Acórdão nº 00014/18.4BEAVR de Tribunal Central Administrativo Norte, 05 de Novembro de 2021

Magistrado ResponsávelMaria Fernanda Antunes Apar
Data da Resolução05 de Novembro de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: RELATÓRIO M., A. e M. instauraram acção administrativa, contra o Fundo de Garantia Salarial, todos melhor identificados nos autos, peticionando que a acção seja declarada procedente e: 1) A Anulação dos actos administrativos de indeferimento dos requerimentos de pagamento dos créditos emergentes do contrato de trabalho, juntos como documento n.º 17, proferidos pelo Director da Segurança Social; 2) A condenação da Entidade Demandada na prática dos actos administrativos de deferimento desses pagamentos, peticionados no âmbito do procedimento administrativo.

Por sentença proferida pelo TAF de Aveiro foi julgada improcedente a acção e absolvida a Entidade Demandada dos pedidos.

Desta vem interposto recurso.

Alegando, os Autores formularam as seguintes conclusões: 1.º) Andou mal o Tribunal recorrido ao decidir conforme decidiu; Com efeito, 2.º) O Meritíssimo Juiz do Tribunal “a quo” fez uma errada apreciação e valoração da prova produzida, contendo, por isso, a Douta Sentença recorrida uma nulidade, por violação do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil, impondo-se, por esse motivo, a sua revisão.

Na verdade, 3.º) Toda a prova produzida foi-o demonstrativa, à saciedade, de que ora recorrentes foram despedidos pela sua entidade patronal, e que esse despedimento ocorreu no dia sete de Outubro de 2014; Pelo que, 4.º) Impõe-se que este facto passe a constar dos factos dados como provados; 5.º) Para este entendimento concorre, em primeiro lugar, a prova documental produzida, a qual foi objecto de uma notória e errada valoração; Vejamos, 6.º) Foram juntas aos autos três declarações da situação de desemprego entregues pela entidade patronal aos ora recorrentes, datadas de 07 de outubro de 2014 e onde nelas consta como data da cessação do contrato de trabalho o dia 02 de Outubro de 2014 (cfr. pontos C, D e E dos factos provados); Também 7.º) Foram juntos aos autos três requerimentos de pedido de pagamento de créditos emergentes da cessação do contrato de trabalho, datados de 10 de Julho de 2015, onde consta como data da cessação do contrato de trabalho o dia 07 de Outubro de 2014 (cfr. pontos N, O e P dos factos provados).

8.º) Aqui chegados verificamos estar perante dois documentos de natureza idêntica, contraditórios entre si, impondo-se, face à sua evidente contradição que, no texto da Douta Sentença proferida, fosse justificada a força probatória diferenciada que o Tribunal “a quo” lhes atribuiu, com claro sobrepeso dos primeiros em detrimento dos segundos – o que não sucedeu; 9.º) Nesse sentido veja-se o referido no acórdão proferido por este Tribunal Central, em 23-05-2019, no âmbito do Processo 02673/18.9BEPRT – 2.ª Secção, consultável no endereço: http://www.dgsi.pt/jtcn.nsf/89d1c0288c2dd49c802575c8003279c7/0ed42bd99f01402f8025844600519d2f Mas, 10.º) Mais gravoso do que a omissão dessa justificação - da atribuição de maior valor probatório aos primeiros, em detrimento dos segundos, - está o facto de os primeiros terem sido expressamente impugnados pelos ora recorrentes, e o Tribunal “a quo” não ter atendido a essa impugnação, referindo inclusive no texto da Douta Sentença proferida, no separador III. 1.3 Motivação (página 11) que se transcreve: “designadamente o teor dos documentos não impugnados juntos aos autos pelas partes e os constantes do processo administrativo, conforme referido em cada ponto do probatório”; Ou seja, 11.º) O tribunal “a quo” fez completa tábua rasa da impugnação expressa que os ora recorrentes fizeram desses documentos, em virtude de os mesmos enfermarem de um vício ou erro quanto à data da cessação do seu contrato de trabalho, o que fizeram por requerimento de 21 de Maio de 2018, a cuja peça processual o sistema informático sitaf atribuiu a referência 150421. Ora, 12.º) À luz do nosso ordenamento jurídico, os documentos impugnados não têm o mesmo poder probatório que os documentos não impugnados; Pois que 13.º) Nos termos do disposto no artigo 376.º do Código Civil, os documentos particulares que tenham sido impugnados deixam de fazer prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor.

Mas 14.º) Ao assim decidir o Tribunal incorreu numa errada análise, interpretação e valoração da prova documental, violando desta forma o disposto nos nºs 4 e 5 do artigo 607.º do Código de Processo Civil.

15.º) Deverá, assim, em face da prova documental produzida e das regras da sua valoração, passar a constar dos factos dados como provados que os trabalhadores foram despedidos no dia sete de outubro de 2014; Acresce que, 16.º) Também a prova produzida, pelas declarações de parte nos fazem concluir que esse despedimento ocorreu no dia sete de outubro de 2014, impondo-se, igualmente, por este tipo de prova produzida, a modificação da classificação deste facto, para a secção dos factos dados como provados.

