Acórdão nº 0112/20.4BALSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 24 de Novembro de 2021
Magistrado Responsável | GUSTAVO LOPES COURINHA |
Data da Resolução | 24 de Novembro de 2021 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Acordam no Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo I – RELATÓRIO I.1 Alegações I. A DIRECTORA-GERAL DA AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, inconformada com a decisão arbitral proferida no processo nº 616/2019-T que correu termos no Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), julgou procedente o pedido de pronúncia quanto à liquidação de IRS deduzido por Z…………………… na qualidade de revertida no processo de execução fiscal para cobrança da dívida originariamente imputada à sociedade Y………………. Lda, vem dela recorrer para o Supremo Tribunal Administrativo, nos termos do disposto no art. 152º, nº1 do CPTA (Código de Processo dos Tribunais Administrativos) e do nº 2, do art. 25º do RJAT (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, aprovado pelo DL nº 10/2011, de 20 de Janeiro), com a alteração introduzida pela Lei nº 119/2019, de 18/09, por considerar que a referida decisão arbitral recorrida colide com a decisão arbitral proferida no processo nº 118/2015-T do CAAD, em 30/10/2015 – o qual transitou em julgado.
II. Por despacho a fls. 574 do SITAF, o Ex.º Relator junto deste Supremo Tribunal veio admitir o recurso para o Pleno da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal, ordenando a notificação à entidade recorrida para contra alegar e ao Ministério Público para emitir de Parecer.
III. A recorrente Fazenda Pública, veio apresentar alegações de recurso a fls. 3 a 29 do SITAF, no sentido de demonstrar a alegada oposição de julgados, formulando as seguintes conclusões: A. O presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência vem interposto nos termos do art.º 152º nº1 do CPTA (Código de Processo dos Tribunais Administrativos) e nº 2 do art.º 25º do RJAT (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, aprovado pelo DL nº 10/2011, de 20 de Janeiro), e tem por objecto a Decisão Arbitral proferida no âmbito do processo nº 616/2019-T pelo Tribunal Arbitral constituído no Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), por se encontrar em contradição com a Decisão proferida no âmbito do processo nº 118/2015-T, pelo Tribunal Arbitral constituído no CAAD, no segmento decisório que se reporta ao entendimento que nas situações de rendimentos sujeitos a retenção que não tenham sido contabilizados nem comunicados como tal aos respectivos beneficiários, o substituto assume responsabilidade solidária pelo imposto não retido, entendendo o Tribunal a quo que a AT deveria primeiro exigir o imposto aos trabalhadores (substituídos/beneficiários) e só depois é que poderia exigir o imposto ao substituto (entidade patronal).
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A decisão sob recurso entendeu que: “Deste modo, no caso concreto o ato de liquidação e consequente notificação, deveriam ter sido dirigidos contra o responsável originário – os substituídos, titulares dos rendimentos sujeitos a imposto – e não unicamente contra o responsável solidário. Não estando em causa uma situação abrangida pelo artigo 21.º, n. º1, da LGT, inexiste, na esfera deste, qualquer facto tributário, pelo que a liquidação terá de ser feita na esfera do sujeito passivo originário.” C. Por seu turno, a decisão fundamento, também ela proferida por um tribunal arbitral constituído no CAAD, teve um entendimento diametralmente oposto, concluindo da seguinte forma: “A Lei nº 53-A/2006,de 29 de Dezembro (LOE 2007) aditou ao normativo um número 4 (e também um nº 5) no sentido seguinte: “4. Tratando-se de rendimentos sujeitos a retenção na fonte que não tenham sido contabilizados nem comunicados como tal aos respectivos beneficiários, o substituto assume responsabilidade solidária pelo imposto não retido”. No Relatório do Orçamento de Estado para 2007 (a folhas 26 e seguintes) depois de se consagrar que uma das principais medidas da política fiscal respeitam “ao reforço do combate à fraude e evasão fiscais, designadamente através do aprofundamento das cláusulas anti abuso” referencia-se, expressamente, a “instituição de um regime de responsabilização solidária do substituto pelo imposto não retido aos beneficiários dos rendimentos em situações qualificadas como práticas fraudulentas relacionadas com a omissão ou redução do montante das remunerações pagas, seja pela sua não contabilização, seja pela sua caracterização como rendimentos não sujeitos a tributação (vg., ajudas de custo)”(sublinhado nosso).
(…) Os “princípios gerais de interpretação” para onde nos remete o transcrito nº 1, são estabelecidos no artigo 9º do Código Civil, que reza o seguinte: Artigo 9º Interpretação da lei “1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
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Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
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Na fixação e alcance do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”.
