artigo 526.º do CPC, sob a epígrafe “Inquirição por iniciativa do tribunal” o seguinte: ”(…)“1- Quando, no decurso da ação, haja razões para presumir que determinada pessoa, não oferecida como testemunha, tem conhecimento de factos importantes para a boa decisão da causa, deve o juiz ordenar que seja notificada para depor”.

Como se expendeu na decisão judicial firmada no processo nº. 113/07.8TBMLG -A.G1, do Presidente da Relação de Guimarães, de 02.02.2019, consultável em www.dgsi.pt: “(…) Da análise da descrição posta no art.º 645.º do C.P.Civil, anterior e posteriormente à reforma processual estatuída pelo Dec. Lei n.º 329 -A/95, de 12/12, respetivamente, resulta que, ao contrário do que se estabelecia antes (que era um poder discricionário atribuído ao julgador), o atual regime jurídico que contempla a inquirição testemunhal por iniciativa do juiz é caracterizado por um poder/dever e, por isso, sujeito à verificação dos pressupostos legais que permitem esta jurisdicional atitude - afastado, como agora foi, o entendimento perfilhado por Rodrigues Bastos (Notas ao C.P.Civil, 3.º - 201) no tocante à discricionariedade da inquirição por iniciativa do tribunal, poderá a parte que viu recusada tal inquirição reagir através do competente recurso (Abílio Neto; Código de Processo Civil Anotado; art.º 645.º). Porque, através do recurso de agravo que deduziu, foram impugnados pelo recorrente os fundamentos da decisão que a parte não aceita e este despacho se não inclui na categoria daqueles que se podem designar por despachos de mero expediente nem dos proferidos no uso legal de um poder discricionário (art.º 679.º do C.P.Civil), ou seja, os despachos que se destinam a prover ao bom andamento do processo, sem interferir no conflito de interesses entra as partes (mero expediente) ou que decidam matérias confiadas ao prudente arbítrio do julgador (no uso legal de um poder discricionário), ex vi do n.º 4 do art.º 156.º do C.P.Civil, só o tribunal superior é que poderá decidir este conflito de interesses expresso pelas partes (…)”.

Do que se vem de transcreve grassa à evidência que o poder-dever conferido pelo artigo 526º, nº.1 do C.P.C. pode ser sindicado por este Tribunal Superior.

De facto, na parte atinente aos recursos, o princípio geral do ordenamento jurídico é o da recorribilidade, em obediência ao duplo grau de jurisdição, como decorre do conjuntamente disposto nos arts. 20.º, n.º1, da CRP, e 627.º, n.º1 e segs., do CPC e 140º e seguintes do C.P.T.A.

Os casos concretos de irrecorribilidade são previstos expressamente pela lei, aqui...

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