17.º) Atentemos no depoimento da Autora M., gravado no sistema de registo áudio informático em uso no Tribunal, desde os minutos 00:35 aos minutos 13:18, de onde se salienta o audível desde os minutos 04:33 aos minutos 05:39, dos minutos 07:07 a 07:27 e ainda dos minutos 10:55 a 11:21, acima transcrito.

18.º) Em todo o seu depoimento facilmente se percebe que a Autora só no dia sete teve conhecimento de que estava despedida, tendo inclusive nos dias anteriores se preparado e até mesmo se deslocado para o seu local de trabalho, o que não faria, obviamente, se tal lhe tivesse sido transmitido pela sua entidade patronal; De igual modo 19.º) O Autor A., cujo depoimento se encontra gravado no sistema de registo áudio informático em uso no Tribunal, desde os minutos 14:20 aos minutos 33:58, se considerou despedido no dia sete de outubro, por só ter sido nesse dia que tal facto lhe foi transmitido; 20.º) Anteriormente a tal data apenas lhe tinha sido pedido que aguardasse pelo contacto para a retoma do trabalho, pois que, devido a um problema na cozinha, que estava a tentar ser resolvido, não era possível ele prestar trabalho, salientando-se o audível desde os minutos 18:23 aos minutos 20:16, acima transcrito; 21.º) Também a Autora M. foi peremptória em dizer que foi no dia sete de outubro que lhe foi dito que estava despedida; 22.º) Veja-se o seu depoimento gravado no sistema de registo áudio informático em uso no Tribunal, desde os minutos 36:05 até aos minutos 01:03:28, do que aqui salientamos o constante dos minutos 39:35 a 43:53; 23.º) Todos eles, melhor do que ninguém, vivenciaram tudo o que se passou, fazendo a mesma interpretação quanto à data do seu despedimento, apesar das suas diferenças de personalidade, capacidade e escolaridade.

E 24.º) Se o Tribunal entendeu que, por as suas declarações não terem uma visão fotográfica de alguns pormenores, não se afiguravam credíveis, então continuou a andar mal nessa interpretação; Na verdade, 25.º) No princípio da livre apreciação da prova, tem que ser sopesado pelo Tribunal que, o que foi retido por quem observou e testemunhou não pode ser dissociado do facto de os acontecimentos terem sofrido a influência erosiva do tempo, (e no caso presente seis anos volvidos) a que acrescem ainda factores de ordem subjectiva ligados à percepção, apreciação ou relato dos acontecimentos; Por aqui 26.º) Facilmente se percebe que o depoimento de cada um dos Autores se mostrou genuíno, revelando, inclusive, a sua indignação por só ao fim de tanto tempo estarem ali, bem como pelo facto de estarem a ser injustamente sujeitos a um entendimento vertido pela ora recorrida, que não é coincidente com os factos, sendo estes alheios à circunstância de a entidade patronal não ter feito coincidir as datas na declaração para a situação de desemprego; 27.º) O que também é corroborado pela prova testemunhal produzida, que, mais uma vez, foi indevidamente desvalorizada pelo Tribunal “a quo”; Com efeito, 28.º) Apesar de, em parte, se tratarem de testemunhos indirectos, não deixam de merecer credibilidade por esse facto, e de relevarem para o apuramento da verdade e da justiça, como tanto se almeja, dado o circunstancialismo vivenciado pelas próprias, junto dos seus familiares; 29.º) Atentemos no depoimento da testemunha M., marido da Autora M., no seu depoimento gravado no sistema de gravação do Tribunal e audível dos minutos 01:05:00 aos minutos 01:13:30, do que salientamos os seguintes excertos transcritos acima dos minutos 01:07:08 aos minutos 01:10:23; 30.º) Esta testemunha não tem dúvidas que a sua mulher foi despedida no dia sete de outubro, tendo, ele próprio, escutado essas palavras, nesse dia, da boca dos patrões dela, à porta do estabelecimento, pois que a tinha acompanhado, àquele local; Nem dúvidas lhe assaltam de que 31.º) Nos dias antecedentes, viu-a preparar-se para ir trabalhar, tendo mesmo no dia três chegado a sair de casa para esse fim, mas regressado depois, e no dia quatro, quando estava já para sair, a mesma ter recebido um telefonema a dizer-lhe que não fosse, porque havia um problema na cozinha e que logo que estivesse resolvido lhe diriam para ela voltar ao trabalho; 32.º) Tal como sabe que a mulher combinou com os colegas de trabalho a ida ao estabelecimento no dia sete, para verem o que se passava, tendo-a acompanhado nessa démarche; Igualmente 33.º) A testemunha C. depôs com isenção, credibilidade e conhecimento de causa, indirecto, mas todavia vivenciado, porquanto habita o mesmo espaço físico do seu pai; Na verdade, 34.º) Pelo seu depoimento, audível no ficheiro de som, entre os minutos 01:25:20 e 01:30:52, do que salientamos e transcrevemos os minutos 01:28:14 a 1:30:54, facilmente se percebe que, inquirindo o seu pai directamente do porquê de se encontrar em casa em horário diferente do habitual, ter obtido dele como resposta a existência de um problema na cozinha do seu local de trabalho, impeditivo da sua prestação.

E que 35.º) Volvido o fim de semana, após ter regressado a sua casa no dia sete de...

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