É pois à luz destes princípios e igualmente tendo em conta a intenção e os fins visados pelo legislador subjacentes à alteração levada a cabo no artigo 103º do CIRS que não encontramos razões para discordar da interpretação que a AT fez do mesmo, traduzida e corporizada na prática, e face ao regime de responsabilidade solidária aí consagrado, na possibilidade de exigência do pagamento do imposto de forma indistinta, ao substituto ou ao substituído, da acordo com o regime em questão.” D. O entendimento vertido na decisão recorrida colide com a decisão fundamento quanto à mesma questão fundamental de direito que se prende com saber se, nas situações em há rendimentos sujeitos a retenção na fonte que não tenham sido contabilizados nem comunicados como tal aos respectivos beneficiários, o substituto deve assumir responsabilidade solidária pelo imposto não retido, tendo a AT possibilidade de exigência do pagamento do imposto de forma indistinta, ao substituto ou ao substituído (cfr. art.º 103º, nº4 CIRS) ou, nestes casos, deverá desaplicar-se a norma especial aplicando-se a norma geral, prevista no artº 21º, da LGT, obrigando a AT em primeiro lugar a exigir o imposto não retido ao substituído e só depois ao substituto? E. As duas decisões divergem no entendimento do enquadramento daquela situação, sendo que na decisão fundamento o entendimento é que a AT tem a possibilidade de exigência do pagamento do imposto de forma indistinta ao substituto ou ao substituído (cfr. artº 103º, nº4 CIRS) e a decisão sob recurso tem um entendimento oposto.
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Como tem sido afirmado de forma constante pela jurisprudência do STA, a identidade da questão fundamental de direito reporta-se, concomitantemente, aos preceitos ou princípios jurídicos aplicados e às situações de facto que eles concretamente disciplinaram. E que essa identidade não necessita de ser formal ou absoluta, mas uma identidade essencial. No presente caso até se verifica uma identidade praticamente absoluta, já que o processo 119/2015-T (que foi copiado quase integralmente para o corpo da decisão sob recurso) é exactamente igual ao processo nº 118/2015-T (que é a decisão fundamento), pois é a mesma sociedade que interpôs a acção, devido aos mesmos factos, embora respeitante a um ano diferente.
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A decisão arbitral recorrida e a decisão fundamento versam sobre situações fácticas substancialmente idênticas, entendendo-se não como uma total identidade dos factos mas apenas como a sua subsunção às mesmas normas legais (Cfr Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, 6ª edição, 2011, Volume IV, p.475 809). O que se verifica também in casu.
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Está em causa em ambos os processos arbitrais a mesma questão, isto é se, nas situações em há rendimentos sujeitos a retenção na fonte que não tenham sido contabilizados nem comunicados como tal aos respectivos beneficiários, o substituto deve assumir responsabilidade solidária pelo imposto não retido, tendo a AT possibilidade de exigência do pagamento do imposto de forma indistinta, ao substituto ou ao substituído (cfr. art.º 103º, nº4 CIRS) ou, nestes casos, deverá desaplicar-se a norma especial aplicando-se a norma geral, prevista no artº 21º, da LGT, obrigando a AT em primeiro lugar a exigir o imposto não retido ao substituído e só depois ao substituto? I. Portanto, não restam dúvidas sobre a identidade das duas situações.
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Porém, a posição contida na decisão proferida no processo nº 115/2015-T (decisão fundamento) parece-nos ser aquela que mais vai de encontro com uma correcta interpretação dos preceitos legais aqui aplicáveis.
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Com efeito, o elemento literal não é o único a ter em consideração no âmbito da tarefa interpretativa.
L. Interpretar a lei é atribuir-lhe um significado, determinar o seu sentido a fim de se entender a sua correcta aplicação a um caso concreto.
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A interpretação jurídica realiza-se através de elementos, meios, factores ou critérios que devem utilizar-se harmónica e não isoladamente.
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O primeiro são as palavras em que a lei se expressa (elemento literal); os outros a que se seguidamente se recorre, constituem os elementos, geralmente denominados lógicos (histórico, racional e teleológico).
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O elemento literal também apelidado de gramatical, são as palavras em que a lei se exprime e constitui o ponto de partida do intérprete e o limite da interpretação.
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A letra da lei tem duas funções: a negativa (ou de exclusão) e positiva (ou de selecção). A primeira afasta qualquer interpretação que não tenha uma base de apoio na lei (teoria da alusão); a segunda privilegia, sucessivamente, de ente vários significados possíveis, o técnico jurídico, o especial e o fixado pelo uso geral da linguagem.
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Mas, além do elemento literal, o intérprete tem de se socorrer algumas vezes dos elementos lógicos com os...
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